É preciso discutir Saúde Ambiental
Por Alessandra Leles Rocha
Há tempos
venho escrevendo a respeito da importância de analisar as doenças, no mundo,
além da sua própria manifestação. Hoje, me deparei com a matéria Por que
alto nível de mercúrio nos atuns persiste há décadas e intriga cientistas 1,
publicada pela BBC News Brasil, que exemplifica muito bem as minhas
considerações sobre o assunto.
Gostando
ou não, se interessando ou não, fato é que a relação entre o adoecimento
populacional e as diferentes formas de poluição ambiental existe e é cada vez
mais preocupante. Seja no ar, na água, no solo, contaminantes diversos têm sido
absorvidos pelos seres humanos. Lamentavelmente, a raça humana vive sob a
ameaça invisível dos poluentes.
Algo
que é extremamente grave, pelo fato de que estes agem sob efeito bioacumulativo
nos organismos. De modo que, dependendo da condição orgânica dos indivíduos, ou
seja, mais ou menos salubres, a reverberação negativa desses contaminantes pode
ser acelerada e intensificada, tendo em vista que o grau de imunidade corporal
é insuficiente para cumprir seu papel.
Mas,
não para por aí. Quando o sistema de saúde abdica, voluntariamente ou não, do
aprofundamento da investigação de uma doença, a fim de determinar exatamente a
origem da sua manifestação, o papel da poluição ambiental nesse processo passa
invisibilizado. O que permite que muitas doenças não recebam efetivamente o
tratamento necessário. Ora, muitas doenças se confundem pelas manifestações
clínicas e o que as diferenciaria, com a devida exatidão, é o conhecimento
sobre a sua gênese.
Somente
depois que as notícias sobre o que acontecia na baía de Minamata, no Japão,
ganharam repercussão internacional, por exemplo, é que a humanidade pode
compreender que certos sintomas, tais como convulsão, surtos psicóticos, perda
de consciência e febre, semelhantes ao quadro de inúmeras doenças, apresentados
por diversos moradores, que haviam consumido peixes provenientes daquela cidade,
eram resultado da contaminação por mercúrio, descartado por um empresa, na água
do mar 2.
A grande
questão é que esse é um caso entre milhares de outros. Diariamente o ser humano
é exposto, à revelia de seu conhecimento, a certos produtos tais como chumbo, arsênio,
cromo, níquel, benzopireno, cádmio, formaldeído, acetaldeído, agrotóxicos, asbesto,
bisfenol A, substâncias alquiladas per e poli-fluoradas, presentes na
composição ou na fabricação de diversos produtos do cotidiano.
Quase
sempre, a justificativa que se tem, em relação aos mesmos, decorre de parâmetros
governamentais de tolerabilidade humana, os quais desconsideram visivelmente as
especificidades que envolvem os efeitos bioacumulativos nos organismos. De modo
que as fiscalizações buscam apenas encontrar concordância numérica para
legitimar a legalidade desses produtos.
Enquanto
isso, milhares de pessoas são afetadas pelas consequências deles e, muitas
vezes, não encontram respaldo governamental para receberem o tratamento
necessário. Inclusive, dentro de um outro recorte de saúde pública, os milhares
de casos de bebês afetados pelo Zika vírus, no Brasil, traz a devida dimensão
dessa negligência socioambiental 3. Quase sempre
essas ocorrências epidemiológicas demandam um quadro de assistência médico-hospitalar
multidisciplinar, o qual nem todos os Estados e Municípios estão preparados
para oferecer, seja por razões logísticas e de infraestrutura ou por razões
orçamentárias.
Daí a
necessidade de que os cidadãos se atentem para a saúde ambiental. É preciso
entender que não basta apenas ao Estado esse papel de agente detentor de
conhecimento, detector de fatores determinantes e condicionantes às alterações
de saúde, e promotor da prevenção de doenças e agravos. Afinal de contas, tanto
a industrialização quanto a antropização, tornaram sim, todos os seres humanos
mais frágeis e vulneráveis aos diversos fatores de risco à saúde.
Lembre-se
de que o invisível existe. Não o ver, não o perceber, na sua forma, na sua cor,
na sua textura, não significa que ele não está ali, presente, pronto para
atuar. Vejo, com muita clareza, que a maioria das pessoas se incomoda ou se
preocupa com o lixo nas ruas, nos mares, nos rios, nas florestas, por conta da
sua materialidade; mas, se esquecem completamente do lado invisível dos resíduos.
Nossos maiores inimigos e ameaças não estão ao alcance da nossa visão. Só nos damos
conta da sua realidade, quando nossos corpos já sucumbem à sua afronta. Quando já
fomos brutalmente atacados e os sinais da nossa falência humana já começam a aparecer.
O mundo está adoecendo rapidamente. O que dizem ser novas patologias são apenas
o reflexo desse desconhecimento sobre a origem das próprias doenças. Talvez, já seja tarde demais para reverter
esse quadro; mas, se conseguirmos ao menos estancá-lo, já teremos produzido algo
de bom.
2 https://minamataconvention.org/sites/default/files/2021-06/Minamata-Convention-booklet-Sep2019-EN.pdf
3 Abandono e incerteza: os desafios de mães e bebês afetados pelo Zika - https://exame.com/brasil/abandono-e-incerteza-os-desafios-de-maes-e-bebes-afetados-pelo-zika/