Apesar de
todos os giros e rodopios do mundo ...
Por Alessandra
Leles Rocha
A notícia de que o Fundo
Monetário Internacional (FMI) teceu elogios à política econômica do atual
governo argentino 1 merece uma reflexão,
tanto quanto os ataques de um multimilionário norte-americano, dono de uma popular
rede social, contra um dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)
brasileiro 2. Por incrível que possa parecer, há sim, um
ponto em comum entre os assuntos.
Recentemente, quando o Brasil
completou 60 anos do Golpe Militar, a história trouxe à tona, a partir de
debates, discussões, textos e documentários3,
a participação direta do governo norte-americano em tudo o que aconteceu. Aqueles
eram tempos da chamada Guerra Fria e a necessidade de consolidar um novo modelo
de imperialismo, sob a ótica de soviéticos e norte-americanos, era uma
realidade.
Contudo, a ideologia do medo que
embala o anticomunismo entre seguidores e apoiadores dos EUA, não nasce naquele
momento. Esse é um discurso que começa ser propagado bem antes, a partir da
oposição emergida no cenário da Revolução Industrial. É na discussão sobre a luta de classes, entre proletariado
e burguesia, em nome de melhores condições trabalhistas e direitos sociais, que
o temor de uma repaginada Revolução Francesa, se instala e encontra uma resposta
através do anticomunismo.
Ora, totalmente compreensível, considerando-se
os valores e princípios empregados pelo capitalismo industrial, alicerçados no
liberalismo econômico. Isso significa
que os EUA não têm outra visão de mundo a não ser o lucro, o capital, o enriquecimento,
o consumo. A sua luta imperialista não é necessariamente uma disputa de poder;
mas, de influência geopolítica de mercado. A dominação é derivada da influência sobre o
comércio exterior.
Nesse contexto, os antigos rivais
soviéticos, agora, foram substituídos pelos chineses. E mais uma vez, a América
Latina é um território em disputa. E diante do que mostram os recentes fatos, os
EUA não medirão esforços em garantir os seus interesses econômicos, custe o que
custar. Vejam que, não é à toa, como o anticomunismo tem tido papel de destaque
nos discursos da direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e
extremistas.
Pela ideologia do medo, eles
novamente tentam estabelecer uma repulsa social contra o seu grande adversário,
no caso, a China. Como escreveu Steven Levitsky, “Em quase todos os casos de
colapso democrático que nós estudamos, autoritários potenciais – de Franco,
Hitler, Mussolini na Europa entre guerras a Marcos, Castro e Pinochet, durante
a Guerra Fria, e Putin, Chávez e Erdogan mais recentemente – justificaram a sua
consolidação de poder rotulando os oponentes como uma ameaça à sua existência”
(Como as Democracias Morrem, 2018). Porque esse é o modelo padrão.
Vejam, apesar do slogan
democrático, os EUA são uma democracia bastante relativizada pelo poder
capital. No fundo, o grande protagonismo sempre esteve nas mãos dos interesses econômicos,
algo que fica claro através da disponibilidade norte-americana em se envolver em
conflitos bélicos de grandes proporções. Guerras custam dinheiro; mas, também,
são extremamente rentáveis.
Quanto as perdas humanas, estas
são sempre consideradas efeitos colaterais, os quais não se pode evitar. Inclusive,
uma significativa parcela dos soldados é composta de imigrantes, os quais se
alistam nas forças armadas norte-americanas a fim de obter, o tão sonhado “Green
Card”, ou seja, o documento de residência permanente nos EUA.
Infelizmente, eles não se
preocupam, sob nenhum aspecto, com a vida humana. O tão propagado “American
Way of Life”, com seu sonho de liberdade e de prosperidade, oculta uma
realidade que o cinema e/ou as séries de TV não mostram. Haja vista, por
exemplo, que “A população carcerária nos Estados Unidos cresceu de 1,20 milhão
para 1,23 milhão de detentos de 2021 a 2022, uma alta de 2,1% (esses são os
últimos dados disponíveis) 4. Ou que a
“Prefeitura da maior cidade dos EUA apresentou um plano para abrigar os
cerca de 4 mil nova-iorquinos que vivem nas ruas” 5.
...
Vale ressaltar que nessa história,
os mais afetados pelas desigualdades socioeconômicas geradas pelas políticas ultraliberais
dos governos norte-americanos, em nome dos seus interesses, são as parcelas da
população mais frágeis e vulneráveis. A base de qualquer pirâmide social do
planeta. O que demonstra que, nem mesmo os próprios cidadãos norte-americanos, dispõem
de alguma importância humanitária por parte do seu governo. É só o capital, o
lucro, o enriquecimento, o que importa.
Então, se eles precisarem desestabilizar
as economias dos países latino-americanos, ou interferir na dinâmica dessas
populações através da tecnologia, para alcançarem seus objetivos, eles irão
fazer. Não só porque eles acreditam que esses povos são uma extensão do seu
império; mas, porque eles sabem que eles dependem do seu poder capital e, por
essa razão, precisam se alinhar às suas determinações e pretensões.
Basta observar como existe todo
um mecanismo subliminar que age para obstaculizar o desenvolvimento industrial,
científico e tecnológico, nos países latino-americanos. As constantes “fugas
de cérebros” das universidades brasileiras, por exemplo, refletem um pouco
dessa situação. Atraídos por melhores e estáveis condições de trabalho e
pesquisa; bem como, altíssimos salários, eles saem para colaborar com o
desenvolvimento das super potências, mundo afora.
Afinal de contas, os EUA não
podem perder. Sobretudo, quando o assunto é o seu progresso, enriquecimento e
desenvolvimento. Então, dos países latino-americanos o que eles almejam é
garantir adesão ideológica, mercado consumidor, e fornecimento de
matérias-primas. Não é à toa que eles trazem para esses países as suas
multinacionais, já equipadas com toda a sua infraestrutura e logística, apenas
utilizando de mão-de-obra local. CEO (Chief Executive Officer) e demais cargos
de diretoria são ocupados por cidadãos estrangeiros, geralmente, nativos dos
países dessas multinacionais.
Assim, depois dessa breve
reflexão, não pude deixar de lembrar das seguintes palavras de Umberto Eco, “Quando
os verdadeiros inimigos são muito fortes, é preciso escolher inimigos mais
fracos” (O Nome da Rosa, 1980). Caro (a) leitor (a), a geopolítica global
não é feita de amizades, é feita de alianças, de interesses. Infelizmente,
muitas vezes, tecidas na base dos que mandam e dos que obedecem, dos que podem
e dos que não podem.
1 https://g1.globo.com/economia/noticia/2024/04/04/fmi-considera-impressionante-progresso-na-argentina-com-governo-milei.ghtml
2 https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/04/07/elon-musk-dono-do-x-ataca-alexandre-de-moraes-e-ameaca-reativar-contas-bloqueadas-pela-justica.ghtml
3 https://www.youtube.com/watch?v=ltawI64zBEo
https://www.youtube.com/watch?v=oLPiuWl8fHE
4 https://www.poder360.com.br/seguranca-publica/populacao-carceraria-cresce-nos-eua-e-no-brasil/#:~:text=Especialistas%20indicam%20tend%C3%AAncia%20global%20de,maiores%20desafios%20para%20reverter%20cen%C3%A1rio&text=A%20popula%C3%A7%C3%A3o%20carcer%C3%A1ria%20nos%20Estados,s%C3%A3o%20os%20%C3%BAltimos%20dados%20dispon%C3%ADveis
https://www.mprj.mp.br/documents/20184/1183784/Nicole_Mitchell_Ribeiro_da_Silva.pdf