segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

A violência. A escola. A contemporaneidade.


A violência. A escola. A contemporaneidade.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

O artigo Agressão a aluna brasileira na porta de escola choca Portugal 1, publicado hoje, no blog de O Globo / Portugal Giro, possibilita um conjunto de reflexões em torno da violência contemporânea, que ultrapassa os limites da xenofobia e outras formas de preconceito.

Não é de hoje que a violência está presente dentro e fora dos muros da escola. O que não causa surpresa e nem estranheza, considerando que a escola é um espaço de representatividade da própria realidade social. No entanto, isso não faz com que as manifestações da violência possam ser banalizadas ou trivializadas. Elas continuam sendo o que são, ou seja, expressões que ferem o respeito, a dignidade, a civilidade humana.

Venho pensando sobre esse movimento há bastante tempo. Embora não tenha dados estatísticos ou científicos que esclareçam os caminhos pelos quais a violência nas escolas se deu, se de dentro para fora ou de fora para dentro; mas, fato é, que essa via de mão dupla acabou se convergindo para um resultado social deletério.

 Me parece existir um franco processo de deterioração da figura da escola. O princípio básico de ser um espaço de construção do conhecimento, uma extensão social importante para a formação identitária dos indivíduos, de repente, foi relegada a uma condição de espaço de reafirmação dos desvirtuamentos de crenças, valores e princípios, a partir de práxis desumanizadas e desqualificantes.

O saber, o aprender, o entender o mundo, foi parar no fim da fila das prioridades. As escolas tornaram-se palcos da exibição dos modismos, dos consumismos, das desigualdades, permitindo a exacerbação das rivalidades, das competitividades e das violências. O que era para ser um espaço equilibrado, respeitoso, pacífico e altruísta, se viu mergulhado nesse lodo tóxico que já se encontra disseminado por outros setores da sociedade.

Ora, se dentro do ambiente escolar é assim, quem está de fora, também, não vê razões para pisar em ovos e conter seus arroubos. Daí a beligerância ter se instalado de maneira tão concreta nas escolas e em suas imediações. Brigas de rua. Balas perdidas. Violências sob diferentes formas, em qualquer hora do dia ou da noite. Basta que qualquer estopim ideológico seja voluntariamente deflagrado.

O que significa, objetivamente, o desprezo total pelo conhecimento, pela formação cognitiva e intelectual, pelo desenvolvimento dos princípios éticos e morais, pela consolidação de uma identidade cidadã. A escola, caro (a) leitor (a), perdeu o seu valor social! Durante algum tempo, acreditava-se que essa perda estava relacionada apenas à carreira docente. Agora, vemos que não.

Cada vez mais, os alunos vão à escola por outros motivos. Para não ficar sozinho em casa. Para preencher o tempo. Para socializar. Pela merenda. Pelos conflitos familiares. Pela violência doméstica. ... Menos, pelo ensino-aprendizado.  Há quem acredite, inclusive, que o aprendizado derivado de outras fontes – família, amigos, mídias sociais etc. – já é o suficiente e que a escola teria pouco a oferecer. Ou, talvez, a rudeza do cotidiano seja tamanha, que não há disposição para ouvir mais nada, ler mais nada, saber mais nada.

Acontece que esse sentimento de autossuficiência é extremamente nocivo, porque desperta nos indivíduos uma pseudossensação supremacista, a qual pode, muitas vezes, expressar-se em violência. Se estabelece uma crença narcísica de que já se sabe tudo e não precisa da escola, do professor, dos livros, do conhecimento técnico-científico. Em caso de dúvida, especialmente as atuais gerações, eles (as) simplesmente recorrem, sem constrangimento, à internet, e tudo resolvido!

Percebem, então, quantos desafios estão impostos à escola contemporânea?! Estamos diante de um verdadeiro balaio de gatos, em que a violência é só um dos elementos presentes. Acontece que a sua capacidade de transbordamento social exige esforços profundamente intensos e multidisciplinares.

Lamento, mas a segurança na porta da escola não é a solução plena dos problemas! A escola contemporânea precisa de psicólogos, de assistente social, de terapeuta ocupacional, para trabalhar em conjunto com o corpo docente e diretivo da escola, oferecendo o suporte necessário para o enfrentamento das demandas emergentes.

É preciso lembrar que a escola é um espaço da pluralidade, da diversidade. Não há um modelo padrão de aluno (a). Cada indivíduo é único! Assim, esses profissionais dispõem das condições necessárias para atender às especificidades que se apresentam na realidade cotidiana escolar.  Seja construindo pontes de diálogo, de afeto, de acolhimento, de compreensão e/ou de orientação.

Por essa perspectiva é que se começa a vislumbrar um sentimento de segurança social, ou seja, permitindo que de dentro para fora dos muros da escola, todos os atores envolvidos no processo educacional sintam-se seguros, amparados, visíveis, nas suas necessidades humanas.

E essa dinâmica tem sim, um potencial multiplicador extraordinário. Como escreveu Maria Montessori, “As pessoas educam para a competição e esse é o princípio de qualquer guerra. Quando educarmos para cooperarmos e sermos solidários uns com os outros, nesse dia estaremos a educar para a paz” 2.

Assim, só a título de complementar essa breve reflexão, sugiro que o (a) leitor (a) assista aos seguintes filmes: Escritores da Liberdade (Freedom Writers), de 2007, e Entre os Muros da Escola (Entre les murs), de 2008. Afinal de contas, por pior que seja a realidade, os problemas do mundo, “O cinema é um modo divino de contar a vida” (Federico Fellini) e nos fazer compreendê-la com mais exatidão e fluidez.