A violência. A escola. A contemporaneidade.
Por Alessandra Leles Rocha
O artigo
Agressão a aluna brasileira na porta de escola choca Portugal 1, publicado hoje, no blog de O Globo
/ Portugal Giro, possibilita um conjunto de reflexões em torno da violência contemporânea,
que ultrapassa os limites da xenofobia e outras formas de preconceito.
Não é
de hoje que a violência está presente dentro e fora dos muros da escola. O que
não causa surpresa e nem estranheza, considerando que a escola é um espaço de representatividade
da própria realidade social. No entanto, isso não faz com que as manifestações
da violência possam ser banalizadas ou trivializadas. Elas continuam sendo o
que são, ou seja, expressões que ferem o respeito, a dignidade, a civilidade
humana.
Venho
pensando sobre esse movimento há bastante tempo. Embora não tenha dados estatísticos
ou científicos que esclareçam os caminhos pelos quais a violência nas escolas
se deu, se de dentro para fora ou de fora para dentro; mas, fato é, que essa
via de mão dupla acabou se convergindo para um resultado social deletério.
Me parece existir um franco processo de
deterioração da figura da escola. O princípio básico de ser um espaço de
construção do conhecimento, uma extensão social importante para a formação
identitária dos indivíduos, de repente, foi relegada a uma condição de espaço
de reafirmação dos desvirtuamentos de crenças, valores e princípios, a partir
de práxis desumanizadas e desqualificantes.
O saber,
o aprender, o entender o mundo, foi parar no fim da fila das prioridades. As escolas
tornaram-se palcos da exibição dos modismos, dos consumismos, das
desigualdades, permitindo a exacerbação das rivalidades, das competitividades e
das violências. O que era para ser um espaço equilibrado, respeitoso, pacífico
e altruísta, se viu mergulhado nesse lodo tóxico que já se encontra disseminado
por outros setores da sociedade.
Ora,
se dentro do ambiente escolar é assim, quem está de fora, também, não vê razões
para pisar em ovos e conter seus arroubos. Daí a beligerância ter se instalado
de maneira tão concreta nas escolas e em suas imediações. Brigas de rua. Balas
perdidas. Violências sob diferentes formas, em qualquer hora do dia ou da
noite. Basta que qualquer estopim ideológico seja voluntariamente deflagrado.
O
que significa, objetivamente, o desprezo total pelo conhecimento, pela formação
cognitiva e intelectual, pelo desenvolvimento dos princípios éticos e morais,
pela consolidação de uma identidade cidadã. A escola, caro (a) leitor (a),
perdeu o seu valor social! Durante algum tempo, acreditava-se que essa perda
estava relacionada apenas à carreira docente. Agora, vemos que não.
Cada
vez mais, os alunos vão à escola por outros motivos. Para não ficar sozinho em
casa. Para preencher o tempo. Para socializar. Pela merenda. Pelos conflitos
familiares. Pela violência doméstica. ... Menos, pelo ensino-aprendizado. Há quem acredite, inclusive, que o aprendizado
derivado de outras fontes – família, amigos, mídias sociais etc. – já é o suficiente
e que a escola teria pouco a oferecer. Ou, talvez, a rudeza do cotidiano seja
tamanha, que não há disposição para ouvir mais nada, ler mais nada, saber mais
nada.
Acontece
que esse sentimento de autossuficiência é extremamente nocivo, porque desperta
nos indivíduos uma pseudossensação supremacista, a qual pode, muitas vezes,
expressar-se em violência. Se estabelece uma crença narcísica de que já se sabe
tudo e não precisa da escola, do professor, dos livros, do conhecimento
técnico-científico. Em caso de dúvida, especialmente as atuais gerações, eles
(as) simplesmente recorrem, sem constrangimento, à internet, e tudo resolvido!
Percebem,
então, quantos desafios estão impostos à escola contemporânea?! Estamos diante
de um verdadeiro balaio de gatos, em que a violência é só um dos elementos
presentes. Acontece que a sua capacidade de transbordamento social exige
esforços profundamente intensos e multidisciplinares.
Lamento,
mas a segurança na porta da escola não é a solução plena dos problemas! A escola
contemporânea precisa de psicólogos, de assistente social, de terapeuta ocupacional,
para trabalhar em conjunto com o corpo docente e diretivo da escola, oferecendo
o suporte necessário para o enfrentamento das demandas emergentes.
É preciso
lembrar que a escola é um espaço da pluralidade, da diversidade. Não há um
modelo padrão de aluno (a). Cada indivíduo é único! Assim, esses profissionais dispõem
das condições necessárias para atender às especificidades que se apresentam na
realidade cotidiana escolar. Seja
construindo pontes de diálogo, de afeto, de acolhimento, de compreensão e/ou de
orientação.
Por essa
perspectiva é que se começa a vislumbrar um sentimento de segurança social, ou
seja, permitindo que de dentro para fora dos muros da escola, todos os atores
envolvidos no processo educacional sintam-se seguros, amparados, visíveis, nas
suas necessidades humanas.
E
essa dinâmica tem sim, um potencial multiplicador extraordinário. Como escreveu
Maria Montessori, “As pessoas educam para a competição e esse é o princípio
de qualquer guerra. Quando educarmos para cooperarmos e sermos solidários uns
com os outros, nesse dia estaremos a educar para a paz” 2.
Assim,
só a título de complementar essa breve reflexão, sugiro que o (a) leitor (a) assista
aos seguintes filmes: Escritores da Liberdade (Freedom Writers),
de 2007, e Entre os Muros da Escola (Entre les murs),
de 2008. Afinal de contas, por pior que seja a realidade, os problemas do
mundo, “O cinema é um modo divino de contar a vida” (Federico Fellini) e
nos fazer compreendê-la com mais exatidão e fluidez.
1 https://oglobo.globo.com/blogs/portugal-giro/post/2024/02/agressao-a-aluna-brasileira-na-porta-de-escola-choca-portugal.ghtml
2 MONTESSORI, M. A Educação e a Paz. Papirus Editora, 2004.