quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Até quando vamos nos esquecer de nós?


Até quando vamos nos esquecer de nós?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Quer saber, cansei de lamentar o fato do negacionismo contemporâneo! Infelizmente, ele existe, esta aí. O bom é que, a qualquer momento, alheia à sua vontade, as conjunturas da vida irão se impor a tal ponto, pelas mudanças necessárias, que essas pessoas não terão mais como fugir das suas responsabilidades, das suas ações.

A grande questão é que nesse contexto atabalhoado da pressa, tudo o que poderia ter sido feito de maneira calma e planejada acaba sendo realizada sob o impulso do imediatismo. E se de um modo geral, esse contexto não parece trazer tantos problemas, quando a gente se dispõe a dissecá-lo em camadas, descobre que eles existem sim.

Pois é, no mundo narcísico em que vivemos, a realidade existe sob o ditame de uma perfeição absoluta que invisibiliza aquilo que não é Narciso. Cada vez mais a humanidade abstrai a presença de todos aqueles que não se alinham satisfatoriamente aos pseudopadrões por ela estabelecidos. Seja no pensamento, no comportamento, nos hábitos cotidianos, ...; mas, principalmente, em relação aos corpos.

Ainda que todos estejam sob o guarda-chuva da cidadania, na prática não é bem assim. Idosos, obesos, deficientes, portadores de doenças raras, vivem à margem da sociedade.

Mas, abro aqui um parêntese para pedir a atenção do (a) leitor (a) sobre o óbvio. Vejamos, o envelhecimento é coisa natural da vida! Só não envelhece quem morre cedo! Quanto à obesidade há muitos fatores que interferem nessa condição. Nem sempre depende só dos esforços individuais.

Já a deficiência, ainda que ela possa ser nata, qualquer um pode, de repente, se tornar a bola da vez! Basta um acidente grave, um AVC (Acidente Vascular Cerebral), uma trombose, uma infecção, ... para ela se instalar e tornar-se parte integrada da nova realidade do indivíduo.

No entanto, essas pessoas se veem diante de não caber no mundo em que vivem, simplesmente, porque este não busca corrigir e superar as obstaculizações criadas para elas. O mundo fica só no blábláblá, nos discursos vazios e ineficazes. De modo que as discussões em torno da acessibilidade são sempre muito superficiais.

Em relação às doenças raras, muitas podem ser enquadradas no rol de uma loteria genética ou bioquímica. Uma ironia do destino que não há muito o que fazer e não depende de escolha.

Acontece que, enquanto a raça humana caminha se deixando negar a realidade e idealizar um universo paralelo, para se sentir mais feliz e confortável, o mundo continua girando na sua órbita. As mazelas, os problemas, os desafios, permanecem seguindo o seu fluxo e adquirindo contornos e cores cada vez mais intensos. Razão pela qual é preciso despertar para a diversidade e a pluralidade humana a fim de garantir-lhe os mesmos direitos de sobrevivência.

Depois de abdicar do alerta de que “Prevenir é melhor do que remediar”, não resta aos seres humanos outra opção a não ser reajustar o cotidiano dentro de novos parâmetros impostos pela emergência ambiental. Hora de arregaçar as mangas e começar a construir um modelo de estrutura social capaz de mitigar os efeitos dos eventos extremos do clima. Caso contrário, haverá uma impossibilidade real em equacionar as perdas e as reconstruções, dada a reincidência dos episódios dentro de curtos espaços de tempo.

E é aí, então, que entra o olhar atento e responsável em relação aos idosos, obesos, deficientes, portadores de doenças raras. Tradicionalmente, o seu cotidiano já é marcado por limitações naturais e por necessidades especiais; mas, diante de situações extremas, eles tendem a demandar ainda mais cuidados e ações específicas para garantir a sua sobrevivência.

Eles representam um contingente humano com evidentes dificuldades de acesso a recursos vitais e a limitações para o deslocamento geográfico. O que significa que é fundamental constituir um plano de assistência emergencial, em casos de eventos extremos do clima, para atendê-los. É inadmissível que eles fiquem à mercê da própria sorte, diante das adversidades ambientais que recrudescem a olhos vistos. Não é possível relativizar a dignidade humana e a cidadania dessas pessoas.   

É fácil dizer que isso ou aquilo é direito de todos; mas, é na prática das circunstâncias, que se percebe claramente como esse “todos” é bastante seletivo. Porque ao invés de olhar para os seres humanos como tal, cria-se rótulos e estereótipos a fim de afunilar e limitar o acesso das pessoas a esse ou aquele lugar social. O que de certa forma é um modo de construir mais uma camada para as desigualdades e para as desumanidades.

Perspectiva tosca e insensível sobre si mesmo? Certamente. Afinal, abandonar gente igual a nós não significa garantir a nossa própria sobrevivência. Estamos todos no mesmo barco, afrontados pelos mesmos desafios, os mesmos tsunamis apocalípticos. De modo que olhar para o lado e estender a mão pode sim, atenuar nossas misérias, nossos infortúnios, nossas tristezas, nossos medos, ..., nossa gigantesca pequenez humana. 

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