domingo, 25 de fevereiro de 2024

É preciso discutir Saúde Ambiental


É preciso discutir Saúde Ambiental

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Há tempos venho escrevendo a respeito da importância de analisar as doenças, no mundo, além da sua própria manifestação. Hoje, me deparei com a matéria Por que alto nível de mercúrio nos atuns persiste há décadas e intriga cientistas 1,  publicada pela BBC News Brasil, que exemplifica muito bem as minhas considerações sobre o assunto.

Gostando ou não, se interessando ou não, fato é que a relação entre o adoecimento populacional e as diferentes formas de poluição ambiental existe e é cada vez mais preocupante. Seja no ar, na água, no solo, contaminantes diversos têm sido absorvidos pelos seres humanos. Lamentavelmente, a raça humana vive sob a ameaça invisível dos poluentes.

Algo que é extremamente grave, pelo fato de que estes agem sob efeito bioacumulativo nos organismos. De modo que, dependendo da condição orgânica dos indivíduos, ou seja, mais ou menos salubres, a reverberação negativa desses contaminantes pode ser acelerada e intensificada, tendo em vista que o grau de imunidade corporal é insuficiente para cumprir seu papel.

Mas, não para por aí. Quando o sistema de saúde abdica, voluntariamente ou não, do aprofundamento da investigação de uma doença, a fim de determinar exatamente a origem da sua manifestação, o papel da poluição ambiental nesse processo passa invisibilizado. O que permite que muitas doenças não recebam efetivamente o tratamento necessário. Ora, muitas doenças se confundem pelas manifestações clínicas e o que as diferenciaria, com a devida exatidão, é o conhecimento sobre a sua gênese.

Somente depois que as notícias sobre o que acontecia na baía de Minamata, no Japão, ganharam repercussão internacional, por exemplo, é que a humanidade pode compreender que certos sintomas, tais como convulsão, surtos psicóticos, perda de consciência e febre, semelhantes ao quadro de inúmeras doenças, apresentados por diversos moradores, que haviam consumido peixes provenientes daquela cidade, eram resultado da contaminação por mercúrio, descartado por um empresa, na água do mar 2.

A grande questão é que esse é um caso entre milhares de outros. Diariamente o ser humano é exposto, à revelia de seu conhecimento, a certos produtos tais como chumbo, arsênio, cromo, níquel, benzopireno, cádmio, formaldeído, acetaldeído, agrotóxicos, asbesto, bisfenol A, substâncias alquiladas per e poli-fluoradas, presentes na composição ou na fabricação de diversos produtos do cotidiano.

Quase sempre, a justificativa que se tem, em relação aos mesmos, decorre de parâmetros governamentais de tolerabilidade humana, os quais desconsideram visivelmente as especificidades que envolvem os efeitos bioacumulativos nos organismos. De modo que as fiscalizações buscam apenas encontrar concordância numérica para legitimar a legalidade desses produtos.

Enquanto isso, milhares de pessoas são afetadas pelas consequências deles e, muitas vezes, não encontram respaldo governamental para receberem o tratamento necessário. Inclusive, dentro de um outro recorte de saúde pública, os milhares de casos de bebês afetados pelo Zika vírus, no Brasil, traz a devida dimensão dessa negligência socioambiental 3. Quase sempre essas ocorrências epidemiológicas demandam um quadro de assistência médico-hospitalar multidisciplinar, o qual nem todos os Estados e Municípios estão preparados para oferecer, seja por razões logísticas e de infraestrutura ou por razões orçamentárias.

Daí a necessidade de que os cidadãos se atentem para a saúde ambiental. É preciso entender que não basta apenas ao Estado esse papel de agente detentor de conhecimento, detector de fatores determinantes e condicionantes às alterações de saúde, e promotor da prevenção de doenças e agravos. Afinal de contas, tanto a industrialização quanto a antropização, tornaram sim, todos os seres humanos mais frágeis e vulneráveis aos diversos fatores de risco à saúde.

Lembre-se de que o invisível existe. Não o ver, não o perceber, na sua forma, na sua cor, na sua textura, não significa que ele não está ali, presente, pronto para atuar. Vejo, com muita clareza, que a maioria das pessoas se incomoda ou se preocupa com o lixo nas ruas, nos mares, nos rios, nas florestas, por conta da sua materialidade; mas, se esquecem completamente do lado invisível dos resíduos.

Nossos maiores inimigos e ameaças não estão ao alcance da nossa visão. Só nos damos conta da sua realidade, quando nossos corpos já sucumbem à sua afronta. Quando já fomos brutalmente atacados e os sinais da nossa falência humana já começam a aparecer. O mundo está adoecendo rapidamente. O que dizem ser novas patologias são apenas o reflexo desse desconhecimento sobre a origem das próprias doenças.  Talvez, já seja tarde demais para reverter esse quadro; mas, se conseguirmos ao menos estancá-lo, já teremos produzido algo de bom.