Democratas
ou não democratas? Eis a questão!
Por Alessandra
Leles Rocha
Olhando para certas atitudes do
atual governo, não pude deixar de lembrar a célebre citação de Pablo Neruda: “Você
é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências”. Afinal,
uma tomada de decisão pressupõe uma análise criteriosa do todo e não, de uma
única parte da história.
Nem é preciso dizer que a
sociedade brasileira, ao menos uma significativa parcela, passou os últimos
seis anos, preocupada com a deterioração fragilizante da Democracia nacional.
Acontece que essa vulnerabilidade
é, na verdade, parte integrante e integrada de uma marca histórica. Ora, a
transição entre Monarquia e República, no Brasil, não teve espaço para uma
discussão democrática, para uma incorporação desses valores e princípios. Então,
como dizem, por aí, aquilo que começa equivocado vai equivocado até o fim!
De fato, colocando reparo na
história colonial brasileira, realmente é difícil entender como a Democracia, um
regime político em que os cidadãos podem exercer a sua cidadania, diretamente
ou através da representação político-partidária, no que diz respeito ao
desenvolvimento do país, à criação de leis ou exercendo o poder de governança através
do voto, seria incompatível ao diverso espectro de desigualdades sociais,
bastante consolidado por aqui.
Já dizia o ex-Deputado federal
Ulysses Guimarães, “Todos os nossos problemas procedem da injustiça. O privilégio
foi o estigma deixado pelas circunstâncias do povoamento e da colonização, e de
sua perversidade não nos livraremos, sem a mobilização da consciência nacional”.
Portanto, esse é o ponto de
partida para entender a dimensão do impacto do conservadorismo político, quando
esse não se inibe ou constrange em afrontar a Democracia nacional.
Esses pouco mais de 500 anos de
história deixam tudo às claras. Todas as ameaças contra a Democracia já
enfrentadas, até aqui, foram anistiadas por uma condescendência, uma tolerância,
uma transigência, sem precedentes, em razão de que os responsáveis eram figuras
pertencentes ao topo da pirâmide social brasileira.
O que significa gente com todos os
poderes e as influências, nas mãos. Gente que manda e desmanda, que faz e
acontece, que definitivamente determina os rumos da nação.
Algo didaticamente explicado por Darcy
Ribeiro, quando ele afirma que “O ruim no Brasil e efetivo fator do atraso,
é o modo de ordenação da sociedade, estruturada contra os interesses da população,
desde sempre sangrada para servir a desígnios alheios e opostos aos seus... O
que houve e há é uma minoria dominante, espantosamente eficaz na formulação e
manutenção de seu próprio projeto de prosperidade, sempre pronta a esmagar
qualquer ameaça de reforma da ordem social vigente”.
Então, olhando para a última
dessas ameaças contra a Democracia, materializada pelos episódios que
antecederam e culminaram no 8 de janeiro de 2023, é fundamental ter à
consciência de que tudo isso só aconteceu, porque todas as outras ameaças já haviam
sido negadas, invisibilizadas, esquecidas, na poeira do tempo.
Bem, alerta Confúcio, filósofo
chinês, que “Não corrigir nossas falhas é o mesmo que cometer novos erros”, ou
seja, um modo sutil de abster-se da credibilidade, da dignidade, da honradez,
abrindo precedentes, cada vez mais, perigosos e devastadores às pretensões
democráticas.
Assim, a questão é muito simples:
ou o governo está ou não está com a Democracia? Pretende defendê-la ou não? Pretende
mantê-la ou não? Perguntas diretas e objetivas. Não há espaço para meio termo.
Segundo Aldous Huxley, autor de O
ADMIRÁVEL MUNDO NOVO, “Se considerais ter agido mal, arrependei-vos, corrigi
os vossos erros na medida do possível e tentai conduzir-vos melhor na próxima
vez. E não vos entregueis, sob nenhum pretexto, à meditação melancólica das
vossas faltas. Rebolar no lodo não é, com certeza, a melhor maneira de alguém
se lavar”.
Como já afirmei, várias vezes, não
creio em coincidências ou acasos. Creio nas conjunturas que movem as engrenagens
da história do mundo.
Portanto, tenho comigo que todos
os acontecimentos, os quais antecederam e culminaram no 8 de janeiro de 2023, fizeram
com que este emergisse como uma oportunidade única para se passar a história
brasileira a limpo; sobretudo, do ponto de vista da sua percepção democrática.
Um fato que inclui
necessariamente, lançar a devida atenção para essas seis décadas de silêncio
que marcam os acontecimentos, desdobramentos e reverberações, dos terríveis Anos
de Chumbo, no país 1.
Assim, dentro desse contexto, as
palavras de Darcy Ribeiro são precisas para contextualizar a atemporalidade
dessa toxicidade silenciosa.
Pois, segundo ele, “A mais
terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de
torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e
classista. Ela é que incandesce, ainda hoje, em tanta autoridade brasileira predisposta
a torturar, seviciar e machucar os pobres que lhes caem às mãos. Ela, porém,
provocando crescente indignação nos dará forças, amanhã, para conter os
possessos e criar aqui uma sociedade solidária” 2;
uma nação democrática, de fato e de direito. Essa é a reflexão a se fazer!
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ANOS DO GOLPE DE 1964 - https://www.youtube.com/watch?v=_q3600OC_Iw
60 anos do Golpe Militar de 1964 - Ditadura e
Minorias - https://www.youtube.com/watch?v=NBcoVZUqpIE
O ASSASSINATO DE RUBENS PAIVA E O PERDÃO AOS CRIMES
DE MILITARES NO REGIME - https://www.youtube.com/watch?v=yY9CBakO9vI
2 RIBEIRO, D. O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.