sexta-feira, 19 de abril de 2024

A pergunta que não quer calar...


A pergunta que não quer calar...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A quem interessa o caos contemporâneo? Essa deveria ser a pergunta de todo cidadão. Sim, porque na medida em que a vida passa a transcorrer sob níveis de tensão absurdos, da mais completa instabilidade beligerante, o caos está instalado. E isso nada tem de producente. O caos não gera desenvolvimento, não gera progresso, de nenhuma forma ou conteúdo. Simplesmente, porque ele é um componente desagregador.

Pois é, o que lhe diz as seguintes palavras: confusão, desordem, anarquia, bagunça, balbúrdia, obscuridade, pandemônio, perturbação, transtorno? Agora, percorra as manchetes dos veículos de comunicação e de informação, tradicionais e alternativos 1. Daqui e dali cada uma dessas palavras está presente, de algum modo. É, caro (a) leitor (a), o caos está entre nós!

Solapando gradualmente nossos míseros momentos de paz. Se é que ainda temos algum! Mas, o caos contemporâneo age dessa maneira, exaurindo nossas energias, nos afastando uns dos outros pela imposição de partidarismos vãos, alienando nossa capacidade crítico-reflexiva, adoecendo nossos corpos. Só não admite, quem não quer! Porque não há bolha que seja suficientemente capaz de nos blindar dos efeitos nocivos desses tempos insanos.

Ora, temos olhos para enxergar, ouvidos para ouvir, sensibilidade para discernir. Então, não dá para passar à margem dos acontecimentos, fingir que não sabe ou que não viu, ostentar a mais absoluta indiferença. Quaisquer dessas atitudes significa compactuar voluntariamente com o caos. Mas, por quê? Que motivos podem levar a raça humana a apostar todas as suas fichas no “quanto pior, melhor”?

Resposta difícil, não é mesmo? Nem sei se há, de fato, uma resposta. Afinal, tudo isso contraria, profundamente, o nosso senso racional, o nosso instinto de preservação da espécie. Todos contra todos, pelos mais diversos motivos, é surreal! É como o ápice do individualismo! Algo que me faz lembrar da parábola do porco-espinho, “uma metáfora usada pelo filósofo Arthur Schopenhauer para se referir às dificuldades de convívio entre os seres humanos” 2.

Nela, a causa do afastamento eram os espinhos. Bem, é dessa espécie desenvolver espinhos sobre a pele. De modo que não são as diferenças que os afastam; mas, as afinidades. Trazendo para a perspectiva humana, quando o outro espelha aquilo que eu não quero ver, desperta em mim um desconforto terrível. Não, que ele o faça intencionalmente; mas, se ele é semelhante a mim, a sua própria existência faz com que seja difícil negar essa verdade indigesta. Assim, o caos ao afastar as pessoas, pelo menos em tese, estabelece um controle sobre esses incômodos. Mas será?

A verdade é que a desagregação é uma ameaça real de extinção. Quando o individualismo é colocado a enésima potência em detrimento da coletividade, nada mais importa, nem a própria vida. Se cada um sair, por aí, defendendo os seus interesses, as suas vontades, os seus quereres, independentemente de quaisquer limites ou leis, desrespeitando voluntariamente os seus pares, sem a menor intenção de alcançar o equilíbrio do consenso, o caos se imporá de maneira definitiva em relação à sobrevivência humana.

As tentativas de estabelecer tensões e desestabilizações, em diversos países, refletem isso muito bem. Tem sido sim, tempos em que o caos se lança contra a soberania, a cidadania, a dignidade humana, o pluralismo político, sem a menor cerimônia e de maneira bastante impetuosa. E isso só acontece porque se está esgarçando os laços sociais, fragmentando as sociedades. Fazendo com que cada um fique à mercê da própria sorte.

O mais curioso é pensar, por exemplo, nas palavras de George Orwell, de que “Toda propaganda de guerra, toda gritaria, as mentiras e o ódio, vem invariavelmente das pessoas que não estão lutando”. Verdade! As partículas promotoras do caos estão sempre fora do olho do furacão. Observando. Controlando. Manipulando. Estimulando. Para alcançar os seus objetivos o mais plenamente possível. Mais do que nunca, eles precisam da desagregação para garantirem a sua integridade; pois, individualmente, os outros se tornam inofensivos, arrefecidos na sua ânsia de lutar pela união, paz, harmonia, entendimento e conciliação.