domingo, 7 de abril de 2024

Apesar de todos os giros e rodopios do mundo ...


Apesar de todos os giros e rodopios do mundo ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A notícia de que o Fundo Monetário Internacional (FMI) teceu elogios à política econômica do atual governo argentino 1 merece uma reflexão, tanto quanto os ataques de um multimilionário norte-americano, dono de uma popular rede social, contra um dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro 2.  Por incrível que possa parecer, há sim, um ponto em comum entre os assuntos.

Recentemente, quando o Brasil completou 60 anos do Golpe Militar, a história trouxe à tona, a partir de debates, discussões, textos e documentários3, a participação direta do governo norte-americano em tudo o que aconteceu. Aqueles eram tempos da chamada Guerra Fria e a necessidade de consolidar um novo modelo de imperialismo, sob a ótica de soviéticos e norte-americanos, era uma realidade.

Contudo, a ideologia do medo que embala o anticomunismo entre seguidores e apoiadores dos EUA, não nasce naquele momento. Esse é um discurso que começa ser propagado bem antes, a partir da oposição emergida no cenário da Revolução Industrial.  É na discussão sobre a luta de classes, entre proletariado e burguesia, em nome de melhores condições trabalhistas e direitos sociais, que o temor de uma repaginada Revolução Francesa, se instala e encontra uma resposta através do anticomunismo.

Ora, totalmente compreensível, considerando-se os valores e princípios empregados pelo capitalismo industrial, alicerçados no liberalismo econômico.  Isso significa que os EUA não têm outra visão de mundo a não ser o lucro, o capital, o enriquecimento, o consumo. A sua luta imperialista não é necessariamente uma disputa de poder; mas, de influência geopolítica de mercado.  A dominação é derivada da influência sobre o comércio exterior.

Nesse contexto, os antigos rivais soviéticos, agora, foram substituídos pelos chineses. E mais uma vez, a América Latina é um território em disputa. E diante do que mostram os recentes fatos, os EUA não medirão esforços em garantir os seus interesses econômicos, custe o que custar. Vejam que, não é à toa, como o anticomunismo tem tido papel de destaque nos discursos da direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas.

Pela ideologia do medo, eles novamente tentam estabelecer uma repulsa social contra o seu grande adversário, no caso, a China. Como escreveu Steven Levitsky, “Em quase todos os casos de colapso democrático que nós estudamos, autoritários potenciais – de Franco, Hitler, Mussolini na Europa entre guerras a Marcos, Castro e Pinochet, durante a Guerra Fria, e Putin, Chávez e Erdogan mais recentemente – justificaram a sua consolidação de poder rotulando os oponentes como uma ameaça à sua existência” (Como as Democracias Morrem, 2018). Porque esse é o modelo padrão.

Vejam, apesar do slogan democrático, os EUA são uma democracia bastante relativizada pelo poder capital. No fundo, o grande protagonismo sempre esteve nas mãos dos interesses econômicos, algo que fica claro através da disponibilidade norte-americana em se envolver em conflitos bélicos de grandes proporções. Guerras custam dinheiro; mas, também, são extremamente rentáveis.

Quanto as perdas humanas, estas são sempre consideradas efeitos colaterais, os quais não se pode evitar. Inclusive, uma significativa parcela dos soldados é composta de imigrantes, os quais se alistam nas forças armadas norte-americanas a fim de obter, o tão sonhado “Green Card”, ou seja, o documento de residência permanente nos EUA.

Infelizmente, eles não se preocupam, sob nenhum aspecto, com a vida humana. O tão propagado “American Way of Life”, com seu sonho de liberdade e de prosperidade, oculta uma realidade que o cinema e/ou as séries de TV não mostram. Haja vista, por exemplo, que “A população carcerária nos Estados Unidos cresceu de 1,20 milhão para 1,23 milhão de detentos de 2021 a 2022, uma alta de 2,1% (esses são os últimos dados disponíveis) 4. Ou que a “Prefeitura da maior cidade dos EUA apresentou um plano para abrigar os cerca de 4 mil nova-iorquinos que vivem nas ruas” 5. ...

Vale ressaltar que nessa história, os mais afetados pelas desigualdades socioeconômicas geradas pelas políticas ultraliberais dos governos norte-americanos, em nome dos seus interesses, são as parcelas da população mais frágeis e vulneráveis. A base de qualquer pirâmide social do planeta. O que demonstra que, nem mesmo os próprios cidadãos norte-americanos, dispõem de alguma importância humanitária por parte do seu governo. É só o capital, o lucro, o enriquecimento, o que importa.

Então, se eles precisarem desestabilizar as economias dos países latino-americanos, ou interferir na dinâmica dessas populações através da tecnologia, para alcançarem seus objetivos, eles irão fazer. Não só porque eles acreditam que esses povos são uma extensão do seu império; mas, porque eles sabem que eles dependem do seu poder capital e, por essa razão, precisam se alinhar às suas determinações e pretensões.

Basta observar como existe todo um mecanismo subliminar que age para obstaculizar o desenvolvimento industrial, científico e tecnológico, nos países latino-americanos. As constantes “fugas de cérebros” das universidades brasileiras, por exemplo, refletem um pouco dessa situação. Atraídos por melhores e estáveis condições de trabalho e pesquisa; bem como, altíssimos salários, eles saem para colaborar com o desenvolvimento das super potências, mundo afora.

Afinal de contas, os EUA não podem perder. Sobretudo, quando o assunto é o seu progresso, enriquecimento e desenvolvimento. Então, dos países latino-americanos o que eles almejam é garantir adesão ideológica, mercado consumidor, e fornecimento de matérias-primas. Não é à toa que eles trazem para esses países as suas multinacionais, já equipadas com toda a sua infraestrutura e logística, apenas utilizando de mão-de-obra local. CEO (Chief Executive Officer) e demais cargos de diretoria são ocupados por cidadãos estrangeiros, geralmente, nativos dos países dessas multinacionais.

Assim, depois dessa breve reflexão, não pude deixar de lembrar das seguintes palavras de Umberto Eco, “Quando os verdadeiros inimigos são muito fortes, é preciso escolher inimigos mais fracos” (O Nome da Rosa, 1980). Caro (a) leitor (a), a geopolítica global não é feita de amizades, é feita de alianças, de interesses. Infelizmente, muitas vezes, tecidas na base dos que mandam e dos que obedecem, dos que podem e dos que não podem.

Pois é, apesar de todos os giros e rodopios do mundo, ele teima em repetir os velhos erros, as velhas práxis.  Só não podemos nos iludir. Nos abster de pensar, de refletir. Nos apaziguar na falsa sensação de que o passado está morto. Simplesmente, porque “A pior cegueira é a mental, que faz com que não reconheçamos o que temos a frente” (José Saramago – Ensaio sobre a Cegueira, 1995).