A lição
de Pitágoras...
Por
Alessandra Leles Rocha
É triste dizer, mas não
surpreende a informação de que o “Abandono escolar atinge recorde histórico
entre crianças e adolescentes do Ensino Fundamental, como mostra IBGE” 1. Já dizia Darcy Ribeiro que “A crise
da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto” e ele tinha total
razão a respeito, bastando observar uma de suas considerações mais célebres, ou
seja, que “O Brasil, último país a acabar com a escravidão tem uma
perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante
enferma de desigualdade, de descaso” 2
.
Sim, tudo nesse país passa pela
desigualdade. Quando os dados mais recentes da Pnad (Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios Contínua) Educação revelaram a não recuperação da
educação nacional após a pandemia, a significativa distorção idade-série dos
alunos de 6 a 14 anos matriculados no Ensino Fundamental, a construção de uma
geração que se encaminha para uma realidade de não estudar e nem trabalhar, a
persistência de indicadores de analfabetismo, a insuficiência de creches
para atendimento da demanda de alunos de
0 a 3 anos e a evasão escolar, não temos como negar esse fato.
Mas, olhando especificamente para
a evasão, ainda que seja um viés de muitas camadas e complexidades, há um ponto
crítico que se destaca, a violência. Considerando que a violência é um
desdobramento da desigualdade, no contexto da realidade contemporânea, ela
passou a figurar cada vez mais presente dentro e fora dos muros da escola,
reproduzindo padrões de outros espaços sociais. Haja vista duas notícias que
tiveram ampla repercussão recente, no país: “Menina é pisoteada e xingada de
‘macaca’ e ‘cabelo de bombril’ por alunos em escola municipal, diz mãe” 3 e “Homem empurra
criança negra de 4 anos após ela abraçar seu filho; assista” 4.
Para alunos, pais, educadores e
funcionários, as escolas não são mais um espaço de ensino-aprendizagem, de
sociabilização, de acolhimento, de respeito, de civilidade, de humanidade. A
violência está presente nelas. Sob diferentes formas e conteúdos. O cenário da
educação nacional; sobretudo, nas escolas públicas, sejam elas municipais,
estaduais ou federais, é de uma tensão pairando no ar. E como ensinar e
aprender sob a espreita de uma ameaça de violência?
Sem uma discussão profunda e bem
fundamentada sobre essa realidade, nenhum investimento conseguirá a façanha de prosperar
em bons frutos. É preciso voltar os olhos para o ser humano, o verdadeiro
protagonista da escola. Cuidar mais e melhor da sua saúde mental, das suas
demandas psicoemocionais, das suas relações afetivo-sociais, porque esses
aspectos se refletem, também, no desempenho cognitivo e intelectual de qualquer
ser humano. Como dito pelo poeta romano Juvenal, em sua Sátira X, “Mens sana
in corpore sano” (Uma mente sã num corpo são).
Essa ausência de cuidados, de
atenção, está transformando o espaço educacional em praça de guerra, em arena.
Um processo que começa, na maioria das vezes, nos espaços virtuais das mídias
sociais. Vejam, essas crianças e jovens apesar de serem considerados nativos
digitais não podem ser entregues a tal condição social, pura e simplesmente.
Eles não podem ser isentos de um processo de letramento específico, ou seja, de
preparação para as diversas práticas sociais de leitura e produção de textos em
ambientes digitais. No entanto, isso não acontece.
A verdade é que se percebe uma
preocupação ainda significativa com a questão do analfabetismo, no país. Mas,
saber ler e escrever não é tudo! Se há carências na alfabetização, o que dizer
do letramento! Uma imensa maioria dos alunos é sim, desprovida de uma educação
voltada ao desenvolvimento de habilidades e competências para a construção de
uma leitura e escrita dotadas de criticidade, análise e reflexão.
Então, imagina só em relação ao
letramento digital?! Será que nossos nativos digitais sabem mesmo fazer bom uso
das ferramentas de comunicação contemporâneas? Sabem, de fato, interpretar as
informações, as notícias, os conteúdos? Sabem dominar múltiplas habilidades, a
partir de campos do conhecimento distintos? ... Pois é, a maioria das escolas
não passa nem perto desse ensino-aprendizagem! De modo que os alunos nasceram
sob o signo de uma avançada tecnologia; mas, foram lançados à própria sorte
sobre como lidar com ela.
Por essas e por outras, é que a
violência galopa na sociedade contemporânea! Ela encontra terreno fértil e
total ausência de limites, de diretrizes, de orientações, para fazer e
acontecer. São tempos em que a educação transita totalmente desconectada,
dissociada, dos valores humanos. Não há uma preocupação social em garantir que
a convivência entre as pessoas seja pacífica, moderada, franca, justa. Os
princípios éticos e morais foram corrompidos, distorcidos, adulterados, segundo
as crenças e os valores de uns e outros, por aí.
Então, se não mudarmos a forma de
analisar a realidade, continuaremos enxugando gelo e assistindo ao derretimento
da educação nacional. Algo que certamente culminará no agravamento da
desigualdade no país. Lembrando as palavras de Immanuel Kant de que “O homem
não é nada além daquilo que a educação faz dele”, se o sistema educacional
falha, a sociedade fracassa no seu processo civilizatório e cidadão. Portanto,
pensemos a respeito!
1 https://www.cartacapital.com.br/educacao/abandono-escolar-atinge-recorde-historico-entre-criancas-e-adolescentes-do-ensino-fundamental-mostra-ibge/
2
RIBEIRO, D. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1995.
3 https://g1.globo.com/sp/sao-jose-do-rio-preto-aracatuba/noticia/2024/03/21/menina-e-pisoteada-e-xingada-de-macaca-e-cabelo-de-bombril-por-alunos-em-escola-municipal-diz-mae.ghtml