Realidade
e perspectivas - 35 anos da promulgação da Constituição Federal
Por Alessandra
Leles Rocha
Daqui a três dias, o Brasil
completa 35 anos da promulgação da sua Constituição Federal. Não sei se aviso
do astral, fato é que as celebrações de datas importantes para o país não têm
chegado, nos últimos anos, envoltas por uma energia muito boa, como deveria
ser.
Haja vista a fatídica reunião
ministerial de 22 de abril de 2020 1, depois
as comemorações em tom golpista, durante os 200 anos de independência, em 2022 2, e mais recentemente, os atos
terroristas de 8 de janeiro de 2023 3,
contra o Estado Democrático de Direito, ou seja, contra a Constituição Federal.
E apesar de vivermos tempos de um
ceticismo vigoroso, dada a velocidade e intensidade dos acontecimentos, não
consigo olhar para esses elementos como se não tratassem de verdadeiros sinais
de que urge a necessidade de o Brasil passar a sua história a limpo, em todos
os sentidos.
Pode ser que para muitos passe
despercebida a conexão subliminar que os acompanha; mas, a semente dessa barbárie
é a herança colonial que pesa sim, sobre o país. Infelizmente, a descolonização
nacional foi somente teórica. Continuamos expressando e defendendo as mesmas
ideias, cometendo os mesmos erros e atrocidades, reafirmando com toda força as desigualdades.
Bem, espremendo esse caldo
histórico, então, chegamos ao Brasil contemporâneo, do século XXI, onde a
direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas, hasteiam
esse conjunto de crenças, de valores e de princípios, no sentido de destacar o
seu espaço de poder político, econômico e sociocultural.
Daí o desprezo pela Democracia, pelos
Poderes da República, pelas instituições de Estado, pela identidade cidadã,
como ficou demonstrado nos atos antidemocráticos de 12 de dezembro de 2022 4, de 24 de dezembro de 2022 5 e de 8 de janeiro de 2023. As ações que
marcam esses episódios deixam claro como essas pessoas se apropriam da
territorialidade e dos bens nacionais, como se esses fossem de sua propriedade
restrita. E se é deles, eles põem e dispõem a bel prazer, não é esse o
pensamento?
Bem, é nesse ponto, então, que se
faz necessário afunilar a reflexão. A direita e seus matizes, dentro do viés
político-partidário, certamente não teriam contingente suficiente para agir de
tal maneira. Portanto, eles precisaram manipular e cooptar segmentos da
sociedade para atuarem como massa de manobra dos seus intentos.
E para isso, não mediram esforços
e nem estratégias. Usaram e abusaram das Fake News. Financiaram as ações
de campo, ou seja, bloqueios em estradas e rodovias, acampamentos nas portas dos
quartéis. Aliaram-se a certos segmentos religiosos, cujo ideário é transformar o
país em uma Teocracia. Enfim.
Por uma ironia fina do destino
falharam! O que não significa que arrefeceram os seus propósitos. Muito pelo
contrário, considerando que alguns dos que já foram presos, pelas ações
terroristas, reincidiram nas suas práxis. Demonstrando, então, que quaisquer celebrações
em torno dos 35 anos da promulgação da Constituição Federal não farão qualquer sentido
se não trabalharem na desconstrução de certos ranços históricos.
A princípio, olhando en passant
o processo de apuração e de responsabilização sobre os atos antidemocráticos, a
justiça atuou, até o momento, ao nível da massa de manobra simpatizante da direita
(ultradireita), excetuando-se um ou outro pequeno financiador. Embora, já se
tenha consciência de quem são os verdadeiros responsáveis intelectuais e
capitais do movimento. E esse é um ponto muito importante, porque traz a
sensação da reprodução da impunidade histórica.
Bem, dizia Leon Fredja Szklarowsky
que “A impunidade é a matriz e a geratriz de novos e insensatos
acontecimentos e o desmoronamento do que ainda resta de bom na alma humana”. Mas,
para mim, além dessa verdade inconteste, a impunidade me parece ser uma das
mais importantes engrenagens desse imobilismo histórico que reina no Brasil.
Ora, ao se fazer vista grossa às
expressões anticidadãs e antidemocráticas de uns em detrimento de outros, a
impunidade perpetua seu desprezo pela passagem do tempo, pela evolução humana,
pelo desenvolvimento e pelo progresso nacionais. Enquanto, reafirma e enaltece as marcas das
desigualdades no país.
Por trás da condescendência, da
cordialidade, da generosidade, da indulgência, que se aplica a certos indivíduos,
esconde-se a impunidade. A grande
questão é que, no Brasil, tudo isso está delimitado pelas fronteiras históricas
da desigualdade, ou seja, no estabelecimento da importância e da desimportância
social, que advém do poder político, do poder capital, do poder religioso ou do
poder militar. Debaixo dessas bolhas fiadas por regalias e privilégios seculares,
então, a impunidade não corre riscos.
O que significa que a impunidade
é uma ameaça flagrante à estabilidade e à manutenção dos princípios constitucionais
vigentes. Basta pensar como as sombras nefastas do golpismo atravessaram as páginas
da história nacional e que, de certo modo, ajudaram sim, a explicar as razões diretas
ou indiretas que nos levaram a ter tantas constituições até aqui. 1824. 1891.
1934. 1937. 1946. 1967. 1988.
Portanto, me parece ser a
principal prioridade, nesse ano em que o Brasil completa 35 anos da promulgação
da sua Constituição Federal, consolidar o princípio de que “Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art. 5º, CF. de 1988). Esse
é o antídoto contra a impunidade e todos os males sociais que advém dela.
Somente através desse princípio se consegue garantir a cidadania e o pluralismo político, capazes de conduzir à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, de garantir o desenvolvimento nacional, de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, conforme tão bem estabeleceu a Carta Magna vigente.
1 https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/22/veja-os-principais-pontos-da-reuniao-ministerial-que-teve-gravacao-divulgada-pelo-stf.ghtml
2 https://noticias.uol.com.br/colunas/reinaldo-azevedo/2022/09/07/bolsonaro-usa-o-7-de-setembro-para-pregacao-golpista-seu-lugar-e-a-cadeia.htm
3 https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2023/01/atos-golpistas-os-11-principais-fatos-para-entender-tudo-desde-o-8-de-janeiro.ghtml