Dizia
Luigi Pirandello, “Assim é, se lhe parece”. Será mesmo?!
Por Alessandra
Leles Rocha
Não surpreende que a direita e
seus matizes, mais ou menos radicais, estejam tentando, oportunisticamente,
surfar na onda da tensão que se estabeleceu entre o governo brasileiro e de
Israel.
Por lá, o estabelecimento de uma
tensão internacional com o Brasil possibilita a construção de narrativas que poderiam
colaborar para minimizar o seu isolamento, face as práxis ofensivas empregadas
contra os palestinos.
Por aqui, o estabelecimento da
tensão internacional com Israel possibilita a construção de narrativas com o
intuito de desviar as atenções sobre as recentes investigações da Polícia
Federal (PF) e os depoimentos que estão previstos.
Além disso, nem é preciso lembrar
a recente relação amistosa que se estabeleceu entre o atual governo de Israel
com membros da ultradireita nacional, nos últimos anos, inclusive no campo da
espionagem, com compras de softwares e outros equipamentos de empresas
israelenses, pelo governo brasileiro.
Bom, desde que mundo é mundo, as relações
sociais são, geralmente, estreitadas por afinidades. No campo geopolítico, além
dos aspectos ideológicos, as questões de comércio exterior e outras discussões
diplomáticas, são o que compõe o cenário de proximidade ou de afastamento entre
nações.
Assim, parece claro que, diante
das conjunturas atuais de beligerância entre Israel e a Palestina, o governo
israelense desejasse poder contar com um governo brasileiro mais alinhado ao seu
posicionamento político-ideológico.
Mas, por conta de todos os
movimentos diplomáticos brasileiros, desde o início do conflito, ainda que o Brasil
tenha deixado patenteado à sua indignação quanto ao ato terrorista cometido
pelo Hamas contra cidadãos israelenses, a busca por uma construção pacífica
dialógica entre as partes e de um cessar-fogo imediato para conter a carnificina
contra civis palestinos, a maioria mulheres e crianças, têm sido intensos e
constantes. O que vai na contramão das expectativas do governo israelense.
Vamos e convenhamos que as
páginas da história mundial estão repletas de figuras nefastas, abjetas,
infames, cujas práxis genocidas depreciam totalmente a condição civilizada do
ser humano. E cada vez que elas emergem no horizonte há sempre a esperança de
que o aprendizado oriundo da dor, do sofrimento, da miséria humana, seja capaz
de impedir um novo episódio.
Aliás, a grande escritora Mary
Shelley, ainda no século XIX, escreveu: “se todo homem estabelecesse um
limite entre seus misteres e sua vida afetiva, a Grécia não teria sido
escravizada, César teria poupado sua pátria, a América teria sido colonizada
sem maiores conflitos, e os impérios dos astecas e dos incas não teriam sido
aniquilados” (SHELLEY, p.54)1.
Por isso, é estranho que diante da
desumanidade que retrata a guerra, estejam uns e outros voltados para se encher
de uma cólera indignada diante de palavras, que podem ser substituídas por
outras, ao invés de se ater aos fatos concretos traduzidos na visão do morticínio
de seres humanos.
E a paz? Onde fica a luta pela
paz? A luta pela preservação da espécie humana? É constrangedor pensar como o
oportunismo de ocasião consegue o feito de flexibilizar crenças, valores e princípios
humanos. Vidas são vidas. Não dá para relativizar. Não dá para aceitar que entre
seres humanos existam aqueles que importam e os que não importam. Portanto, uma
guerra é sempre o símbolo maior do fracasso civilizatório. E isso é tão
impactante que não há palavras para mitigar os efeitos.
Quando se vê um campo de
refugiados, ou crianças vagando solitárias entre os escombros, ou corpos espalhados
pelas vias públicas, ou mães tomadas pela perplexidade da dor, ... ninguém se
preocupa em saber qual a identidade nacional daqueles seres humanos. Ninguém se
preocupa em saber se é aqui, ali ou acolá. Simplesmente, se é tomado pela
indignação, pela incompreensão, pela empatia fraterna, pela dor e tudo mais a compor
o senso humanitário do Homo sapiens.
Há uma citação do Professor Milton
Santos que diz, “A força da alienação vem dessa fragilidade dos indivíduos,
quando apenas conseguem identificar o que os separa e não o que os une”. Antes
de quaisquer diferenças, somos humanos. É isso o que deveria nos unir, a nossa
condição humana! Mortais. Falíveis. Incompletos. Imperfeitos. Limitados. Enfim...
Gente, de carne e osso.
Se verdadeiramente olharmos para
o mundo, com olhos de ver, perceberemos o quão cheio de cicatrizes existem na
sua pele. Marcas adquiridas ao longo da sua jornada existencial, na medida em
que se permitiu repetir os erros, as deformidades, as arbitrariedades, os
delírios, os narcisismos, de geração em geração.
Infelizmente, não domesticamos o
selvagem que nos habita. Em essência, não diferimos dos que habitavam as cavernas.
Somos brutos, bárbaros, irracionais,
incivilizados. Não temos apreço pela vida do outro e, nem tampouco, pela nossa.
Somos arrogantes, prepotentes, vaidosos, tiranos, egocêntricos. Como se o rodopiar
do mundo dependesse da nossa própria vontade, do nosso querer.
Como escreveu Renato Russo, “Ainda
que eu falasse a língua dos homens / E falasse a língua dos anjos / Sem amor eu
nada seria [...]”2. Aproveitemos,
então, a oportunidade que o momento nos traz para desenvolver uma reflexão lúcida
e isenta, sob o viés dos (des) caminhos da realidade contemporânea.
1 SHELLEY, M.
[1817]. Frankenstein: or The Modern Prometheus. Tradução de Pietro Nassetti.
Disponível em: http://lelivros.love/book/frankestein-mary-shelley/. Acesso em:
1º jul. 2019.