Uma linha do tempo tem sempre algo a nos dizer
Por Alessandra Leles Rocha
Por mais
cansativo que seja viver o cotidiano contemporâneo, este é um tempo que não
permite descuidos e desatenções. Nada é por acaso. Nada é revestido de
ingenuidade. Nada. O que parece ser obra do agora, na verdade, vem sendo urdido
há séculos, em sucessivos movimentos de ajuste e reenquadramento de ações. De modo
que, contrariando as expectativas de muita gente, por aí, os espaços para o
delírio idealizante estão cada vez mais restritos.
Então,
olhando para o mundo, observando os acontecimentos, como quem monta um
quebra-cabeça, resolvi organizar os pensamentos em uma breve reflexão. Começando
pelo fato de que nada foi tão surpreendente para a humanidade do que a Revolução
Francesa, no século XVIII.
Até a
sua deflagração, a monarquia europeia sentia-se plena pela segurança produzida por
sua organização política – o Absolutismo – e econômica – o Mercantilismo. O que
não é de se espantar!
Ora,
o Absolutismo, que traduzia a concentração de poderes nas mãos dos monarcas,
tinha como fundamentação a chamada teoria do Direito Divino dos Reis.
Trata-se
de uma doutrina político-religiosa defensora da ideia de que a autoridade do rei
emana diretamente da vontade de Deus e só por Ele poderia ser destituída.
De
modo que para fortalecer ainda mais esse poder, os monarcas contavam com um conjunto
de práticas econômicas, vigentes entre os séculos XV e XVIII, voltadas para a
acumulação de riquezas, ou seja, o Mercantilismo.
Dentre
elas pode-se citar o Colonialismo, o Metalismo, o incentivo à manufatura, a
intervenção do Estado na economia, a balança comercial favorável e o
protecionismo alfandegário.
Bem,
mas o que era maravilhoso para a monarquia era péssimo para o restante da
população, que vivia de migalhas e restos. Alguns, inclusive, tendo a sua
indignação silenciada nas masmorras reais da época. O que significa que havia
um nível de tensão social, em tese, mais ou menos controlado pelo Estado.
Até que,
em 14 de julho de 1789, a Monarquia francesa viu seu controle desaparecer
diante da Tomada da Bastilha, a antiga prisão, símbolo maior da opressão tirânica
do Antigo Regime francês.
A Revolução
Francesa promoveu a mais profunda ruptura paradigmática da história, tendo como
princípios a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade (Liberté, Égalité,
Fraternité), as camadas populares tomaram o poder, com a ajuda de rebeldes
revolucionários.
E se
o improvável aconteceu na França, poderia acontecer em qualquer outra monarquia
da Europa, pensavam aterrorizadas as demais casas reais. Era preciso, então,
conter a fúria das massas populares. Era preciso impedi-los de se organizarem,
de planejarem novas ações. Medidas que arrefecessem os movimentos eram imprescindíveis.
Eis,
então, que na segunda metade do século XVIII, na Inglaterra, custeada a partir
de todo o capital oriundo do Mercantilismo inglês, surge a Revolução
Industrial. Inicialmente iludida, de que a produção em série poderia gerar
melhores condições socioeconômicas, a grande massa se deixou absorver como mão
de obra da nova empreitada.
Agora,
não mais os reis; mas, uma burguesia, tão cruel e perversa, passou a deter o
controle social nas mãos. Porque além de controlar os meios de produção, o
capital e o poder político, ela influenciava modos e costumes da época, a
partir da aprovação de leis e decretos a respeito. Sem contar, os pitacos no
ideário religioso vigente.
Em suma,
essa recém-formada burguesia industrial é, portanto, o embrião clássico da
Direita e seus matizes, mais ou menos radicais. De modo que, passados alguns
séculos, esse restrito nicho social não perdeu a capacidade organizacional para
manter seus interesses, crenças e valores; embora, sempre os ajustando aos genuínos
processos de transformação da sociedade.
No entanto,
o velho temor da ascensão das massas populares jamais saiu do seu radar de
observação, depois do ocorrido na Revolução Francesa. Haja vista o ódio que
vem, desde então, sendo destilado por essas pessoas às camadas mais vulneráveis
e desassistidas da população; bem como, aos seus defensores e simpatizantes.
Ao menor
sinal de abalo às suas regalias e privilégios, eles entram em cena estridentes
e ferozes para defenderem seus interesses contra uma eventual ação opositora. Acontece
que, hoje, em pleno século XXI, eles dispõem para tal, um verdadeiro arsenal tecnológico
de aglutinação social e ideológica.
Queiram
ou não admitir, as chamadas Big Techs são crias das gerações que
sucederam aquela burguesia emergente da 1ª Revolução Industrial. Gente que
criou esse aparato midiático em benefício próprio, em defesa de seus interesses
maiores e contra qualquer vestígio de ascensão popular.
Eles
dão meio de ação às suas bolhas sociais. Possibilitam os recortes. Favorecem o
jogo da pós-verdade, através das Fake News. E se colocam abertamente
partidários nos cenários eleitorais que lhes favorecem.
É aí
que se chega ao ponto mais importante dessa reflexão, a expansão global da
ultradireita. Conectados além das ideias, das propostas, das práxis, os
movimentos de ultradireita demonstram uma capacidade de mobilização, que beira
à perfeição.
Acontece
que isso não diz respeito apenas às ambições políticas e de poder, existentes
na ultradireita contemporânea. Vigiar, manipular e controlar seus seguidores e
simpatizantes é um exercício que precisa ser lapidado, considerando o que se
acena no horizonte próximo.
Uma retomada
global da ultradireita poderá vir acompanhada de um cenário socioeconômico devastador
para uma gigantesca maioria da população, a qual inclui os seus próprios seguidores
e simpatizantes. O avanço da tecnização, fomentada pela própria elite
direitista, visa reduzir drasticamente o papel dos seres humanos nos mais
diversos tipos de meios de produção.
Considerando
que o planeta possui uma população atual em torno de 8 bilhões de indivíduos,
não será possível que todos aqueles pertencentes às parcelas economicamente
ativas consigam ser realocados nesse novo cenário.
Portanto,
haverá demissões em massa. Haverá empobrecimento. Haverá agravamento da
precarização trabalhista. Haverá tensão circulando em todos os lugares. Tudo o
que a Direita e seus matizes, mais ou menos radicais, não querem em hipótese
alguma. Há um trauma histórico que lhes assombra o imaginário!
Daí eles
estarem trabalhando tão ativamente nesse conceito organizacional, quase como
uma seita. Afinal é fundamental vender ilusões nesse caso. Promessas. Esperanças.
Felicidade em gotas homeopáticas. Enquanto se omite as verdades mais difíceis e
indigestas.
E para
isso eles apostam em figuras emblemáticas, com alto poder persuasivo, para arrefecer
eventuais ímpetos de rebeldia, indisciplina, desobediência ou insurreição, utilizando
argumentos retóricos inconsistentes; mas, ao mesmo tempo, eficientes para modelar
a opinião pública através do apelo às emoções e às crenças pessoais.
Portanto,
só o tempo dirá o resultado dessa empreitada, o curso que seguirá mais esse
pedaço da história. Ao redor do planeta batem, a todo instante, milhões de asas
de borboletas. Nunca se sabe o que pode acontecer daqui a um minuto.
A vida humana sobre a Terra é totalmente permeada de incertezas, o insólito está sempre à espreita, aguardando por uma oportunidade. Tanto, que raios caem sim, mais de um, em um mesmo lugar. Prestemos atenção a isso!