quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Não, não gosto de certo e errado.


Não, não gosto de certo e errado.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não, não gosto de certo e errado. A vida não pode ser analisada de forma tão taxativa. Mas, é justamente com base em dicotomias como essa que a Direita e seus matizes, mais ou menos radicais e extremistas, por exemplo, tentam enquadrar o mundo.

Pela ótica da sua perspectiva, desconsiderando as reflexões cabíveis aos cenários, às conjunturas, em questão. O que significa que todo aquele que pensa diferente está automaticamente enquadrado no campo do erro.

Ora, a forma com que o indivíduo percebe, entende, sente, os fatos e acontecimentos da vida, é totalmente particular. A não ser quando ele (a) próprio (a) se permite influenciar pelo outro, passando a se impor o cabresto de um efeito manada, tão comum na contemporaneidade.

Aí ele (a) entra em umas de seguir roteiros, scripts, manuais, protocolos, sem ao menos se dar conta de onde tudo lhe conduzirá. E olhando para esse movimento, sinto um imenso pesar diante de constrangimentos e vergonhas, que muitos se submetem, por aí, só para satisfazer a esse pseudopertencimento social.

Pois é, deixam-se levar pelas artimanhas da pós-verdade, só para não destoar, não desalinhar, ao modus vivendi de uma determinada bolha contemporânea. Assim, se esquecem de olhar além de si mesmos, de ver o que acontece, de fato, no mundo real. De exercerem a sua própria existência.

Afinal, manter-se onde está é muito mais cômodo! Ter quem pense, analise e reflita, por você, reduz imensamente o trabalho intelectual humano. Basta escolher o nicho que pretende se instalar e, logo, você estará condicionado ao processo alienante que decidiu fazer parte.

Bom, mas tanta facilidade tem um preço! Limitar a sua capacidade cognitiva e intelectual a um único viés, o tornará um colaborador fiel e ativo de ideias, as quais, muitas vezes, você não entende ou, simplesmente, discorda. Aí você permanece onde está para não ser banido, invisibilizado ou cancelado.     

Por mais que as armadilhas do mundo contemporâneo tentem aprisionar as pessoas nesse regime de modulação, de alienação mental, ética e moral, sempre chega o momento em que elas não podem mais caber nessa estrutura.

O que me faz pensar sobre a correlação desse processo com o aumento dos casos de suicídio no mundo. Aliás, vale a leitura do artigo Por que a taxa de suicídios disparou nos EUA para maior nível em 83 anos 1, publicado no site da BBC News Brasil, hoje.

Lamentavelmente, a opressão exercida sob diferentes formas, conteúdos e intensidades, dentro da estrutura social, está cada vez mais insuportável para o ser humano.  Afinal de contas, nenhum efeito manada produzido é capaz de alterar a identidade do indivíduo na sua plenitude.

E são essas arestas, que resistem ao processo, a fazer com que, de uma hora para outra, manifestem o seu desajuste, a sua insubordinação, o seu inconformismo, e levem os indivíduos a comportamentos intempestivos e/ou deletérios.

Vejam o quanto isso é perverso e cruel. A humanidade é induzida por diferentes agentes sociais a se render às pressões de ajustamento aos roteiros, scripts, manuais e protocolos, a fim de serem aceitas.

Então, elas se submetem a esse processo, depositando todas as esperanças e expectativas de que, de fato, irão conseguir. No entanto, com o passar do tempo, elas vão padecendo de tantas decepções, frustrações, decorrentes da incompatibilidade entre a sua natureza identitária – crenças, valores, princípios, convicções – e as imposições sociais, que elas se rebelam.  

E essa desobediência, ou insurgência, pode se manifestar de maneira imprevisível. Mas, a síntese desse processo é sempre uma expressão de adoecimento físico, psicológico e emocional. O que torna essa, uma questão seríssima a ser discutida mundialmente.

Nesse sentido, é fundamental observar como tem se tornado, mais e mais comum, a utilização da palavra resiliência, como uma qualidade a ser buscada integralmente pelo indivíduo contemporâneo. Mas, sejamos honestos, diante da realidade atual, quem consegue constantemente se adaptar às situações difíceis, às fontes infinitas de estresse?

Cada ser humano tem seu próprio limite. Por mais que se queira flexibilizá-lo, remodelá-lo, a exaustão persistente e recorrente faz minar a sua vitalidade. Faz as pessoas adoecerem. Sobretudo, porque elas percebem que todos os seus esforços empenhados não traduzem as respostas almejadas. É como se a sua resiliência se transformasse em nadar, nadar, e morrer na praia.

A verdade é que a contemporaneidade pira a cabeça de qualquer um! Ela ordena que você seja flexível, adaptável, mutável, ... desde que não esbarre ou ultrapasse os limites predeterminados em todos os seus roteiros, scripts, manuais, protocolos.

Que você seja você; mas, não tanto, não muito. Que você esteja mais atento (a) às mídias sociais do que, necessariamente, à sua construção e produção de conhecimento.  Que você ... No fundo, ela quer que você se transforme em um robô adestrado, que respira e vai ao banheiro.

E se você não consegue seguir tudo isso à risca, você é alçado de imediato à perspectiva de certo e errado, que uns e outros decidiram impor.  Essa é a dinâmica dessa espiral de loucura, desse labirinto insano, em que mais de 8 bilhões de seres humanos participam. Alguns voluntariamente. Outros inadvertidamente. Mas, pouco importa.

Chegamos, então, ao temido ponto de inflexão, ou seja, “O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós” (Jean-Paul Sartre). O que em linhas gerais, no contexto dessa breve reflexão, significa assumir as rédeas do próprio protagonismo, de pensar com a própria cabeça, de libertar-se das amarras do certo e do errado, de defender, com unhas e dentes, a dignidade identitária.

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