Cuidado
com as palavras!
Por
Alessandra Leles Rocha
Deslizes na comunicação
acontecem! Qualquer ser humano está sujeito a falas mal conduzidas, ou
equivocadas, ou desnecessárias. Mas, pessoas públicas ou que ocupam cargos
importantes precisam ser mais cuidadosas, menos imprevidentes, na sua prática
discursiva. Sobretudo, quando vivemos tempos de imensa tensão, em que as
palavras se tornam armas de beligerância gratuita sem que seja essa a intenção.
Dito isso, só posso lamentar pela
fala do Presidente da República, a respeito de que os votos no Supremo Tribunal
Federal (STF) deveriam ser secretos 1.
Primeiro, porque um dos pontos mais importantes da administração pública é a
publicidade, considerando a premissa de que, em regimes democráticos, os
cidadãos têm o direito a receber informações das instituições públicas, quanto
aos seus interesses especiais, coletivos ou gerais, exceto, em casos de sigilo
previstos em lei.
Segundo, porque a criação da TV
Justiça, em 2002, representou não só um ato pioneiro e de transparência; mas,
um modo de aproximar o cidadão comum da mais alta corte brasileira. Algo de
extrema importância, tendo o país enfrentado, no período compreendido entre
1964 e 1985, tempos sombrios e silenciosos, nos quais as informações mais
fundamentais foram sumariamente negadas à população.
Terceiro, porque todo agente
público, incluindo os magistrados do STF, não pode se abster das manifestações
legítimas, respeitosas e necessárias da opinião popular, diante de cenários que
eventualmente causem desagrado ou frustração de expectativa. Quaisquer atitudes
que extrapolem a civilidade, o decoro, naturalmente são passíveis de resposta
pelo próprio Poder Judiciário, não precisando desse tipo de recurso de blindagem.
Por fim, relembrando as recentes
tensões despertadas por certa narrativa que vociferava contra possíveis afrontas
à independência dos poderes, a fala do Presidente da República transita, ainda
que sem intenção, pelo viés da ingerência. Opiniões pessoais todos temos. Pontos
de vista. Perspectivas. Mas, como dizia Confúcio, “O silêncio é um amigo que
nunca trai”. Pessoas públicas não podem se esquecer disso.
Inclusive, porque bem sabe o
Presidente da República, que sua vitória na última eleição o fez depositário da
manutenção da Democracia no país, quiçá, no mundo. Foi pelo desejo de manter as
portas democráticas abertas, estreitando cada vez mais os laços entre o povo e
seus representantes, que uma imensa maioria foi às urnas. Foi em nome não só da
defesa da transparência, da publicidade; mas, também, da legalidade, da
impessoalidade. De modo que até as diferenças encontraram um ponto comum para
se agregarem.
Diante disso, é difícil acreditar
que essa manifestação tenha decorrido de maneira convicta. Afinal, parece
dissonante demais o ocorrido, quando levado em consideração o longo histórico
político de quem a fez, ou seja, um ardoroso defensor dos interesses
democráticos. E ele sabe muito bem o terreno onde pisa, dadas as investidas da
governança arbitrária, que assola o planeta. A ultradireita, por exemplo,
caminha a passos largos em nome da sua reafirmação no cenário geopolítico
global, o que significa que termos como liberdade, transparência, informação,
parecem ameaçadas do desfrute pelo cidadão.
E nesse sentido, o peso que essas
forças extremistas e radicais impuseram para a consolidação de uma guerra político-ideológica,
a partir de uma imensa espetacularização contra o Poder Judiciário brasileiro,
mostrou pelos atos antidemocráticos, especialmente, no 8 de janeiro, as suas
pretensões nefastas sobre o Estado Democrático de Direito. O que justifica a
necessidade de o STF não se distanciar da transparência, da publicidade, para
não ser engolido pela fúria de Fake News, as quais já o classificam como ente
ditatorial, por conta das ações em curso, decorrentes das insurreições antidemocráticas
recentes.
Ainda que uma gigantesca maioria
da população brasileira não disponha de conhecimento técnico para escrutinar o
trabalho dos magistrados da Suprema Corte, isso não exime a importância de
oferecer a ela informações gerais sobre as decisões; bem como, conhecer os assuntos
que chegam para a deliberação em última instância e perceber como podem ou não
afetar a sua vida cotidiana. Resultados, sejam eles oriundos das Cortes, do
Futebol ou de quaisquer outros segmentos sociais, são sim, susceptíveis aos
humores das pessoas, porque o ser humano é movido pelas paixões, pelas expectativas,
pelas necessidades. Nem sempre estará feliz, satisfeito. Faz parte.
Portanto, lembremo-nos do que
escreveu Jean-Paul Sartre, “o que vicia as relações entre as pessoas é que cada
um conserva, na relação com o outro, alguma coisa de oculto, de secreto. Penso que
a transparência deve sempre substituir o segredo”. Porque segredos fomentam
especulações, conjecturas, inverdades, animosidades, desconfianças. Segredos
distorcem e alimentam verdades paralelas, o que para nenhuma sociedade,
especialmente a contemporânea, é indolor e produtivo.