terça-feira, 3 de outubro de 2023

(IN) SEGURANÇA


(IN) SEGURANÇA

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Tomando ciência de todas as recentes informações trazidas pelos veículos de informação e de comunicação a respeito da onda de violência urbana que assola o Brasil, parei para pensar e refletir sobre o tema.

Contrariando o senso comum, não creio se tratar da violência pela violência. Não é uma questão de agressividade, de brutalidade, de atrocidade, de desumanidade ou de barbaridade, simplesmente. Há algo que ultrapassa o confronto entre a beligerância das forças de segurança e as facções criminosas.

A violência, no Brasil, me parece muito bem estabelecida como instrumento de legitimação de um Terceiro Poder, ou de um poder paralelo. Portanto uma disputa de poder.

Logicamente, o poder paralelo emerge para se instalar nos vazios sociais deixados pelos poderes legitimados e institucionalizados (Estado), os quais dispensam pouca ou quase nenhuma atenção a certos espaços geográficos nos centros urbanos, dado o perfil de quem os ocupa, ou seja, as parcelas mais frágeis e vulneráveis do estrato social.

E esses poderes inevitavelmente irão se confrontar. Porque apesar da existência dessa negligência institucional do Estado, ele não está disposto a perder o seu quinhão eleitoral.

Sim, porque o Terceiro Poder tem conseguido ampliar a sua representatividade dentro do cenário político-partidário nacional. Daí a disputa, a rivalidade, a beligerância.

O que chama mais atenção nesse processo é que o Terceiro Poder tem se fortalecido, principalmente, pela aliança com determinadas denominações religiosas cristãs.

De certa forma, elas foram as primeiras organizações sociais a perceberem os vazios deixados pelo Estado e se instalarem nesses espaços, estabelecendo um vínculo muito forte com as respectivas comunidades.

Então, além de se tornarem facilitadoras para a presença desse Terceiro Poder, nesses locais, elas conseguem um certo de tipo de proteção que lhes garante a sua hegemonia religiosa no local.

Em linhas gerais, essa aliança vem se transformando, cada vez mais, em um processo simbiótico, onde as partes se beneficiam mutuamente; sobretudo, do poder social.

Vamos e convenhamos que historicamente o poder religioso sempre esteve associado ao poder legitimado e institucionalizado, em um determinado local. Trazem os registros da humanidade inúmeros momentos em que a Teocracia, então, impera.

Portanto, a mistura entre poder legitimado e institucionalizado e religião não é um assunto recente. Muitos países, ao longo da história da humanidade, se permitiram existir sob um sistema de governança submetido às normas de uma dada religião.

O que significa que as diretrizes sob as quais são conduzidas as ações políticas, jurídicas, comportamentais e policiais, estão baseadas em doutrinas religiosas. Haja vista o Afeganistão, a Arábia Saudita, o Paquistão e o Irã, por exemplo.

Talvez, seja esse o elo que fortalece a união desse Terceiro Poder e determinadas denominações religiosas cristãs. No entanto, cabe a ressalva de que o que se chama de Terceiro Poder não é uma estrutura homogênea.

Há neles divisões dentro das divisões, na medida em que esse poder se fragmenta pela presença de traficantes de drogas e de milicianos, os quais não se constituem coesos. Há disputas constantes dentro de seus respectivos núcleos.

Nesse sentido é que determinadas denominações religiosas cristãs se estabelecem como uma voz de consenso, trazendo um pragmatismo diante do objetivo maior de poder.

Diante disso, ficam claras as razões que explicam o porque das medidas de segurança pública, tomadas pelo Estado brasileiro, não virem alcançado o êxito esperado.

Ora, está longe de ser apenas violência em resposta a ele! É violência em nome da expansão e da consolidação de um projeto de poder paralelo.

E para isso, o Terceiro Poder se fortalece através das alianças e do apelo persuasivo teocrático, cuja base foi definida pela orientação religiosa de determinadas denominações cristãs.

A importância de mergulhar mais fundo na compreensão desses eventos, se dá principalmente pelo fato de que os tempos contemporâneos tornaram a sociedade cada vez mais vulnerável e fragilizada.

E a Teocracia tem esse papel de se apresentar como um porto seguro em meio ao caos; afinal, como tão bem escreveu Umberto Eco, “Justificar tragédias como ‘vontade divina’ tira da gente a responsabilidade por nossas escolhas”.

O que, de certa forma, constitui o único tipo de liberdade permitido pela Teocracia, o de seguir a escolha divina. Assim, o Terceiro Poder vai se consolidando sem encontrar maiores resistências, porque vai se impondo pela força discursiva embasada pela religião.

De repente, chega-se a um patamar no qual aquela comunidade passa, de fato, a acreditar que “Sua salvação começa pela consciência de que nada é e de que nada lhe é devido” (paráfrase de Umberto Eco), porque, no fim das contas, tudo está computado na conta de Deus.

Portanto, a omissão do Estado, que permitiu o surgimento e a expansão da aliança entre o Terceiro Poder e certas denominações religiosas cristãs, acaba por legitimar a construção dessa alienação social, dessa subserviência guiada.

Fazendo com que as conjunturas que operaram nesse processo abstraíam, por completo, a possibilidade de uma vida livre, autônoma, por parte da população. Além de conseguirem colocar a opinião pública contra o Estado, o Terceiro Poder se fortalece pela estrutura de um poder teocrático emergente.