Não adianta!
O mundo contemporâneo insiste.
Por Alessandra
Leles Rocha
Não adianta! O mundo contemporâneo
insiste. Mais um conflito, de proporções globalizadas, bem diante do nariz. No entanto, o ponto de análise e reflexão, não
me parece ser apenas as históricas rusgas entre israelenses e palestinos, por
territórios.
Dessa vez, nosso olhar deveria se
concentrar sobre o modo como as investidas contra a Democracia podem gerar
efeitos além do imaginado.
Creio que o primeiro ponto a
merecer nossa atenção é a diferença entre projeto de poder e projeto de
governo. Por quê? Porque a expansão do radicalismo e do extremismo no mundo tem
como pano de fundo um projeto de poder, que esfacela com os princípios e
valores democráticos sem a menor cerimônia.
Ele não tem, nem nunca teve, qualquer
projeto de governo, porque isso seria pensar na coletividade e ele se move pelo
egoísmo individualista dos seus representantes.
Portanto, projetos de poder se
concentram a atender aos interesses de grupos localizados no topo das pirâmides
sociais, enquanto utilizam da arbitrariedade para subjugar o restante da
população as suas decisões.
E para isso, costumam se valer de
discursos oportunistas e distorcidos que buscam fragmentar a sociedade para enfraquecê-la
em seus propósitos de contestação e de reivindicação.
Portanto, esse tipo de
polarização ajuda a esses governos a exercer o controle social e a repressão
contra eventuais opositores.
E foi exatamente isso o que se
viu em Israel, em julho desse ano, quando os legisladores votaram a favor do
fim do poder da Suprema Corte para declarar inconstitucionalidade a certas
ações do executivo, através de um amplo pacote de medidas que enfraquecem o
judiciário do país.
Um episódio que traduz a consequência
direta da participação das alas conservadoras extremistas no governo atual. O
que gerou uma profunda desestabilização e tensão social entre os cidadãos
israelenses.
O país se viu, então, obrigado a dedicar
total atenção para dentro das suas fronteiras, a fim de baixar a temperatura
dos conflitos internos, os quais emergiram a partir desses movimentos
políticos.
No entanto, são tempos contemporâneos,
tempos tecnológicos de última geração, que levam as informações do que acontece,
num piscar de olhos, ao simples toque de uma tela. De modo que em qualquer
lugar do planeta é possível saber o que acontece em outro.
Bem, nem preciso lembrar que a belicosidade
histórica entre israelenses e palestinos, por si só, já os mantêm em constante vigilância,
uns sobre os outros.
Então, cientes das notícias sobre
as tensões internas no território inimigo, não é difícil pensar que as alas
mais radicais e extremistas, que também existem no campo palestino, iriam aproveitar
para alguma ofensiva inesperada.
Sua estratégia beligerante
enxergou um flanco aberto deixado pelos israelenses, na medida em que estavam
concentrados em atenuar e controlar os próprios conflitos.
Apesar de todo o aparato tecnológico
de guerra, que aponta para uma supremacia israelense naquela região, a
instabilidade interna contribuiu para a desatenção frente a um contexto
sabidamente complexo e combativo.
Ora, mas a fragilização
democrática israelense, também, representou o mesmo para as alas democráticas palestinas.
Afinal, esse tipo de conjuntura visa sempre fortalecer os lados mais radicais e
extremistas, os quais são por natureza contrários aos valores e princípios democráticos.
Assim, os radicais e extremistas palestinos
tiveram tempo para planejar e se organizar para esse ataque surpresa, pensando
nos mínimos detalhes, inclusive a data.
Outro ponto que me chama bastante
atenção, é observar a geopolítica do mundo a partir da perspectiva desse evento.
Muito se ouve, por exemplo, em relação a uma mudança no Conselho de Segurança
da Organização das Nações Unidas (ONU). Criado, em 1945, logo após a Segunda
Grande Guerra, o Conselho carece de uma adequação à realidade contemporânea.
E um dos aspectos importantes
dessa discussão decorre de como ele ainda espelha as desigualdades mundiais;
sobretudo, quanto ao desequilíbrio de forças.
Nessas quase oito décadas, o
Conselho de Segurança não trouxe segurança aos seres humanos. Conflitos, guerras,
ofensivas contra os Direitos Humanos, tudo isso permaneceu acontecendo à
revelia dessa estrutura diplomática.
E essa reflexão é fundamental.
Como escreveu Bertolt Brecht, “Do rio que tudo arrasta se diz que é
violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”. Talvez,
esse seja o melhor ponto de partida para se pensar a respeito da beligerância no
mundo.
Os conflitos não são uma
fotografia, eles são um filme. Cada quadro fiado, tecido, ao longo do tempo,
dos acontecimentos, dos discursos oportunistas, das distorções da realidade,
das falsas verdades, ...
Nada acontece de repente e sem
uma razão concreta. Pode até não estar tão visível nas linhas; mas, nas
entrelinhas certamente está. Haja vista o exemplo do 11 de setembro, nos EUA,
em 2001.
Lamento, então, mas a tensão e a
desestabilização mundial tendem a se amplificar diante desses últimos acontecimentos.
Afinal, temos dois conflitos, duas guerras, em curso. O que certamente
repercutirá ainda mais sobre a dinâmica do planeta, sob diferentes contextos.
Por isso, temos que pensar a
respeito. Há um provérbio que diz, “Quando vires as barbas do teu vizinho a
arder, bota as tuas de molho”. Por mais triste e doloroso que seja
acompanhar mais uma batalha sangrenta, acontecendo no mundo, precisamos extrair
dela as lições para não repetirmos os mesmos erros.
Enquanto o Brasil vive cenas
deploráveis com suas guerras egóicas, inúteis, nos campos do poder, o mundo
literalmente pega fogo e as labaredas ameaçam nos atingir, sem que a maioria
das pessoas se dê conta disso. É sério,
temos que parar de olhar para o próprio umbigo e aprendermos com a estupidez
alheia!
Ela nos fornece a dimensão exata
sobre a nossa pequenez, o nosso excesso de certezas e convicções, a nossa arrogância
ignorante, que não nos permite enxergar os perigos que estão bem debaixo do
nariz.
Aliás, os atos antidemocráticos de 12 de dezembro de 2022, de 24 de dezembro de 2022 e de 08 de janeiro de 2023, são bastante recentes para nos deixar esquecer essa verdade indigesta.