quarta-feira, 6 de março de 2024

O mundo. As mulheres. O poder.


O mundo. As mulheres. O poder.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Diante da notícia de que a candidata do Partido Republicano, nos EUA, anunciou a sua desistência na corrida eleitoral, depois dos recentes resultados da chamada Super Terça, das primárias americanas 1, comecei a pensar sobre a participação feminina na eleição majoritária daquele país.

Conhecida como a nação da Liberdade, da Democracia e uma das mais importantes potências econômicas globais, os EUA no campo político-partidário é bastante reticente, na verdade, resistente, a possibilitar o protagonismo feminino na sua mais alta posição de comando.

Bem, há várias perspectivas para se entender esse fenômeno. Queiram ou não admitir, os EUA são uma nação extremamente conservadora, em razão da sua própria história colonizadora. Apesar de todas as transformações e evoluções sociais no mundo, a desigualdade salarial, por lá, ainda é uma realidade, por exemplo.

De modo que não é de se espantar que pretensas candidatas, ao posto de mandatárias do país, não encontrem um apoio mais consistente e robusto na sua empreitada, inclusive, pelas próprias eleitoras.

O conservadorismo, tão bem alicerçado através do próprio discurso religioso dominante no país, constrói uma percepção menos afeita a uma escolha eleitoral voltada à uma mulher na Presidência.

Bem; mas, não me parece fazer sentido que somente o conservadorismo seja a única explicação para esse cenário. Então, depois de muito pensar e refletir sobre as notícias estampadas na mídia, uma questão bastante óbvia luziu significativa a respeito.  

Ora, muito além da tecnologia de ponta, de uma economia pujante, de um celeiro científico invejável, os EUA são uma nação forjada pela belicosidade. Tanto as guerras internas quanto as externas marcam profundamente a identidade do país, de maneira absoluta. Não é à toa a força do lobby das armas e da engenharia de guerra em seu cenário político.

Vamos e convenhamos que, apesar de uma presença feminina significativa nas forças armadas norte-americanas, combatividade nos campos de batalha não é comumente associada à figura feminina.

Seja por questões históricas, religiosas, ideológicas, fato é que as mulheres tendem a exercer um papel fundamental na busca pela paz, pelo equilíbrio dialógico, pela conciliação.

Há, portanto, uma conexão subjetiva muito forte nas mulheres, expressa através dos sentimentos de empatia, de solidariedade, de cuidado, que se opõem diretamente à barbárie, ao primitivismo agressivo das guerras.

De modo que elas parecem distantes do perfil necessário para permanecer garantindo a trajetória histórica, daquele país, no cenário dos confrontos globais. Além disso, é preciso considerar que o envolvimento norte-americano nas guerras movimenta volumes gigantescos de recursos para sua própria economia.

A indústria bélica é, portanto, extremamente rentável e fundamental para a manutenção da imagem de poder e prosperidade nacional norte-americana. O que faz, pela ótica da sua população, que as mulheres sejam vistas como mais propensas a dar maior importância a outras demandas.

Todas essas considerações nos fazem perceber a força do discurso político-ideológico vigente no planeta. Não é à toa que a representatividade política feminina ainda esteja muito aquém das estatísticas demográficas.

Os poderes e as influências permanecem sob o controle e a decisão do espectro masculino, ou seja, o patriarcado continua ocupando o mesmo lugar histórico, há séculos. Portanto, o ideário em torno da capacidade de liderança, de força política, gira em torno deles.

Haja vista, por exemplo, que no 37º ranking anual da Revista Forbes, em 2023, na lista dos bilionários do mundo, apenas 13% são mulheres, ou seja, 337 bilionárias.

E um detalhe chama, ainda mais, a atenção, “A maior parte das mulheres da lista de bilionárias herdou sua riqueza, disse a Forbes. Entretanto, pela primeira vez em três anos, uma mulher que construiu a própria fortuna conquistou um lugar no top 10. [...] A maior parte das bilionárias está nos EUA (90). Em seguida, vem a China (63) e a Alemanha (35)2.

Portanto, a questão não se resume a uma mera desqualificação no campo das habilidades e das competências; mas, das prioridades que as mulheres costumam elencar para suas plataformas de vida, e por consequência, políticas, em razão das oportunidades que conseguem alcançar e desfrutar.  

A visão das mulheres em relação ao mundo, às demandas cotidianas, é naturalmente diferente dos homens. No entanto, isso acaba sendo associado a um perfil de fragilidade, de vulnerabilidade, de suavidade, que contraria os discursos já consolidados historicamente, em muitos países.

Algo que facilita justificar uma baixa oferta de possibilidades para que venham ocupar diferentes espaços sociais, incluindo, aqueles de liderança, de influência e de poder.

Mas, apesar de todos os pesares, é preciso pensar e refletir a partir da presença daquelas que, contrariando as expectativas e as obstaculizações sociais, conseguiram romper as bolhas do sexismo, da misoginia, para contribuir no campo político-partidário.

Só para citar algumas, Margaret Thatcher, ex-primeira-ministra do Reino Unido; Dilma Roussef, ex-presidente do Brasil; Indira Gandhi, ex-primeira-ministra da Índia; Golda Meier, ex-primeira-ministra de Israel; Angela Merkel, ex-chanceler da Alemanha; Jacinda Ardern, ex-primeira-ministra da Nova Zelândia; Khertek Anchimaa-Toka, primeira presidente da república de um país (República de Tuva), na época moderna; Cristina Kirchner, ex-presidente e ex-vice-presidente da Argentina; Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile.

Somente olhando para as suas trajetórias, os desafios por elas enfrentados, é que se consegue entender verdadeiramente como são construídos os espaços de poder no mundo, mesmo que em pleno século XXI.

Infelizmente, as mulheres continuam sendo subestimadas no campo político-partidário. A todo instante elas são questionadas, desqualificadas, consideradas inapropriadas e, até mesmo, silenciadas, no intuito de as induzirem à desistência, ao abandono do seu espaço nessas arenas de poder.

No entanto, esse quadro tem muito a nos dizer. A baixa representatividade feminina, nos mais diferentes espaços políticos, é um sinal claro de que a igualdade humana não se concretizou ainda. E se não concretizou, ele abre precedentes para que em outros vieses sociais as mulheres, também, tenham menos oportunidades.

Aí, quando finalmente se toma consciência a esse respeito, verifica-se que a força do conservadorismo patriarcal seguiu seu curso, prevalecendo e triunfando sobre os ventos da igualdade, da liberdade e da fraternidade humana, como único padrão social a ser seguido.