quinta-feira, 28 de março de 2024

Democratas ou não democratas? Eis a questão!


Democratas ou não democratas? Eis a questão!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Olhando para certas atitudes do atual governo, não pude deixar de lembrar a célebre citação de Pablo Neruda: “Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências”. Afinal, uma tomada de decisão pressupõe uma análise criteriosa do todo e não, de uma única parte da história.

Nem é preciso dizer que a sociedade brasileira, ao menos uma significativa parcela, passou os últimos seis anos, preocupada com a deterioração fragilizante da Democracia nacional.

Acontece que essa vulnerabilidade é, na verdade, parte integrante e integrada de uma marca histórica. Ora, a transição entre Monarquia e República, no Brasil, não teve espaço para uma discussão democrática, para uma incorporação desses valores e princípios. Então, como dizem, por aí, aquilo que começa equivocado vai equivocado até o fim!

De fato, colocando reparo na história colonial brasileira, realmente é difícil entender como a Democracia, um regime político em que os cidadãos podem exercer a sua cidadania, diretamente ou através da representação político-partidária, no que diz respeito ao desenvolvimento do país, à criação de leis ou exercendo o poder de governança através do voto, seria incompatível ao diverso espectro de desigualdades sociais, bastante consolidado por aqui.

Já dizia o ex-Deputado federal Ulysses Guimarães, “Todos os nossos problemas procedem da injustiça. O privilégio foi o estigma deixado pelas circunstâncias do povoamento e da colonização, e de sua perversidade não nos livraremos, sem a mobilização da consciência nacional”.

Portanto, esse é o ponto de partida para entender a dimensão do impacto do conservadorismo político, quando esse não se inibe ou constrange em afrontar a Democracia nacional.

Esses pouco mais de 500 anos de história deixam tudo às claras. Todas as ameaças contra a Democracia já enfrentadas, até aqui, foram anistiadas por uma condescendência, uma tolerância, uma transigência, sem precedentes, em razão de que os responsáveis eram figuras pertencentes ao topo da pirâmide social brasileira.

O que significa gente com todos os poderes e as influências, nas mãos. Gente que manda e desmanda, que faz e acontece, que definitivamente determina os rumos da nação.

Algo didaticamente explicado por Darcy Ribeiro, quando ele afirma que “O ruim no Brasil e efetivo fator do atraso, é o modo de ordenação da sociedade, estruturada contra os interesses da população, desde sempre sangrada para servir a desígnios alheios e opostos aos seus... O que houve e há é uma minoria dominante, espantosamente eficaz na formulação e manutenção de seu próprio projeto de prosperidade, sempre pronta a esmagar qualquer ameaça de reforma da ordem social vigente”.

Então, olhando para a última dessas ameaças contra a Democracia, materializada pelos episódios que antecederam e culminaram no 8 de janeiro de 2023, é fundamental ter à consciência de que tudo isso só aconteceu, porque todas as outras ameaças já haviam sido negadas, invisibilizadas, esquecidas, na poeira do tempo.

Bem, alerta Confúcio, filósofo chinês, que “Não corrigir nossas falhas é o mesmo que cometer novos erros”, ou seja, um modo sutil de abster-se da credibilidade, da dignidade, da honradez, abrindo precedentes, cada vez mais, perigosos e devastadores às pretensões democráticas.

Assim, a questão é muito simples: ou o governo está ou não está com a Democracia? Pretende defendê-la ou não? Pretende mantê-la ou não? Perguntas diretas e objetivas.  Não há espaço para meio termo.

Segundo Aldous Huxley, autor de O ADMIRÁVEL MUNDO NOVO, “Se considerais ter agido mal, arrependei-vos, corrigi os vossos erros na medida do possível e tentai conduzir-vos melhor na próxima vez. E não vos entregueis, sob nenhum pretexto, à meditação melancólica das vossas faltas. Rebolar no lodo não é, com certeza, a melhor maneira de alguém se lavar”.

Como já afirmei, várias vezes, não creio em coincidências ou acasos. Creio nas conjunturas que movem as engrenagens da história do mundo.

Portanto, tenho comigo que todos os acontecimentos, os quais antecederam e culminaram no 8 de janeiro de 2023, fizeram com que este emergisse como uma oportunidade única para se passar a história brasileira a limpo; sobretudo, do ponto de vista da sua percepção democrática.

Um fato que inclui necessariamente, lançar a devida atenção para essas seis décadas de silêncio que marcam os acontecimentos, desdobramentos e reverberações, dos terríveis Anos de Chumbo, no país 1.

Assim, dentro desse contexto, as palavras de Darcy Ribeiro são precisas para contextualizar a atemporalidade dessa toxicidade silenciosa.

Pois, segundo ele, “A mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista. Ela é que incandesce, ainda hoje, em tanta autoridade brasileira predisposta a torturar, seviciar e machucar os pobres que lhes caem às mãos. Ela, porém, provocando crescente indignação nos dará forças, amanhã, para conter os possessos e criar aqui uma sociedade solidária” 2; uma nação democrática, de fato e de direito. Essa é a reflexão a se fazer!



1 60 ANOS DO GOLPE DE 1964 - https://www.youtube.com/watch?v=_q3600OC_Iw

60 anos do Golpe Militar de 1964 - Ditadura e Minorias - https://www.youtube.com/watch?v=NBcoVZUqpIE

O ASSASSINATO DE RUBENS PAIVA E O PERDÃO AOS CRIMES DE MILITARES NO REGIME - https://www.youtube.com/watch?v=yY9CBakO9vI

2 RIBEIRO, D. O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.