segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Uma linha do tempo tem sempre algo a nos dizer


Uma linha do tempo tem sempre algo a nos dizer

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Por mais cansativo que seja viver o cotidiano contemporâneo, este é um tempo que não permite descuidos e desatenções. Nada é por acaso. Nada é revestido de ingenuidade. Nada. O que parece ser obra do agora, na verdade, vem sendo urdido há séculos, em sucessivos movimentos de ajuste e reenquadramento de ações. De modo que, contrariando as expectativas de muita gente, por aí, os espaços para o delírio idealizante estão cada vez mais restritos.

Então, olhando para o mundo, observando os acontecimentos, como quem monta um quebra-cabeça, resolvi organizar os pensamentos em uma breve reflexão. Começando pelo fato de que nada foi tão surpreendente para a humanidade do que a Revolução Francesa, no século XVIII.

Até a sua deflagração, a monarquia europeia sentia-se plena pela segurança produzida por sua organização política – o Absolutismo – e econômica – o Mercantilismo. O que não é de se espantar!

Ora, o Absolutismo, que traduzia a concentração de poderes nas mãos dos monarcas, tinha como fundamentação a chamada teoria do Direito Divino dos Reis.

Trata-se de uma doutrina político-religiosa defensora da ideia de que a autoridade do rei emana diretamente da vontade de Deus e só por Ele poderia ser destituída.

De modo que para fortalecer ainda mais esse poder, os monarcas contavam com um conjunto de práticas econômicas, vigentes entre os séculos XV e XVIII, voltadas para a acumulação de riquezas, ou seja, o Mercantilismo.

Dentre elas pode-se citar o Colonialismo, o Metalismo, o incentivo à manufatura, a intervenção do Estado na economia, a balança comercial favorável e o protecionismo alfandegário.

Bem, mas o que era maravilhoso para a monarquia era péssimo para o restante da população, que vivia de migalhas e restos. Alguns, inclusive, tendo a sua indignação silenciada nas masmorras reais da época. O que significa que havia um nível de tensão social, em tese, mais ou menos controlado pelo Estado.

Até que, em 14 de julho de 1789, a Monarquia francesa viu seu controle desaparecer diante da Tomada da Bastilha, a antiga prisão, símbolo maior da opressão tirânica do Antigo Regime francês.

A Revolução Francesa promoveu a mais profunda ruptura paradigmática da história, tendo como princípios a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade (Liberté, Égalité, Fraternité), as camadas populares tomaram o poder, com a ajuda de rebeldes revolucionários.

E se o improvável aconteceu na França, poderia acontecer em qualquer outra monarquia da Europa, pensavam aterrorizadas as demais casas reais. Era preciso, então, conter a fúria das massas populares. Era preciso impedi-los de se organizarem, de planejarem novas ações. Medidas que arrefecessem os movimentos eram imprescindíveis.

Eis, então, que na segunda metade do século XVIII, na Inglaterra, custeada a partir de todo o capital oriundo do Mercantilismo inglês, surge a Revolução Industrial. Inicialmente iludida, de que a produção em série poderia gerar melhores condições socioeconômicas, a grande massa se deixou absorver como mão de obra da nova empreitada.

Agora, não mais os reis; mas, uma burguesia, tão cruel e perversa, passou a deter o controle social nas mãos. Porque além de controlar os meios de produção, o capital e o poder político, ela influenciava modos e costumes da época, a partir da aprovação de leis e decretos a respeito. Sem contar, os pitacos no ideário religioso vigente.

Em suma, essa recém-formada burguesia industrial é, portanto, o embrião clássico da Direita e seus matizes, mais ou menos radicais. De modo que, passados alguns séculos, esse restrito nicho social não perdeu a capacidade organizacional para manter seus interesses, crenças e valores; embora, sempre os ajustando aos genuínos processos de transformação da sociedade.

No entanto, o velho temor da ascensão das massas populares jamais saiu do seu radar de observação, depois do ocorrido na Revolução Francesa. Haja vista o ódio que vem, desde então, sendo destilado por essas pessoas às camadas mais vulneráveis e desassistidas da população; bem como, aos seus defensores e simpatizantes.

Ao menor sinal de abalo às suas regalias e privilégios, eles entram em cena estridentes e ferozes para defenderem seus interesses contra uma eventual ação opositora. Acontece que, hoje, em pleno século XXI, eles dispõem para tal, um verdadeiro arsenal tecnológico de aglutinação social e ideológica.

Queiram ou não admitir, as chamadas Big Techs são crias das gerações que sucederam aquela burguesia emergente da 1ª Revolução Industrial. Gente que criou esse aparato midiático em benefício próprio, em defesa de seus interesses maiores e contra qualquer vestígio de ascensão popular.

Eles dão meio de ação às suas bolhas sociais. Possibilitam os recortes. Favorecem o jogo da pós-verdade, através das Fake News. E se colocam abertamente partidários nos cenários eleitorais que lhes favorecem.

É aí que se chega ao ponto mais importante dessa reflexão, a expansão global da ultradireita. Conectados além das ideias, das propostas, das práxis, os movimentos de ultradireita demonstram uma capacidade de mobilização, que beira à perfeição.  

Acontece que isso não diz respeito apenas às ambições políticas e de poder, existentes na ultradireita contemporânea. Vigiar, manipular e controlar seus seguidores e simpatizantes é um exercício que precisa ser lapidado, considerando o que se acena no horizonte próximo.

Uma retomada global da ultradireita poderá vir acompanhada de um cenário socioeconômico devastador para uma gigantesca maioria da população, a qual inclui os seus próprios seguidores e simpatizantes. O avanço da tecnização, fomentada pela própria elite direitista, visa reduzir drasticamente o papel dos seres humanos nos mais diversos tipos de meios de produção.

Considerando que o planeta possui uma população atual em torno de 8 bilhões de indivíduos, não será possível que todos aqueles pertencentes às parcelas economicamente ativas consigam ser realocados nesse novo cenário.

Portanto, haverá demissões em massa. Haverá empobrecimento. Haverá agravamento da precarização trabalhista. Haverá tensão circulando em todos os lugares. Tudo o que a Direita e seus matizes, mais ou menos radicais, não querem em hipótese alguma. Há um trauma histórico que lhes assombra o imaginário!

Daí eles estarem trabalhando tão ativamente nesse conceito organizacional, quase como uma seita. Afinal é fundamental vender ilusões nesse caso. Promessas. Esperanças. Felicidade em gotas homeopáticas. Enquanto se omite as verdades mais difíceis e indigestas.

E para isso eles apostam em figuras emblemáticas, com alto poder persuasivo, para arrefecer eventuais ímpetos de rebeldia, indisciplina, desobediência ou insurreição, utilizando argumentos retóricos inconsistentes; mas, ao mesmo tempo, eficientes para modelar a opinião pública através do apelo às emoções e às crenças pessoais.

Portanto, só o tempo dirá o resultado dessa empreitada, o curso que seguirá mais esse pedaço da história. Ao redor do planeta batem, a todo instante, milhões de asas de borboletas. Nunca se sabe o que pode acontecer daqui a um minuto.

A vida humana sobre a Terra é totalmente permeada de incertezas, o insólito está sempre à espreita, aguardando por uma oportunidade. Tanto, que raios caem sim, mais de um, em um mesmo lugar. Prestemos atenção a isso!   

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