Outra
guerra. Outra perplexidade.
Por Alessandra
Leles Rocha
Uma nova guerra e a perplexidade,
mais uma vez, cobre o rosto da humanidade. Acontece que ela não absolve o ser humano
do processo que produziu a beligerância. Houve inação. Postergação. Negligência.
Descaso. ... De modo que, inevitavelmente, em algum momento a situação sairia
fora de controle e o desfecho seria mais uma batalha sangrenta.
Mais uma razão para se ter
cuidado com a linguagem. Estou vendo diversos veículos de comunicação designando
o conflito entre ISRAEL e HAMAS, e não é bem por aí. Primeiro, porque se o
Hamas deflagrou o conflito, a sua radicalidade e extremismo não define e
massifica a população palestina.
Eles têm um projeto de poder próprio
e usaram da situação palestina, que se arrasta historicamente. Mas, depois de
agirem assim, não foram seus representantes as únicas vítimas. Muito pelo
contrário.
A maioria dos mortos e feridos
palestinos são pessoas que não hasteiam a bandeira do radicalismo e do
extremismo. Trata-se de gente comum. Que sofre e padece o infortúnio de não ter
uma luz no fim do túnel que lhe garanta a dignidade e a cidadania.
Segundo, porque essa designação
deixa clara a distinção social que é atribuída a Israel, ao colocá-lo como
estado-nação consolidado, ou seja, naturalmente em uma posição muito mais
privilegiada, diplomaticamente, do que os palestinos.
Algo que cria um tipo de
blindagem discursiva para ofuscar a participação israelense nesse ciclo histórico
de conflitos, o qual inevitavelmente propicia o revanchismo mútuo que culmina
na exacerbação da intolerância e da violência na região.
E como em todas as guerras que o
mundo já presenciou, antes que se consiga conclamar os envolvidos para o
diálogo, a discrepância do poderio bélico-militar deixará o peso da
desigualdade marcado através dos números de mortos, feridos e mutilados.
O que deveria nos fazer pensar
sobre os motivos e as razões que nos levam a aceitar a constante reafirmação do
irresoluto. Parece mórbido, mas não há como não comparar esse comportamento, ao
que ocorria nas arenas romanas, com suas doses homeopáticas de barbárie explícita,
de desprezo humano abjeto.
Sim, porque as agruras do mundo,
estão aí, bem diante dos nossos olhos. Diariamente, estampando as manchetes dos
veículos de comunicação e de informação, nacionais e estrangeiros. Sujeitas as
abstenções voluntárias, ou não, dos passantes, que não querem se incomodar além
de suas próprias bolhas. Como se esse pensamento fosse mesmo a tradução da
realidade. Como se, na verdade, não passasse de mera ilusão ou idealização
oportunista.
Até que o primeiro míssil seja
lançado, ou a primeira bomba deflagrada, ou o primeiro prédio se faça em ruínas,
ou os primeiros corpos apareçam estendidos no chão, ... Aí o ser humano entende
que a violência, a agressividade, a intransigência, ... permeiam todos os
lugares do planeta.
Acontece na Ucrânia, em Israel,
na Cisjordânia, na Faixa de Gaza, no Sudão, no Rio de Janeiro, na Bahia, na Baixada
Santista, ... em qualquer lugar onde seres humanos estejam dispostos a medir
força, a medir poder. Qualquer um pode ser a bola da vez. Porque o radicalismo
e o extremismo não fazem análise de currículo antes de matar, de destruir, de
aniquilar.
Pois é, está aí o preço da inação,
da postergação, da negligência, do descaso, da omissão. É preciso entender que
o fazer, ou o não fazer, é uma escolha; mas, tem consequências. Algumas,
irremediavelmente, fatais e, além de reverberar pelos séculos, ultrapassam as
fronteiras imaginárias da geografia global.
De modo que tudo isso me faz
pensar que, talvez, seja hora de reapresentar a exposição “Caminhando em
seus sapatos” 1,
de 2017, que possibilitou a milhares de pessoas, no Brasil, perceberem o mundo
pela perspectiva do outro. Uma tentativa ousada de conclamar o ser humano a
romper certas correntes e resgatar a essência humana.
Aliás, há um texto, atribuído à
Clarice Lispector, que completa bem essa reflexão: “Antes de julgar a minha
vida ou o meu caráter ... calce os meus sapatos e percorra o caminho que eu
percorri, viva as minhas tristezas, as minhas dúvidas e as minhas alegrias. Percorra
os anos que eu percorri, tropece onde eu tropecei e levante-se assim como eu
fiz. E então, só aí poderás julgar. Cada um tem a sua própria história. Não compare
a sua vida com a dos outros. Você não sabe como foi o caminho que eles tiveram
que trilhar na vida”.
Portanto, muita atenção! As guerras
sempre chegam com o discurso de se fazer justiça. Porém, este acaba omitindo um
conjunto de injustiças, as quais resultam em ações, tantas vezes,
questionáveis, sem que ninguém perceba (ou queira perceber) que está transitando
por uma crescente espiral de violência e barbárie.
Enquanto a lógica se mantém colocando pessoas na condição de ameaça às leis e à ordem social, a humanidade se esquece de colocar os problemas em si, no centro da discussão, como prioridade. Acontece que problemas jamais puderam ser contidos, o suficiente, para caberem resignados dentro dos muros que ela decidiu construir.