quinta-feira, 18 de abril de 2024

Entre a ficção e a realidade ...


Entre a ficção e a realidade ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Os ataques orquestrados da ultradireita internacional, contra o Brasil, só me fazem lembrar da interpretação impecável da personagem Lex Luthor, por Gene Hackman, em Superman – O filme (1978) 1 e Superman II – A aventura continua (1980) 2.

Nesses dois filmes emblemáticos, Lex Luthor se autoproclama “a mente criminosa mais brilhante do século XX” 3. Embora seja um bilionário, suas atitudes demonstram a sua pequenez e a sua limitação através de uma vaidade exacerbada, uma arrogância infundada, uma bajulação caricata. Mesmo assim, Luthor é uma ameaça na medida em que nutre uma obsessão descomunal pelo poder.  

Está certo que essa interpretação estava contextualizada em um outro momento da realidade social contemporânea. Não havia redes sociais. Não havia polarização política. A divisão do pensamento social se dava, simplesmente, pela dicotomia entre o bem e o mal. Lex Luthor não aceitava que ninguém se colocasse no seu caminho, especialmente, o seu arquirrival, o Super-Homem, “defensor da justiça, da verdade, dos fracos e oprimidos”.

A vilania era explicitamente materializada em ações, afinal de contas, eram tempos da Guerra Fria, pairando sobre o planeta.  O peso da linguagem, como se vê na construção da pós-verdade e na disseminação de Fake News, era um pouco diferente. A sociedade ainda estava conectada aos fatos, no que diz respeito ao despertar do posicionamento e das opiniões das pessoas.

Acontece que, de repente, o desenrolar da contemporaneidade trouxe um novo realinhamento em termos de canalhice, infâmia, mesquinhez, torpeza ou ultraje. O ser humano não precisa mais dar a sua cara, se expor na linha de frente dos acontecimentos, bater, chutar, guerrear como de costume. As mentes criminosas mais brilhantes do século XXI estão nas sombras, por trás das telas, nas mídias sociais.

A tecnologia trouxe os conflitos para uma outra arena de embate, o mundo virtual. É desse ponto que a reflexão deve partir. A vida humana está regida pela pressa, pelo imediatismo, pelo volume avassalador de informações. O que significa que há um franco esgarçamento na capacidade analítica e crítica dos indivíduos.

Isso sem contar, que o invólucro tecnológico encapsulou os indivíduos em bolhas de individualismo, demasiadamente narcísico, que os arrasta cada vez mais para uma teia de afinidades, a qual seletiviza de maneira impositiva o que é e o que não é importante. Vivemos tempos de um efeito manada verdadeiramente desagregador, na medida em que expõe a seguinte condição: ou está comigo ou está contra mim. Em suma, o ódio está no ar!

Vejam, é preciso pensar nesse cenário objetivamente. Há método, planejamento, para tudo isso. A tecnologia tomou de assalto a realidade, a tal ponto, que a commodity mais valiosa é o tempo. Há máquinas para tudo, ou quase tudo; mas, as 24h do relógio se mostram mais e mais insuficientes. Somos intensamente pressionados, persuadidos, por estratégias tecnológicas diversas que desejam capturar nossa atenção e consumir o nosso tempo.

Esse é o que se pode chamar um verdadeiro golpe de mestre! Ora, tempo é dinheiro! É nessa ciranda frenética que somos induzidos a correr, correr, correr, trabalhar, trabalhar, trabalhar, a fim de pagar e fortalecer o enriquecimento das Big Techs, das mídias sociais, da indústria tecnológica, enfim. Pois é, vendemos e consumimos o nosso precioso tempo, muitas vezes, sem se dar conta!

Acontece que essa dinâmica compromete a suficiência e a eficiência da nossa capacidade cognitiva e intelectual. Estamos cada vez mais cansados, exaustos, desgastados física, emocional e mentalmente. Se não há tempo suficiente para realizar atividades essenciais e vitais para a sobrevivência humana, o que dirá para decantar as informações e construir um conhecimento, uma sabedoria autônoma e autoral.

Estamos literalmente soterrados pelo volume de atividades, de afazeres, de compromissos, de notícias, ... Desse modo, estamos ficando rasos. Meros leitores de títulos e subtítulos, ao invés de conteúdos na íntegra. Crédulos seguidores do alarmismo disseminado nas redes sociais.

É assim que milhares de pessoas caem nas armadilhas dos Lex Luthor contemporâneos. Sem saber exatamente quem, onde, quando e por quê, elas são induzidas e manipuladas a se colocarem partidárias e defensoras de questões, as quais não fazem a mínima ideia do que se trata efetivamente. Tornam-se consumidoras de um ativismo extremista, radical, que vai às últimas consequências, sem se preocupar em preservar quaisquer parâmetros éticos, morais e humanitários.  

A ideia desse efeito multiplicador é, simplesmente, garantir legitimidade aos propósitos dos Lex Luthor contemporâneos. Impor pela força numérica, uma nova ordem social. Não é à toa que a história da humanidade esteja marcada pela existência de diversas seitas. Afinal, é disso que estamos tratando. Vez por outra, em nome de diferentes causas, certos indivíduos promovem a aglutinação de pessoas a fim de professar alguma ideologia, doutrina ou sistema político, filosófico, contrário ao sistema dominante.

Tomadas por um sentimento de liberdade irrestrita de expressão e de opinião, ou de poder de escolha, ou da descoberta de alguma “verdade absoluta”, essas pessoas se engajam sem maior resistência. Passando a defender, sem quaisquer questionamentos, as orientações de suas lideranças. Elas perdem o senso de individualidade, de identidade, para servir a um interesse coletivo profundamente massificado e aprisionante.

E com pensamentos do tipo “Algumas pessoas leem ‘Guerra e Paz’ e acham que é um simples romance. Outras pessoas leem uma embalagem de chiclete e desvendam os segredos do universo” ou “Eu não quero fazer coisas boas. Quero fazer coisas grandiosas”, que a personagem Lex Luthor trabalha o inconsciente das pessoas, na perspectiva de uma realidade que lhes torna vulneráveis a considerar essas palavras como um verdadeiro arauto de esperança. Assim surge a legião de seguidores.

Ao traçar essa analogia entre a ficção dos quadrinhos e a realidade atual, de alguma forma, abre-se espaço para expandir o olhar sobre camadas, ainda obscuras, da sociedade contemporânea. A ficção sempre possibilita trazer personagens para expiação de nós mesmos, no intuito de traduzir aspectos não percebidos ou indesejados da própria personalidade humana. Afinal, como dizia Oscar Wilde, “Nunca o homem deixa tanto de ser ele mesmo como quando fala por sua própria conta. Fornecei-lhe uma máscara e logo vos dirá a verdade”.

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