Escolha melhor os seus argumentos
Por Alessandra Leles Rocha
O problema
não é a pós-verdade. Nem as Fake News. Nem o efeito manada. O ponto nevrálgico dessa
discussão é a terrível predisposição contemporânea do ser humano em exercer a
sua liberdade de maneira plena e irrestrita, abdicando de uma construção
argumentativa consistente. Daí para defenderem o estapafúrdio, com unhas e
dentes, é um pulo!
Desse
modo, queiram ou não admitir, o campo cognitivo e intelectual se transformou em
arena de vale-tudo. O pior é que o vale-tudo é sempre raso, sempre enviesado, sempre
distorcido, sempre tendencioso e manipulador, ou seja, não transita acompanhado
pela robustez da verdade dos fatos em si. O que o torna, quase sempre, modelado
por ideias de efeito chiclete, as quais se impregnam no inconsciente à revelia
do cérebro, no intuito de se tornarem realidade.
E isso,
caro (a) leitor (a), está muito associado à carência ou à fragilidade
argumentativa, que o tempo da pressa e do imediatismo contemporâneo favoreceu. Diante
de uma tendência natural de não se ater aos fatos, de não aprofundar a atenção às
palavras, de não gastar o tempo na leitura das ideias, uma legião acredita, oportunística
e intencionalmente, na aplicação da máxima de que “quem conta um conto
aumenta um ponto”, para satisfazer interesses nem sempre éticos e morais.
Então,
de repente, o que cai no espectro do falatório, do disse me disse, do devaneio
popular, está distante anos-luz da realidade factual. Algo que possibilita
desdobramentos bastante perniciosos e beligerantes à dinâmica social, tendo em
vista, o grau de contaminação presente na construção da coerência textual. Ora,
vive-se tempos de uma flagrante deturpação alienante do pensamento humano, que compromete,
inúmeras vezes, o exercício reflexivo isento, conforme pede a coerência textual.
Como
se toda a expressão da linguagem já fosse recebida com ressalvas inflexíveis,
com preconceitos estereotipados, com limitações condicionantes, enfim. Daí, quando
se vê, o que era só uma palavra, se transformou em outra, ou em um conceito, ou
em uma expressão, desalinhando e desconstruindo a ideia inicial para substituí-la
a favor dos interesses alheios. Aliás é curioso que, em tempos de tanto
silenciamento, uns e outros, por aí, andem colocando palavras na boca dos semelhantes!
Inclusive,
isso me fez lembrar de Mário Juruna, primeiro deputado federal indígena do
Brasil, na década de 1980, que ficou conhecido por carregar um gravador e
registrar as conversas e promessas dos políticos. Uma sábia tentativa de evitar,
já naquela época, que as ideias fossem desidratadas, enviesadas, distorcidas,
ou caíssem nas garras da tendenciosidade político-ideológica. Algo que, hoje,
nem gravando em áudio e em vídeo, se consegue preservar, tamanha a fúria dessa
predisposição libertária para defesas discursivas sem pés e nem cabeça.
Ter
opinião, manifestá-la, é direito e dever de todo o cidadão. Não há o que se
questionar nesse sentido. O que estou trazendo à luz da reflexão, nesse breve
texto, é a carência genuína de fundamentação da prática discursiva. Infelizmente,
estamos sob uma torrente de pura verborragia. Como se a prática discursiva pudesse
acontecer sem escrutínio, sem filtros, sem compromisso com a realidade factual.
Assim,
da tribuna das mídias sociais para os espaços institucionais, a verborragia contemporânea
é um fenômeno de assombro e constrangimento. A efervescência atual tem sim,
limitado a capacidade humana de ler e ouvir, dada a quantidade de ruídos que se
estabelecem e impossibilitam a compreensão das ideias. Nenhum juízo de valor
sobre uma fala, ou um texto, pode acontecer num piscar de olhos! É preciso não
queimar as etapas da assimilação e da compreensão, para se emitir alguma
opinião.
Nesse
sentido, vale ressaltar a lamentável conduta de alguns veículos de comunicação,
que se permitem contribuir na desinformação verborrágica, quando interferem tendenciosamente
nessa leitura dinâmica, tão frequente na contemporaneidade. Ora, há pesquisas
que demonstram como a leitura vem se resumindo às manchetes ao invés dos
artigos, por exemplo.
Então,
basta que elas sejam construídas de uma certa maneira para induzirem à produção
de uma coerência textual enviesada ou deformada, empobrecendo e ludibriando a capacidade
intelectual do leitor. Porque, nesse caso, se um fulano não gosta de um
determinado beltrano, fica legitimada que qualquer ideia, por ele manifesta,
seja esculachada de maneira veemente, embora, sem qualquer fundamentação que
sustente a tal depreciação.
Em linhas
gerais, deixando correr frouxo assim, tudo se transforma em briga de moleques
na rua, em picuinha de aluno do primário, contradizendo que o ser humano é
dotado de capacidade intelectual. Faça-me o favor! O que a realidade nos mostra
é que o ser humano está cada vez mais passional do que racional! Suas vontades,
seus quereres, suas simpatias, suas antipatias, ... Êpa, pera lá, como assim?! Nenhuma
argumentação discursiva que se preze pode se fiar nesses termos!
Concordo que nem sempre é possível uma isenção plena, um posicionamento imune à contaminação alheia; mas, sem argumentos robustos e consistentes, não dá para abrir a boca. Aliás, só dá para passar vergonha, constrangimento, humilhação! E como já dizia o poeta e filósofo francês Paul Valéry, “Quem não pode atacar o argumento ataca o argumentador”. O que mais se tem visto acontecer na contemporaneidade. Por isso, lembremo-nos das palavras de Desmond Tutu, prêmio Nobel da Paz, em 1984, “não levante a sua voz, melhore os seus argumentos”.