terça-feira, 5 de setembro de 2023

Até quando???


Até quando???

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A manchete diz “Vexame: relatório final da CPI da Americanas não aponta culpados – Relatório poupa os bilionários controladores da empresa alvo de ‘fraude de resultados’” 1; então, é assim? Será que a gravidade dos fatos pode ser restringida ao resultado “pizzaiolo” trazido pela notícia ou deveríamos nos constranger diante da banalização dos episódios de escandalosas fraudes econômicas no Brasil?

É por essas e por outras que o Brasil do futuro nunca chega. Velhos conhecidos da história nacional, os chamados Crimes do Colarinho Branco - delitos cometidos por pessoas tidas acima de qualquer suspeita e elevada classe social, no exercício de suas atividades – infelizmente, desfrutam sim, da pecha de “acabar em pizza”.

Tudo por conta de traços lastimáveis da organização social do país, cuja igualdade e equidade cidadã se resumem exclusivamente a teoria do texto constitucional; pois, na prática, a situação sempre foi bem diferente. Ainda que sem o amparo da legalidade, a tal práxis se vale da institucionalização secular sustentada pela força do poder e do capital.

Crimes do Colarinho Branco acontecem no espaço exclusivo do topo da pirâmide social, lugar onde reza o princípio velado do silêncio, considerando que os participantes, quase sempre, possuem telhados de vidro. No entanto, as consequências indesejáveis sempre reverberam, de cima para baixo, desencadeando um conjunto expressivo de perdas materiais e subjetivas para o coletivo do país.

Casos envolvendo fraudes econômicas, como os recentes divulgados pelos veículos de comunicação e de informação, tradicionais e alternativos, são hábeis em tensionar o cenário econômico do país e gerar, por exemplo, perda de credibilidade nacional e internacional; bem como, o fechamento de unidades e o desemprego em massa de funcionários.

Acontece que os mais prejudicados estão silenciados pela força conjuntural e histórica da sua desimportância social. Muitos até consideram engraçado o rótulo “acabar em pizza”, porque não têm a devida dimensão da repercussão e dos desdobramentos negativos, diretos e indiretos, sobre suas vidas e sobre o país.

Mas, o que podem esses infelizes fazer, não é mesmo?  Só lhes resta comer a pizza que o diabo amassou, sem reclamar, sem insurgir! Facilitando o trabalho das elites em varrer para debaixo do tapete da história os acontecimentos nefastos, sob a eterna justificativa da banalização, da trivialização, da normalização dos absurdos seculares rançosos.

A pizza, a banalização, são expressões dessa reafirmação histórica deturpada. Quando os centros de poder do país decidem “passar pano” para os desvios de conduta das elites nacionais é exatamente o requentar da pizza o que se assiste. Pois, como já dito acima, nesses espaços “reza o princípio velado do silêncio, considerando que os participantes, quase sempre, possuem telhados de vidro”.

E aí me vem um outro desconforto. Dessa vez, a notícia que questiona o excesso de viagens realizadas pelo atual Presidente da República brasileiro 2. Bem, que a retomada da tecitura diplomática internacional era algo urgente, para que o país abandonasse o discurso isolacionista da última gestão, isso ninguém questiona.

Acontece que a banalização de situações que arranham a imagem da economia brasileira, como acaba de ocorrer na CPI, afeta esse movimento diplomático. Abre caminho para a construção de uma imagem demasiadamente permissiva aos abusos dos agentes econômicos que atuam no Brasil. Sem contar que reforça uma ideia de descompromisso das instituições quanto ao controle de questões desafiadoras, tais como a corrupção, o enriquecimento ilícito, as fraudes econômicas, enquanto acaba por fortalecer a desigualdade socioeconômica nacional.

Daí a necessidade de o Presidente da República promover um ajustamento de rota no seu posicionamento junto a tais questões, inclusive, impondo mais incisivamente uma outra perspectiva para o seu relacionamento com o Legislativo federal. Faz-se necessário discordar de certas decisões e práxis, fundamentando-se na necessidade de desconstruir velhos paradigmas para oportunizar ao país uma ética alinhada ao século XXI e não mais, ao século XVI. Afinal, a oportunidade do momento, após as recentes turbulências democráticas no país, não pode ser desperdiçada.