A Semana
Santa além de si mesma
Por Alessandra
Leles Rocha
Esse não é um texto qualquer. Não
me dirijo apenas aos cristãos, no sentido daqueles que professam a fé em Jesus
Cristo; mas, a todos que depositam, de coração aberto, a crença no amor, na
fraternidade, na igualdade, e demais valores humanos.
Afinal, em pleno rito da Semana
Santa, me dei conta de que a data, neste ano, trazia algo a mais para a reflexão
dos (as) brasileiros (as). Coincidência? Acaso? Não. Particularmente, penso que
está na própria força do Sagrado a movimentação simbólica desse ocorrido.
Diante de uma contemporaneidade
que teima em dissociar as ideias e os fatos, tornando as informações rasas e,
tantas vezes, tendenciosas e equivocadas, é bastante significativo que a Semana
Santa mostre como suas reflexões são verdadeiramente atemporais. A saga de morte e renascimento do jovem
nazareno, o filho de Deus, transcende a si mesma e demonstra como a humanidade,
sob muitos aspectos, permanece a mesma.
Por isso, Cristo, na figura do
Deus humanizado, merece um olhar mais profundo e atento. Apesar de entregue para
expiar os pecados do mundo, Ele não desfrutou de quaisquer regalias ou privilégios,
durante sua breve estada neste mundo. Foi homem de carne e osso, vulnerável,
falível, comum, apesar da sua singularidade.
No entanto, foi o fato desse
cenário não lhe perturbar, o que provocou uma incompreensão generalizada das
pessoas, a seu respeito. Desapegado dos poderes, das paixões mundanas, das
riquezas e bens materiais, falando sobre amor, paz, igualdade, misericórdia,
perdão, comunhão, ... Cristo é simplesmente o oposto do mundo. Fosse naqueles
tempos. Fosse, agora, na contemporaneidade.
Aliás, essa constatação me faz
lembrar das palavras de Dom Hélder Câmara, “O verdadeiro cristianismo
rejeita a ideia de que uns nascem pobres e outros ricos, e que os pobres devem
atribuir a sua pobreza à vontade de Deus”; por isso, “Quando dou comida
aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto porque eles são pobres,
chamam-me de comunista”.
De modo que soa, de fato, muito
estranho, quando uns e outros se dizem professar a fé ao Cristo; mas, não se
permitem quaisquer gestos de benevolência, de compaixão, de tolerância, de
generosidade ou de piedade, com seus semelhantes. Afinal de contas, a escolha
de Cristo foi ser pastor dos pobres, dos desafortunados, dos indesejáveis, dos
marginalizados.
Gente, que assim como Ele, padece
das mesmas incompreensões, insultos, escárnios, desqualificações, ultrajes,
torturas, acusações e condenações sumárias. Aliás, é justamente sobre isso,
sobre todas essas reflexões, que a Semana Santa, verdadeiramente, se debruça e
clama por nossa atenção.
Ora, este é o momento para se
enxergar esse Cristo que fora despido da sua dignidade humana, por conta da
arbitrariedade, da crueldade, da arrogância, da mesquinhez, da mediocridade,
humana. Que fora pregado numa cruz de madeira à revelia de qualquer pecado, de
qualquer erro, de qualquer crime.
De modo que esse é o cerne da
reflexão. Não há espaço para discutir um renascimento existencial e filosófico,
como propõe esse período, sem que se enxergue e se compreenda a necessidade de uma
consciência moldada pela ética e moral fraternas.
Engana-se quem pensa que o Cristo
tenha sido crucificado somente uma vez. Na verdade, essa crucificação se repete
todas as vezes em que a humanidade se permite reverberar as suas incompreensões,
insultos, escárnios, desqualificações, ultrajes, torturas, acusações e
condenações sumárias, contra seus semelhantes.
Portanto, em sã consciência,
independentemente da fé que se professe, não há como caber sentimentos de renovação,
esperança e liberdade, dentro de uma alma que não se constrange diante da dor,
do sofrimento, da angústia e do desespero alheio. É contraditório demais, considerando
que a cada ataque à nossa dignidade humana, Ele padece conosco.
É tempo, então, de reavaliar a
nossa fé, a nossa conexão com o sagrado. De que forma o divino, o celestial, o
transcendental, participa da nossa vida? Que espaço Ele ocupa na manifestação
da nossa essência, diariamente? Essas não são perguntas para serem respondidas
com palavras; mas, com a consciência dos atos, das ações, da devoção, do fervor,
particular de cada um.
Como dizia Madre Teresa de
Calcutá, “Dê ao mundo o melhor de você. Mas isso pode não ser o bastante. Dê
o melhor de você assim mesmo. Veja você que, no final das contas, é tudo entre
VOCÊ e DEUS. Nunca foi entre você e os outros”.
Nesse sentido, desejo que essa Semana
Santa represente um ponto de mutação na sua vida. Rubem Alves afirmava que “Não
haverá borboletas se a vida não passar por longas e silenciosas metamorfoses”.
Verdade! Você não pode mudar, o
mundo não pode mudar, se não existir essa consciência, essa coragem, esse
despojamento, para desconstruir velhos paradigmas.
Assim, lembre-se de que “Cada vez que você faz uma opção está transformando sua essência em alguma coisa um pouco diferente do que era antes” (C. S. Lewis). Que tais transformações sejam, portanto, o símbolo de um renascimento de novas e melhores crenças, valores e princípios, em você e no mundo!