A imagem diz muito. Mas, certamente, não disse
tudo.
Por Alessandra Leles Rocha
Lamento
discordar, de uns e outros; mas, o que levou milhares de pessoas à Av. Paulista,
no último domingo, não foi a figura do ex-Presidente da República.
O
grande pilar contemporâneo da Direita e seus matizes, mais ou menos radicais, é
sem dúvida alguma a religião, na sua vertente mais conservadora.
É ela
que consegue persuadir e arrastar multidões, na medida em que legitima crenças,
valores e princípios que agradam certos segmentos da sociedade brasileira.
Afinal
de contas, baseando-se em possíveis riscos ou ameaças, os direitistas sempre se
apegaram ao discurso das crises econômicas, dos desastres naturais, das
guerras, dos ataques terroristas e das investidas progressistas, para
justificar a necessidade de mobilização e de coesão dos seus seguidores e
simpatizantes.
No entanto,
dessa vez, tendo em vista o crescimento exacerbado dessas correntes, no país,
os discursos apontam diretamente para a necessidade de cerrar fileiras com um
modelo de governança fundamentado no poder da religião. É a teocracia em curso!
Para
quem não sabe ou nunca ouviu falar a respeito, teocracia significa uma forma de
governança em que a autoridade governamental é apresentada como expressão
direta da vontade divina, ou seja, só Deus poderia destitui-la.
De certa
forma, algo impregnado historicamente no Brasil, por conta da sua experiência
colonial, a qual encontrava respaldo da Metrópole, no Absolutismo garantido
pela teoria do Direito Divino dos Reis.
Mas,
que é extremamente importante de se discutir, porque essa ideia de unção divina
é um artifício para a legitimação das ações dos escolhidos por Deus, inclusive,
aquelas que ferem todos os princípios éticos e morais e configuram atos claramente
delituosos.
Ao colocar
essas milhares de pessoas sob o guarda-chuva teocrático, os direitistas lustram
a vaidade delas. As colocam em um patamar distinto daqueles que não seguem as
mesmas crenças, valores e princípios, ou seja, os outros são verdadeiros
hereges.
Então,
essa diferenciação oportunista fortalece não só a agregação dessas pessoas em
torno dessa mesma base ideológica; mas, a sua defesa radical e extremista.
Como
manifestou Umberto Eco, em 2015, “Todo tipo de racismo, fundamentalismo,
quase sempre, se baseia em afirmações falsas. [...] É natural que toda forma de
crime na história nasce da desinformação orientada” 1.
Entretanto,
o fundamentalismo emerge porque é preciso ajustar as palavras, as ideias, para
que caibam na missão de legitimar os interesses de quem as manifesta e de quem
as ouve ou lê.
Acontece
que isso se expressa principalmente pelo princípio do medo, que amplifica, por
exemplo, o discurso das crises econômicas, das guerras, dos ataques terroristas
e das investidas progressistas, de uma maneira totalmente tendenciosa e
equivocada. O que significa que se retroalimenta através do discurso de ódio,
da discriminação e do preconceito.
A grande
questão é que, enquanto esse movimento fomentado pelo fundamentalismo religioso
aglutina seus seguidores e simpatizantes, ele fratura a sociedade, o ideal
coletivo. Ele gera tensões desnecessárias. Ele obstaculiza o desenvolvimento, o
progresso e a paz social.
De
tal forma que olhando para essa iniciativa teocrática, a qual, no Brasil, é liderada
por elementos da direita e seus matizes, mais ou menos radicais e extremistas, o
que se tem, de maneira bastante objetiva, é um compromisso puramente
corporativista.
Então,
quando se tem a imagem daquelas milhares de pessoas e se observa suas falas, seus
adereços, seus comportamentos, torna-se possível dissecar as camadas que
revestem a sua presença no evento.
Esse
é o ponto de análise, de reflexão, de compreensão do que se revela e sinaliza,
como desdobramentos futuros, para a direita brasileira e internacional. Mesmo não
havendo uma homogeneização religiosa, já que cada país tem uma vertente
religiosa diferente; mas, o princípio em si pode ser usado da mesma maneira.
Portanto,
do mesmo modo com que a ultradireita vem se disseminando pelo planeta, a
teocracia parece seguir o mesmo caminho. Algo para não se negligenciar. Afinal,
ambos convergem para um mesmo ponto, ou seja, “Fundamentalistas dão um toque
de arrogante intolerância e rígida indiferença para com aqueles que não
compartilham suas visões de mundo” (Umberto Eco).
O que
tende a nos levar a um caminho que pode fazer com que as crenças e as
convicções sejam continuamente repassadas, de uns para os outros, sem qualquer escrutínio
ou análise técnica competente, até provocarem efeitos nocivos e devastadores
sobre a sociedade.