terça-feira, 5 de setembro de 2023

Cuidado com as palavras!


Cuidado com as palavras!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Deslizes na comunicação acontecem! Qualquer ser humano está sujeito a falas mal conduzidas, ou equivocadas, ou desnecessárias. Mas, pessoas públicas ou que ocupam cargos importantes precisam ser mais cuidadosas, menos imprevidentes, na sua prática discursiva. Sobretudo, quando vivemos tempos de imensa tensão, em que as palavras se tornam armas de beligerância gratuita sem que seja essa a intenção.

Dito isso, só posso lamentar pela fala do Presidente da República, a respeito de que os votos no Supremo Tribunal Federal (STF) deveriam ser secretos 1. Primeiro, porque um dos pontos mais importantes da administração pública é a publicidade, considerando a premissa de que, em regimes democráticos, os cidadãos têm o direito a receber informações das instituições públicas, quanto aos seus interesses especiais, coletivos ou gerais, exceto, em casos de sigilo previstos em lei.

Segundo, porque a criação da TV Justiça, em 2002, representou não só um ato pioneiro e de transparência; mas, um modo de aproximar o cidadão comum da mais alta corte brasileira. Algo de extrema importância, tendo o país enfrentado, no período compreendido entre 1964 e 1985, tempos sombrios e silenciosos, nos quais as informações mais fundamentais foram sumariamente negadas à população.  

Terceiro, porque todo agente público, incluindo os magistrados do STF, não pode se abster das manifestações legítimas, respeitosas e necessárias da opinião popular, diante de cenários que eventualmente causem desagrado ou frustração de expectativa. Quaisquer atitudes que extrapolem a civilidade, o decoro, naturalmente são passíveis de resposta pelo próprio Poder Judiciário, não precisando desse tipo de recurso de blindagem.  

Por fim, relembrando as recentes tensões despertadas por certa narrativa que vociferava contra possíveis afrontas à independência dos poderes, a fala do Presidente da República transita, ainda que sem intenção, pelo viés da ingerência. Opiniões pessoais todos temos. Pontos de vista. Perspectivas. Mas, como dizia Confúcio, “O silêncio é um amigo que nunca trai”. Pessoas públicas não podem se esquecer disso.

Inclusive, porque bem sabe o Presidente da República, que sua vitória na última eleição o fez depositário da manutenção da Democracia no país, quiçá, no mundo. Foi pelo desejo de manter as portas democráticas abertas, estreitando cada vez mais os laços entre o povo e seus representantes, que uma imensa maioria foi às urnas. Foi em nome não só da defesa da transparência, da publicidade; mas, também, da legalidade, da impessoalidade. De modo que até as diferenças encontraram um ponto comum para se agregarem.

Diante disso, é difícil acreditar que essa manifestação tenha decorrido de maneira convicta. Afinal, parece dissonante demais o ocorrido, quando levado em consideração o longo histórico político de quem a fez, ou seja, um ardoroso defensor dos interesses democráticos. E ele sabe muito bem o terreno onde pisa, dadas as investidas da governança arbitrária, que assola o planeta. A ultradireita, por exemplo, caminha a passos largos em nome da sua reafirmação no cenário geopolítico global, o que significa que termos como liberdade, transparência, informação, parecem ameaçadas do desfrute pelo cidadão.

E nesse sentido, o peso que essas forças extremistas e radicais impuseram para a consolidação de uma guerra político-ideológica, a partir de uma imensa espetacularização contra o Poder Judiciário brasileiro, mostrou pelos atos antidemocráticos, especialmente, no 8 de janeiro, as suas pretensões nefastas sobre o Estado Democrático de Direito. O que justifica a necessidade de o STF não se distanciar da transparência, da publicidade, para não ser engolido pela fúria de Fake News, as quais já o classificam como ente ditatorial, por conta das ações em curso, decorrentes das insurreições antidemocráticas recentes.

Ainda que uma gigantesca maioria da população brasileira não disponha de conhecimento técnico para escrutinar o trabalho dos magistrados da Suprema Corte, isso não exime a importância de oferecer a ela informações gerais sobre as decisões; bem como, conhecer os assuntos que chegam para a deliberação em última instância e perceber como podem ou não afetar a sua vida cotidiana. Resultados, sejam eles oriundos das Cortes, do Futebol ou de quaisquer outros segmentos sociais, são sim, susceptíveis aos humores das pessoas, porque o ser humano é movido pelas paixões, pelas expectativas, pelas necessidades. Nem sempre estará feliz, satisfeito. Faz parte.

Portanto, lembremo-nos do que escreveu Jean-Paul Sartre, “o que vicia as relações entre as pessoas é que cada um conserva, na relação com o outro, alguma coisa de oculto, de secreto. Penso que a transparência deve sempre substituir o segredo”. Porque segredos fomentam especulações, conjecturas, inverdades, animosidades, desconfianças. Segredos distorcem e alimentam verdades paralelas, o que para nenhuma sociedade, especialmente a contemporânea, é indolor e produtivo.