terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

A imagem diz muito. Mas, certamente, não disse tudo.


A imagem diz muito. Mas, certamente, não disse tudo.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Lamento discordar, de uns e outros; mas, o que levou milhares de pessoas à Av. Paulista, no último domingo, não foi a figura do ex-Presidente da República.

O grande pilar contemporâneo da Direita e seus matizes, mais ou menos radicais, é sem dúvida alguma a religião, na sua vertente mais conservadora.

É ela que consegue persuadir e arrastar multidões, na medida em que legitima crenças, valores e princípios que agradam certos segmentos da sociedade brasileira.

Afinal de contas, baseando-se em possíveis riscos ou ameaças, os direitistas sempre se apegaram ao discurso das crises econômicas, dos desastres naturais, das guerras, dos ataques terroristas e das investidas progressistas, para justificar a necessidade de mobilização e de coesão dos seus seguidores e simpatizantes.

No entanto, dessa vez, tendo em vista o crescimento exacerbado dessas correntes, no país, os discursos apontam diretamente para a necessidade de cerrar fileiras com um modelo de governança fundamentado no poder da religião. É a teocracia em curso!

Para quem não sabe ou nunca ouviu falar a respeito, teocracia significa uma forma de governança em que a autoridade governamental é apresentada como expressão direta da vontade divina, ou seja, só Deus poderia destitui-la.

De certa forma, algo impregnado historicamente no Brasil, por conta da sua experiência colonial, a qual encontrava respaldo da Metrópole, no Absolutismo garantido pela teoria do Direito Divino dos Reis.

Mas, que é extremamente importante de se discutir, porque essa ideia de unção divina é um artifício para a legitimação das ações dos escolhidos por Deus, inclusive, aquelas que ferem todos os princípios éticos e morais e configuram atos claramente delituosos.

Ao colocar essas milhares de pessoas sob o guarda-chuva teocrático, os direitistas lustram a vaidade delas. As colocam em um patamar distinto daqueles que não seguem as mesmas crenças, valores e princípios, ou seja, os outros são verdadeiros hereges.

Então, essa diferenciação oportunista fortalece não só a agregação dessas pessoas em torno dessa mesma base ideológica; mas, a sua defesa radical e extremista.

Como manifestou Umberto Eco, em 2015, “Todo tipo de racismo, fundamentalismo, quase sempre, se baseia em afirmações falsas. [...] É natural que toda forma de crime na história nasce da desinformação orientada” 1.

Entretanto, o fundamentalismo emerge porque é preciso ajustar as palavras, as ideias, para que caibam na missão de legitimar os interesses de quem as manifesta e de quem as ouve ou lê.

Acontece que isso se expressa principalmente pelo princípio do medo, que amplifica, por exemplo, o discurso das crises econômicas, das guerras, dos ataques terroristas e das investidas progressistas, de uma maneira totalmente tendenciosa e equivocada. O que significa que se retroalimenta através do discurso de ódio, da discriminação e do preconceito.

A grande questão é que, enquanto esse movimento fomentado pelo fundamentalismo religioso aglutina seus seguidores e simpatizantes, ele fratura a sociedade, o ideal coletivo. Ele gera tensões desnecessárias. Ele obstaculiza o desenvolvimento, o progresso e a paz social.

De tal forma que olhando para essa iniciativa teocrática, a qual, no Brasil, é liderada por elementos da direita e seus matizes, mais ou menos radicais e extremistas, o que se tem, de maneira bastante objetiva, é um compromisso puramente corporativista.

Então, quando se tem a imagem daquelas milhares de pessoas e se observa suas falas, seus adereços, seus comportamentos, torna-se possível dissecar as camadas que revestem a sua presença no evento.

Esse é o ponto de análise, de reflexão, de compreensão do que se revela e sinaliza, como desdobramentos futuros, para a direita brasileira e internacional. Mesmo não havendo uma homogeneização religiosa, já que cada país tem uma vertente religiosa diferente; mas, o princípio em si pode ser usado da mesma maneira.

Portanto, do mesmo modo com que a ultradireita vem se disseminando pelo planeta, a teocracia parece seguir o mesmo caminho. Algo para não se negligenciar. Afinal, ambos convergem para um mesmo ponto, ou seja, “Fundamentalistas dão um toque de arrogante intolerância e rígida indiferença para com aqueles que não compartilham suas visões de mundo” (Umberto Eco).

O que tende a nos levar a um caminho que pode fazer com que as crenças e as convicções sejam continuamente repassadas, de uns para os outros, sem qualquer escrutínio ou análise técnica competente, até provocarem efeitos nocivos e devastadores sobre a sociedade.   

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