sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Nem rir, nem chorar. É preciso refletir!


Nem rir, nem chorar. É preciso refletir!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Como no Brasil vergonha pouca é bobagem, vamos lá traçar uma breve reflexão a respeito da viagem de um grupo de deputados da ultradireita aos EUA, utilizando recurso público e com o fim de entregar um manifesto, nas Nações Unidas, sobre supostas violações aos direitos dos presos pela invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro deste ano.

E para completar, ainda tiveram um encontro com um deputado republicano da ultradireita, de origem brasileira, cuja imagem política encontra-se gravemente afetada pela publicação de um relatório de ética elaborado pela Câmara estadunidense, que o cita por várias e gravíssimas evidências de violação das leis daquele país.

A primeira palavra que me vem à cabeça para definir esse episódio é bizarrice. Esses representantes eleitos por cidadãos brasileiros, não só apequenaram a imagem do seu país no cenário internacional, como reafirmaram o seu desprezo pela soberania nacional. E ainda por cima, se acharam no direito de “fazer bonito com o chapéu alheio”, tendo em vista que se valeram do dinheiro do contribuinte para tal.

No entanto, como esse assunto rende camadas e mais camadas, fiz uma opção por concentrar minhas reflexões em torno de dois aspectos, os quais considero mais interessantes. O primeiro diz respeito ao complexo de vira-lata tão presente na ultradireita brasileira.

Já dizia o autor da expressão, o dramaturgo e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, há décadas, que “Por ‘complexo de vira-lata’ me entendo a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima”.

Concordo plenamente; mas, devo destacar que essa característica nasceu, de certa forma, em razão da nossa herança colonial. Nossa subserviência, submissão, acato, adulação, nasceu da relação tóxica estabelecida com a Metrópole, a qual fazia questão de reafirmar a desimportância do nosso país e a necessidade de ele entender que a Europa era a protagonista da história da humanidade, o centro dos acontecimentos e das transformações globais.

Um fenômeno que acabou seguindo o fluxo dos acontecimentos e se remodelando diante da força capital do imperialismo pós Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria. De modo que, pelo fato de a ultradireita estar alicerçada em crenças, valores e princípios que se difundiram amplamente durante a Segunda Guerra Mundial é compreensível o comportamento dos ultradireitistas brasileiros.

Sem uma autoestima constituída, eles precisam recorrer a uma potência global que, pelo menos em tese, a tem de sobra. Incapazes de dirimir seus próprios conflitos identitários nacionais, eles se humilham despudoramente diante de um ente que consideram maior, mais poderoso. Assim, lá foram eles chorar suas pitangas e carambolas na terra do Tio Sam, na esperança de que alguém dê crédito as suas conversas fiadas.

Entretanto, como era de se esperar, não contentes com o rumo dos acontecimentos, decidiram pintar com tintas ainda mais fortes as suas mentiras e fanfarronices, se aproximando de alguém que já carrega a pecha de mentiroso contumaz. Chega-se, então, ao segundo aspecto das minhas reflexões.

Não, essa aproximação não foi por acaso. Ninguém mais do que os ultradireitistas têm um apreço especial pelas Fake News, pela Pós-Verdade. Esses elementos trazidos pela alta inovação tecnológica contemporânea foram o presente do destino para reacender a chama do intento ultradireitista, de expansão, pelo planeta.

Aproveitando-se de que a contemporaneidade já havia criado o terreno fértil, a partir do discurso de liberdade plena e irrestrita, para um movimento de idealização da realidade, as Fake News chegaram para materializar esse processo. Sob uma consciência de que são livres para fazer e acontecer, os indivíduos se consideram no direito de tecer as próprias crenças, convicções, princípios e realidades. Por isso, eles não se sentem mentirosos, farsantes, impostores. Eles se consideram legitimados a dizer, a fazer, a se comportar, segundo o seu próprio senso de liberdade.

O que explica a razão de as Fake News se alastrarem sem grandes obstáculos. O apelo em torno da liberdade é o que estabelece pontes com as pessoas, criando uma persuasão alienante. Algo que para os ultradireitistas gera um poder incalculável, na medida em que cria legiões a defender furiosamente esse direito de dizer, de fazer, de se comportar, sem precisar respeitar quaisquer limites institucionalizados.

É um engano pensar que as pessoas não sabem que isso ou aquilo é mentira. Elas sabem; mas, é cômodo para elas fazer vista grossa, resguardando a legitimação ao seu próprio direito de liberdade. Portanto, essa não é uma questão pontual. É uma questão global. Aqui, ali e acolá, você encontra pessoas agindo dessa maneira. Em diferentes espectros da sociedade você vai se deparar com a presença das Fake News, da Pós-Verdade, como algo já incorporado ao cotidiano.

O problema é que tudo isso flexibiliza os parâmetros éticos e morais da sociedade; sobretudo, quando a ação do sistema jurídico parece transitar em uma velocidade aquém da necessidade real. A morosidade jurídica, de certa forma, torna-se uma aliada importante para as Fake News, a Pós-Verdade, tendo em vista que não interrompe o curso de deterioração e deturpação dos limites naturais presentes nas relações sociais. Em muitos momentos, inclusive, ela exacerba as desigualdades e perde o controle sobre as beligerâncias.

Por essas e por outras é que a viagem desse grupo de deputados da ultradireita brasileira aos EUA, ao contrário de merecer apenas visibilidade midiática, ou risos e choros, deveria merecer atenção, análise e reflexão aprofundadas.

Esse é um episódio que diz muito sobre a identidade nacional e o modo como o brasileiro se relaciona com a Democracia, o Estado de Direito, a soberania, a cidadania e a autodeterminação dos povos. Afinal, isso mede o nível de tensão e de instabilidade que permeia a realidade nacional brasileira, nesse momento.   

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