Não, não
gosto de certo e errado.
Por Alessandra
Leles Rocha
Não, não gosto de certo e errado.
A vida não pode ser analisada de forma tão taxativa. Mas, é justamente com base
em dicotomias como essa que a Direita e seus matizes, mais ou menos radicais e
extremistas, por exemplo, tentam enquadrar o mundo.
Pela ótica da sua perspectiva,
desconsiderando as reflexões cabíveis aos cenários, às conjunturas, em questão.
O que significa que todo aquele que pensa diferente está automaticamente enquadrado
no campo do erro.
Ora, a forma com que o indivíduo percebe,
entende, sente, os fatos e acontecimentos da vida, é totalmente particular. A não
ser quando ele (a) próprio (a) se permite influenciar pelo outro, passando a se
impor o cabresto de um efeito manada, tão comum na contemporaneidade.
Aí ele (a) entra em umas de
seguir roteiros, scripts, manuais, protocolos, sem ao menos se dar conta de
onde tudo lhe conduzirá. E olhando para esse movimento, sinto um imenso pesar diante
de constrangimentos e vergonhas, que muitos se submetem, por aí, só para satisfazer
a esse pseudopertencimento social.
Pois é, deixam-se levar pelas
artimanhas da pós-verdade, só para não destoar, não desalinhar, ao modus
vivendi de uma determinada bolha contemporânea. Assim, se esquecem de olhar
além de si mesmos, de ver o que acontece, de fato, no mundo real. De exercerem
a sua própria existência.
Afinal, manter-se onde está é
muito mais cômodo! Ter quem pense, analise e reflita, por você, reduz
imensamente o trabalho intelectual humano. Basta escolher o nicho que pretende
se instalar e, logo, você estará condicionado ao processo alienante que decidiu
fazer parte.
Bom, mas tanta facilidade tem um
preço! Limitar a sua capacidade cognitiva e intelectual a um único viés, o
tornará um colaborador fiel e ativo de ideias, as quais, muitas vezes, você não
entende ou, simplesmente, discorda. Aí você permanece onde está para não ser
banido, invisibilizado ou cancelado.
Por mais que as armadilhas do
mundo contemporâneo tentem aprisionar as pessoas nesse regime de modulação, de
alienação mental, ética e moral, sempre chega o momento em que elas não podem
mais caber nessa estrutura.
O que me faz pensar sobre a
correlação desse processo com o aumento dos casos de suicídio no mundo. Aliás,
vale a leitura do artigo Por que a taxa de suicídios disparou nos EUA para
maior nível em 83 anos 1,
publicado no site da BBC News Brasil, hoje.
Lamentavelmente, a opressão
exercida sob diferentes formas, conteúdos e intensidades, dentro da estrutura
social, está cada vez mais insuportável para o ser humano. Afinal de contas, nenhum efeito manada
produzido é capaz de alterar a identidade do indivíduo na sua plenitude.
E são essas arestas, que resistem
ao processo, a fazer com que, de uma hora para outra, manifestem o seu desajuste,
a sua insubordinação, o seu inconformismo, e levem os indivíduos a comportamentos
intempestivos e/ou deletérios.
Vejam o quanto isso é perverso e
cruel. A humanidade é induzida por diferentes agentes sociais a se render às
pressões de ajustamento aos roteiros, scripts, manuais e protocolos, a fim de
serem aceitas.
Então, elas se submetem a esse
processo, depositando todas as esperanças e expectativas de que, de fato, irão
conseguir. No entanto, com o passar do tempo, elas vão padecendo de tantas
decepções, frustrações, decorrentes da incompatibilidade entre a sua natureza
identitária – crenças, valores, princípios, convicções – e as imposições
sociais, que elas se rebelam.
E essa desobediência, ou insurgência,
pode se manifestar de maneira imprevisível. Mas, a síntese desse processo é sempre
uma expressão de adoecimento físico, psicológico e emocional. O que torna essa,
uma questão seríssima a ser discutida mundialmente.
Nesse sentido, é fundamental
observar como tem se tornado, mais e mais comum, a utilização da palavra resiliência,
como uma qualidade a ser buscada integralmente pelo indivíduo contemporâneo. Mas,
sejamos honestos, diante da realidade atual, quem consegue constantemente se
adaptar às situações difíceis, às fontes infinitas de estresse?
Cada ser humano tem seu próprio
limite. Por mais que se queira flexibilizá-lo, remodelá-lo, a exaustão
persistente e recorrente faz minar a sua vitalidade. Faz as pessoas adoecerem. Sobretudo,
porque elas percebem que todos os seus esforços empenhados não traduzem as
respostas almejadas. É como se a sua resiliência se transformasse em nadar,
nadar, e morrer na praia.
A verdade é que a
contemporaneidade pira a cabeça de qualquer um! Ela ordena que você seja flexível,
adaptável, mutável, ... desde que não esbarre ou ultrapasse os limites
predeterminados em todos os seus roteiros, scripts, manuais, protocolos.
Que você seja você; mas, não
tanto, não muito. Que você esteja mais atento (a) às mídias sociais do que, necessariamente,
à sua construção e produção de conhecimento. Que você ... No fundo, ela quer que você se
transforme em um robô adestrado, que respira e vai ao banheiro.
E se você não consegue seguir
tudo isso à risca, você é alçado de imediato à perspectiva de certo e errado,
que uns e outros decidiram impor. Essa é
a dinâmica dessa espiral de loucura, desse labirinto insano, em que mais de 8
bilhões de seres humanos participam. Alguns voluntariamente. Outros inadvertidamente.
Mas, pouco importa.
Chegamos, então, ao temido ponto
de inflexão, ou seja, “O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que
nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós” (Jean-Paul Sartre). O
que em linhas gerais, no contexto dessa breve reflexão, significa assumir as rédeas
do próprio protagonismo, de pensar com a própria cabeça, de libertar-se das
amarras do certo e do errado, de defender, com unhas e dentes, a dignidade identitária.