segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Realidade e perspectivas - 35 anos da promulgação da Constituição Federal


Realidade e perspectivas - 35 anos da promulgação da Constituição Federal

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Daqui a três dias, o Brasil completa 35 anos da promulgação da sua Constituição Federal. Não sei se aviso do astral, fato é que as celebrações de datas importantes para o país não têm chegado, nos últimos anos, envoltas por uma energia muito boa, como deveria ser.

Haja vista a fatídica reunião ministerial de 22 de abril de 2020 1, depois as comemorações em tom golpista, durante os 200 anos de independência, em 2022 2, e mais recentemente, os atos terroristas de 8 de janeiro de 2023 3, contra o Estado Democrático de Direito, ou seja, contra a Constituição Federal.

E apesar de vivermos tempos de um ceticismo vigoroso, dada a velocidade e intensidade dos acontecimentos, não consigo olhar para esses elementos como se não tratassem de verdadeiros sinais de que urge a necessidade de o Brasil passar a sua história a limpo, em todos os sentidos.

Pode ser que para muitos passe despercebida a conexão subliminar que os acompanha; mas, a semente dessa barbárie é a herança colonial que pesa sim, sobre o país. Infelizmente, a descolonização nacional foi somente teórica. Continuamos expressando e defendendo as mesmas ideias, cometendo os mesmos erros e atrocidades, reafirmando com toda força as desigualdades.

Bem, espremendo esse caldo histórico, então, chegamos ao Brasil contemporâneo, do século XXI, onde a direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas, hasteiam esse conjunto de crenças, de valores e de princípios, no sentido de destacar o seu espaço de poder político, econômico e sociocultural.

Daí o desprezo pela Democracia, pelos Poderes da República, pelas instituições de Estado, pela identidade cidadã, como ficou demonstrado nos atos antidemocráticos de 12 de dezembro de 2022 4, de 24 de dezembro de 2022 5 e de 8 de janeiro de 2023. As ações que marcam esses episódios deixam claro como essas pessoas se apropriam da territorialidade e dos bens nacionais, como se esses fossem de sua propriedade restrita. E se é deles, eles põem e dispõem a bel prazer, não é esse o pensamento?

Bem, é nesse ponto, então, que se faz necessário afunilar a reflexão. A direita e seus matizes, dentro do viés político-partidário, certamente não teriam contingente suficiente para agir de tal maneira. Portanto, eles precisaram manipular e cooptar segmentos da sociedade para atuarem como massa de manobra dos seus intentos.

E para isso, não mediram esforços e nem estratégias. Usaram e abusaram das Fake News. Financiaram as ações de campo, ou seja, bloqueios em estradas e rodovias, acampamentos nas portas dos quartéis. Aliaram-se a certos segmentos religiosos, cujo ideário é transformar o país em uma Teocracia. Enfim.

Por uma ironia fina do destino falharam! O que não significa que arrefeceram os seus propósitos. Muito pelo contrário, considerando que alguns dos que já foram presos, pelas ações terroristas, reincidiram nas suas práxis. Demonstrando, então, que quaisquer celebrações em torno dos 35 anos da promulgação da Constituição Federal não farão qualquer sentido se não trabalharem na desconstrução de certos ranços históricos.

A princípio, olhando en passant o processo de apuração e de responsabilização sobre os atos antidemocráticos, a justiça atuou, até o momento, ao nível da massa de manobra simpatizante da direita (ultradireita), excetuando-se um ou outro pequeno financiador. Embora, já se tenha consciência de quem são os verdadeiros responsáveis intelectuais e capitais do movimento. E esse é um ponto muito importante, porque traz a sensação da reprodução da impunidade histórica.  

Bem, dizia Leon Fredja Szklarowsky que “A impunidade é a matriz e a geratriz de novos e insensatos acontecimentos e o desmoronamento do que ainda resta de bom na alma humana”. Mas, para mim, além dessa verdade inconteste, a impunidade me parece ser uma das mais importantes engrenagens desse imobilismo histórico que reina no Brasil.

Ora, ao se fazer vista grossa às expressões anticidadãs e antidemocráticas de uns em detrimento de outros, a impunidade perpetua seu desprezo pela passagem do tempo, pela evolução humana, pelo desenvolvimento e pelo progresso nacionais.  Enquanto, reafirma e enaltece as marcas das desigualdades no país.

Por trás da condescendência, da cordialidade, da generosidade, da indulgência, que se aplica a certos indivíduos, esconde-se a impunidade.  A grande questão é que, no Brasil, tudo isso está delimitado pelas fronteiras históricas da desigualdade, ou seja, no estabelecimento da importância e da desimportância social, que advém do poder político, do poder capital, do poder religioso ou do poder militar. Debaixo dessas bolhas fiadas por regalias e privilégios seculares, então, a impunidade não corre riscos.

O que significa que a impunidade é uma ameaça flagrante à estabilidade e à manutenção dos princípios constitucionais vigentes. Basta pensar como as sombras nefastas do golpismo atravessaram as páginas da história nacional e que, de certo modo, ajudaram sim, a explicar as razões diretas ou indiretas que nos levaram a ter tantas constituições até aqui. 1824. 1891. 1934. 1937. 1946. 1967. 1988.

Portanto, me parece ser a principal prioridade, nesse ano em que o Brasil completa 35 anos da promulgação da sua Constituição Federal, consolidar o princípio de que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art. 5º, CF. de 1988). Esse é o antídoto contra a impunidade e todos os males sociais que advém dela.  

Somente através desse princípio se consegue garantir a cidadania e o pluralismo político, capazes de conduzir à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, de garantir o desenvolvimento nacional, de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, conforme tão bem estabeleceu a Carta Magna vigente.