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SEGURANÇA
Por
Alessandra Leles Rocha
Tomando ciência de todas as
recentes informações trazidas pelos veículos de informação e de comunicação
a respeito da onda de violência urbana que assola o Brasil, parei para pensar e
refletir sobre o tema.
Contrariando o senso comum, não
creio se tratar da violência pela violência. Não é uma questão de
agressividade, de brutalidade, de atrocidade, de desumanidade ou de barbaridade,
simplesmente. Há algo que ultrapassa o confronto entre a beligerância das
forças de segurança e as facções criminosas.
A violência, no Brasil, me parece
muito bem estabelecida como instrumento de legitimação de um Terceiro Poder, ou
de um poder paralelo. Portanto uma disputa de poder.
Logicamente, o poder paralelo
emerge para se instalar nos vazios sociais deixados pelos poderes legitimados e
institucionalizados (Estado), os quais dispensam pouca ou quase nenhuma atenção
a certos espaços geográficos nos centros urbanos, dado o perfil de quem os
ocupa, ou seja, as parcelas mais frágeis e vulneráveis do estrato social.
E esses poderes inevitavelmente
irão se confrontar. Porque apesar da existência dessa negligência institucional
do Estado, ele não está disposto a perder o seu quinhão eleitoral.
Sim, porque o Terceiro Poder tem
conseguido ampliar a sua representatividade dentro do cenário
político-partidário nacional. Daí a disputa, a rivalidade, a beligerância.
O que chama mais atenção nesse
processo é que o Terceiro Poder tem se fortalecido, principalmente, pela
aliança com determinadas denominações religiosas cristãs.
De certa forma, elas foram as
primeiras organizações sociais a perceberem os vazios deixados pelo Estado e se
instalarem nesses espaços, estabelecendo um vínculo muito forte com as
respectivas comunidades.
Então, além de se tornarem
facilitadoras para a presença desse Terceiro Poder, nesses locais, elas
conseguem um certo de tipo de proteção que lhes garante a sua hegemonia
religiosa no local.
Em linhas gerais, essa aliança
vem se transformando, cada vez mais, em um processo simbiótico, onde as partes
se beneficiam mutuamente; sobretudo, do poder social.
Vamos e convenhamos que historicamente
o poder religioso sempre esteve associado ao poder legitimado e
institucionalizado, em um determinado local. Trazem os registros da humanidade inúmeros
momentos em que a Teocracia, então, impera.
Portanto, a mistura entre poder legitimado
e institucionalizado e religião não é um assunto recente. Muitos países, ao
longo da história da humanidade, se permitiram existir sob um sistema de
governança submetido às normas de uma dada religião.
O que significa que as diretrizes
sob as quais são conduzidas as ações políticas, jurídicas, comportamentais e
policiais, estão baseadas em doutrinas religiosas. Haja vista o Afeganistão, a
Arábia Saudita, o Paquistão e o Irã, por exemplo.
Talvez, seja esse o elo que
fortalece a união desse Terceiro Poder e determinadas denominações religiosas
cristãs. No entanto, cabe a ressalva de que o que se chama de Terceiro Poder não
é uma estrutura homogênea.
Há neles divisões dentro das
divisões, na medida em que esse poder se fragmenta pela presença de traficantes
de drogas e de milicianos, os quais não se constituem coesos. Há disputas
constantes dentro de seus respectivos núcleos.
Nesse sentido é que determinadas
denominações religiosas cristãs se estabelecem como uma voz de consenso, trazendo
um pragmatismo diante do objetivo maior de poder.
Diante disso, ficam claras as
razões que explicam o porque das medidas de segurança pública, tomadas pelo Estado
brasileiro, não virem alcançado o êxito esperado.
Ora, está longe de ser apenas violência
em resposta a ele! É violência em nome da expansão e da consolidação de um
projeto de poder paralelo.
E para isso, o Terceiro Poder se
fortalece através das alianças e do apelo persuasivo teocrático, cuja base foi
definida pela orientação religiosa de determinadas denominações cristãs.
A importância de mergulhar mais
fundo na compreensão desses eventos, se dá principalmente pelo fato de que os
tempos contemporâneos tornaram a sociedade cada vez mais vulnerável e
fragilizada.
E a Teocracia tem esse papel de se
apresentar como um porto seguro em meio ao caos; afinal, como tão bem escreveu
Umberto Eco, “Justificar tragédias como ‘vontade divina’ tira da gente a
responsabilidade por nossas escolhas”.
O que, de certa forma, constitui o
único tipo de liberdade permitido pela Teocracia, o de seguir a escolha divina.
Assim, o Terceiro Poder vai se consolidando sem encontrar maiores resistências,
porque vai se impondo pela força discursiva embasada pela religião.
De repente, chega-se a um patamar
no qual aquela comunidade passa, de fato, a acreditar que “Sua salvação
começa pela consciência de que nada é e de que nada lhe é devido” (paráfrase de
Umberto Eco), porque, no fim das contas, tudo está computado na conta de
Deus.
Portanto, a omissão do Estado,
que permitiu o surgimento e a expansão da aliança entre o Terceiro Poder e certas
denominações religiosas cristãs, acaba por legitimar a construção dessa
alienação social, dessa subserviência guiada.
Fazendo com que as conjunturas que operaram nesse processo abstraíam, por completo, a possibilidade de uma vida livre, autônoma, por parte da população. Além de conseguirem colocar a opinião pública contra o Estado, o Terceiro Poder se fortalece pela estrutura de um poder teocrático emergente.