segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Não adianta! O mundo contemporâneo insiste.


Não adianta! O mundo contemporâneo insiste.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não adianta! O mundo contemporâneo insiste. Mais um conflito, de proporções globalizadas, bem diante do nariz.  No entanto, o ponto de análise e reflexão, não me parece ser apenas as históricas rusgas entre israelenses e palestinos, por territórios.

Dessa vez, nosso olhar deveria se concentrar sobre o modo como as investidas contra a Democracia podem gerar efeitos além do imaginado.

Creio que o primeiro ponto a merecer nossa atenção é a diferença entre projeto de poder e projeto de governo. Por quê? Porque a expansão do radicalismo e do extremismo no mundo tem como pano de fundo um projeto de poder, que esfacela com os princípios e valores democráticos sem a menor cerimônia.

Ele não tem, nem nunca teve, qualquer projeto de governo, porque isso seria pensar na coletividade e ele se move pelo egoísmo individualista dos seus representantes.

Portanto, projetos de poder se concentram a atender aos interesses de grupos localizados no topo das pirâmides sociais, enquanto utilizam da arbitrariedade para subjugar o restante da população as suas decisões.  

E para isso, costumam se valer de discursos oportunistas e distorcidos que buscam fragmentar a sociedade para enfraquecê-la em seus propósitos de contestação e de reivindicação.

Portanto, esse tipo de polarização ajuda a esses governos a exercer o controle social e a repressão contra eventuais opositores.

E foi exatamente isso o que se viu em Israel, em julho desse ano, quando os legisladores votaram a favor do fim do poder da Suprema Corte para declarar inconstitucionalidade a certas ações do executivo, através de um amplo pacote de medidas que enfraquecem o judiciário do país.

Um episódio que traduz a consequência direta da participação das alas conservadoras extremistas no governo atual. O que gerou uma profunda desestabilização e tensão social entre os cidadãos israelenses.

O país se viu, então, obrigado a dedicar total atenção para dentro das suas fronteiras, a fim de baixar a temperatura dos conflitos internos, os quais emergiram a partir desses movimentos políticos.

No entanto, são tempos contemporâneos, tempos tecnológicos de última geração, que levam as informações do que acontece, num piscar de olhos, ao simples toque de uma tela. De modo que em qualquer lugar do planeta é possível saber o que acontece em outro.

Bem, nem preciso lembrar que a belicosidade histórica entre israelenses e palestinos, por si só, já os mantêm em constante vigilância, uns sobre os outros.

Então, cientes das notícias sobre as tensões internas no território inimigo, não é difícil pensar que as alas mais radicais e extremistas, que também existem no campo palestino, iriam aproveitar para alguma ofensiva inesperada.

Sua estratégia beligerante enxergou um flanco aberto deixado pelos israelenses, na medida em que estavam concentrados em atenuar e controlar os próprios conflitos.

Apesar de todo o aparato tecnológico de guerra, que aponta para uma supremacia israelense naquela região, a instabilidade interna contribuiu para a desatenção frente a um contexto sabidamente complexo e combativo.

Ora, mas a fragilização democrática israelense, também, representou o mesmo para as alas democráticas palestinas. Afinal, esse tipo de conjuntura visa sempre fortalecer os lados mais radicais e extremistas, os quais são por natureza contrários aos valores e princípios democráticos.

Assim, os radicais e extremistas palestinos tiveram tempo para planejar e se organizar para esse ataque surpresa, pensando nos mínimos detalhes, inclusive a data.

Outro ponto que me chama bastante atenção, é observar a geopolítica do mundo a partir da perspectiva desse evento. Muito se ouve, por exemplo, em relação a uma mudança no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Criado, em 1945, logo após a Segunda Grande Guerra, o Conselho carece de uma adequação à realidade contemporânea.

E um dos aspectos importantes dessa discussão decorre de como ele ainda espelha as desigualdades mundiais; sobretudo, quanto ao desequilíbrio de forças.

Nessas quase oito décadas, o Conselho de Segurança não trouxe segurança aos seres humanos. Conflitos, guerras, ofensivas contra os Direitos Humanos, tudo isso permaneceu acontecendo à revelia dessa estrutura diplomática.

E essa reflexão é fundamental. Como escreveu Bertolt Brecht, “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”. Talvez, esse seja o melhor ponto de partida para se pensar a respeito da beligerância no mundo.

Os conflitos não são uma fotografia, eles são um filme. Cada quadro fiado, tecido, ao longo do tempo, dos acontecimentos, dos discursos oportunistas, das distorções da realidade, das falsas verdades, ...

Nada acontece de repente e sem uma razão concreta. Pode até não estar tão visível nas linhas; mas, nas entrelinhas certamente está. Haja vista o exemplo do 11 de setembro, nos EUA, em 2001.

Lamento, então, mas a tensão e a desestabilização mundial tendem a se amplificar diante desses últimos acontecimentos. Afinal, temos dois conflitos, duas guerras, em curso. O que certamente repercutirá ainda mais sobre a dinâmica do planeta, sob diferentes contextos.

Por isso, temos que pensar a respeito. Há um provérbio que diz, “Quando vires as barbas do teu vizinho a arder, bota as tuas de molho”. Por mais triste e doloroso que seja acompanhar mais uma batalha sangrenta, acontecendo no mundo, precisamos extrair dela as lições para não repetirmos os mesmos erros.

Enquanto o Brasil vive cenas deploráveis com suas guerras egóicas, inúteis, nos campos do poder, o mundo literalmente pega fogo e as labaredas ameaçam nos atingir, sem que a maioria das pessoas se dê conta disso.  É sério, temos que parar de olhar para o próprio umbigo e aprendermos com a estupidez alheia!

Ela nos fornece a dimensão exata sobre a nossa pequenez, o nosso excesso de certezas e convicções, a nossa arrogância ignorante, que não nos permite enxergar os perigos que estão bem debaixo do nariz.

Aliás, os atos antidemocráticos de 12 de dezembro de 2022, de 24 de dezembro de 2022 e de 08 de janeiro de 2023, são bastante recentes para nos deixar esquecer essa verdade indigesta.