O mundo. As
mulheres. O poder.
Por Alessandra
Leles Rocha
Diante da notícia de que a
candidata do Partido Republicano, nos EUA, anunciou a sua desistência na
corrida eleitoral, depois dos recentes resultados da chamada Super Terça, das
primárias americanas 1, comecei
a pensar sobre a participação feminina na eleição majoritária daquele país.
Conhecida como a nação da Liberdade,
da Democracia e uma das mais importantes potências econômicas globais, os EUA
no campo político-partidário é bastante reticente, na verdade, resistente, a possibilitar
o protagonismo feminino na sua mais alta posição de comando.
Bem, há várias perspectivas para
se entender esse fenômeno. Queiram ou não admitir, os EUA são uma nação
extremamente conservadora, em razão da sua própria história colonizadora. Apesar
de todas as transformações e evoluções sociais no mundo, a desigualdade
salarial, por lá, ainda é uma realidade, por exemplo.
De modo que não é de se espantar
que pretensas candidatas, ao posto de mandatárias do país, não encontrem um
apoio mais consistente e robusto na sua empreitada, inclusive, pelas próprias
eleitoras.
O conservadorismo, tão bem
alicerçado através do próprio discurso religioso dominante no país, constrói uma
percepção menos afeita a uma escolha eleitoral voltada à uma mulher na Presidência.
Bem; mas, não me parece fazer
sentido que somente o conservadorismo seja a única explicação para esse
cenário. Então, depois de muito pensar e refletir sobre as notícias estampadas
na mídia, uma questão bastante óbvia luziu significativa a respeito.
Ora, muito além da tecnologia de
ponta, de uma economia pujante, de um celeiro científico invejável, os EUA são
uma nação forjada pela belicosidade. Tanto as guerras internas quanto as
externas marcam profundamente a identidade do país, de maneira absoluta. Não é
à toa a força do lobby das armas e da engenharia de guerra em seu cenário
político.
Vamos e convenhamos que, apesar
de uma presença feminina significativa nas forças armadas norte-americanas, combatividade
nos campos de batalha não é comumente associada à figura feminina.
Seja por questões históricas,
religiosas, ideológicas, fato é que as mulheres tendem a exercer um papel fundamental
na busca pela paz, pelo equilíbrio dialógico, pela conciliação.
Há, portanto, uma conexão
subjetiva muito forte nas mulheres, expressa através dos sentimentos de
empatia, de solidariedade, de cuidado, que se opõem diretamente à barbárie, ao
primitivismo agressivo das guerras.
De modo que elas parecem
distantes do perfil necessário para permanecer garantindo a trajetória
histórica, daquele país, no cenário dos confrontos globais. Além disso, é preciso
considerar que o envolvimento norte-americano nas guerras movimenta volumes gigantescos
de recursos para sua própria economia.
A indústria bélica é, portanto, extremamente
rentável e fundamental para a manutenção da imagem de poder e prosperidade
nacional norte-americana. O que faz, pela ótica da sua população, que as
mulheres sejam vistas como mais propensas a dar maior importância a outras
demandas.
Todas essas considerações nos
fazem perceber a força do discurso político-ideológico vigente no planeta. Não
é à toa que a representatividade política feminina ainda esteja muito aquém das
estatísticas demográficas.
Os poderes e as influências permanecem
sob o controle e a decisão do espectro masculino, ou seja, o patriarcado
continua ocupando o mesmo lugar histórico, há séculos. Portanto, o ideário em
torno da capacidade de liderança, de força política, gira em torno deles.
Haja vista, por exemplo, que no 37º
ranking anual da Revista Forbes, em 2023, na lista dos bilionários do mundo, apenas
13% são mulheres, ou seja, 337 bilionárias.
E um detalhe chama, ainda mais, a
atenção, “A maior parte das mulheres da lista de bilionárias herdou sua
riqueza, disse a Forbes. Entretanto, pela primeira vez em três anos, uma mulher
que construiu a própria fortuna conquistou um lugar no top 10. [...] A maior
parte das bilionárias está nos EUA (90). Em seguida, vem a China (63) e a
Alemanha (35)” 2.
Portanto, a questão não se resume
a uma mera desqualificação no campo das habilidades e das competências; mas, das
prioridades que as mulheres costumam elencar para suas plataformas de vida, e
por consequência, políticas, em razão das oportunidades que conseguem alcançar
e desfrutar.
A visão das mulheres em relação
ao mundo, às demandas cotidianas, é naturalmente diferente dos homens. No entanto,
isso acaba sendo associado a um perfil de fragilidade, de vulnerabilidade, de
suavidade, que contraria os discursos já consolidados historicamente, em muitos
países.
Algo que facilita justificar uma
baixa oferta de possibilidades para que venham ocupar diferentes espaços sociais,
incluindo, aqueles de liderança, de influência e de poder.
Mas, apesar de todos os pesares,
é preciso pensar e refletir a partir da presença daquelas que, contrariando as expectativas
e as obstaculizações sociais, conseguiram romper as bolhas do sexismo, da
misoginia, para contribuir no campo político-partidário.
Só para citar algumas, Margaret
Thatcher, ex-primeira-ministra do Reino Unido; Dilma Roussef,
ex-presidente do Brasil; Indira Gandhi, ex-primeira-ministra da Índia; Golda
Meier, ex-primeira-ministra de Israel; Angela Merkel, ex-chanceler
da Alemanha; Jacinda Ardern, ex-primeira-ministra da Nova Zelândia; Khertek
Anchimaa-Toka, primeira presidente da república de um país (República de
Tuva), na época moderna; Cristina Kirchner, ex-presidente e ex-vice-presidente
da Argentina; Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile.
Somente olhando para as suas
trajetórias, os desafios por elas enfrentados, é que se consegue entender verdadeiramente
como são construídos os espaços de poder no mundo, mesmo que em pleno século
XXI.
Infelizmente, as mulheres continuam
sendo subestimadas no campo político-partidário. A todo instante elas são questionadas,
desqualificadas, consideradas inapropriadas e, até mesmo, silenciadas, no
intuito de as induzirem à desistência, ao abandono do seu espaço nessas arenas
de poder.
No entanto, esse quadro tem muito
a nos dizer. A baixa representatividade feminina, nos mais diferentes espaços políticos,
é um sinal claro de que a igualdade humana não se concretizou ainda. E se não
concretizou, ele abre precedentes para que em outros vieses sociais as mulheres,
também, tenham menos oportunidades.
Aí, quando finalmente se toma consciência
a esse respeito, verifica-se que a força do conservadorismo patriarcal seguiu
seu curso, prevalecendo e triunfando sobre os ventos da igualdade, da liberdade
e da fraternidade humana, como único padrão social a
ser seguido.