Até
quando???
Por Alessandra
Leles Rocha
A manchete diz “Vexame:
relatório final da CPI da Americanas não aponta culpados – Relatório poupa os
bilionários controladores da empresa alvo de ‘fraude de resultados’” 1; então, é assim? Será que a gravidade
dos fatos pode ser restringida ao resultado “pizzaiolo” trazido pela notícia
ou deveríamos nos constranger diante da banalização dos episódios de escandalosas
fraudes econômicas no Brasil?
É por essas e por outras que o
Brasil do futuro nunca chega. Velhos conhecidos da história nacional, os chamados
Crimes do Colarinho Branco - delitos cometidos por pessoas tidas acima de
qualquer suspeita e elevada classe social, no exercício de suas atividades –
infelizmente, desfrutam sim, da pecha de “acabar em pizza”.
Tudo por conta de traços
lastimáveis da organização social do país, cuja igualdade e equidade cidadã se
resumem exclusivamente a teoria do texto constitucional; pois, na prática, a
situação sempre foi bem diferente. Ainda que sem o amparo da legalidade, a tal práxis
se vale da institucionalização secular sustentada pela força do poder e do
capital.
Crimes do Colarinho Branco
acontecem no espaço exclusivo do topo da pirâmide social, lugar onde reza o princípio
velado do silêncio, considerando que os participantes, quase sempre, possuem
telhados de vidro. No entanto, as consequências indesejáveis sempre reverberam,
de cima para baixo, desencadeando um conjunto expressivo de perdas materiais e
subjetivas para o coletivo do país.
Casos envolvendo fraudes econômicas,
como os recentes divulgados pelos veículos de comunicação e de informação,
tradicionais e alternativos, são hábeis em tensionar o cenário econômico do
país e gerar, por exemplo, perda de credibilidade nacional e internacional; bem
como, o fechamento de unidades e o desemprego em massa de funcionários.
Acontece que os mais prejudicados
estão silenciados pela força conjuntural e histórica da sua desimportância
social. Muitos até consideram engraçado o rótulo “acabar em pizza”,
porque não têm a devida dimensão da repercussão e dos desdobramentos negativos,
diretos e indiretos, sobre suas vidas e sobre o país.
Mas, o que podem esses infelizes
fazer, não é mesmo? Só lhes resta comer
a pizza que o diabo amassou, sem reclamar, sem insurgir! Facilitando o trabalho
das elites em varrer para debaixo do tapete da história os acontecimentos
nefastos, sob a eterna justificativa da banalização, da trivialização, da
normalização dos absurdos seculares rançosos.
A pizza, a banalização, são
expressões dessa reafirmação histórica deturpada. Quando os centros de poder do
país decidem “passar pano” para os desvios de conduta das elites
nacionais é exatamente o requentar da pizza o que se assiste. Pois, como já
dito acima, nesses espaços “reza o princípio velado do silêncio, considerando
que os participantes, quase sempre, possuem telhados de vidro”.
E aí me vem um outro desconforto.
Dessa vez, a notícia que questiona o excesso de viagens realizadas pelo atual
Presidente da República brasileiro 2. Bem, que
a retomada da tecitura diplomática internacional era algo urgente, para que o país
abandonasse o discurso isolacionista da última gestão, isso ninguém questiona.
Acontece que a banalização de
situações que arranham a imagem da economia brasileira, como acaba de ocorrer
na CPI, afeta esse movimento diplomático. Abre caminho para a construção de uma
imagem demasiadamente permissiva aos abusos dos agentes econômicos que atuam no
Brasil. Sem contar que reforça uma ideia de descompromisso das instituições
quanto ao controle de questões desafiadoras, tais como a corrupção, o
enriquecimento ilícito, as fraudes econômicas, enquanto acaba por fortalecer a
desigualdade socioeconômica nacional.
Daí a necessidade de o Presidente
da República promover um ajustamento de rota no seu posicionamento junto a tais
questões, inclusive, impondo mais incisivamente uma outra perspectiva para o
seu relacionamento com o Legislativo federal. Faz-se necessário discordar de
certas decisões e práxis, fundamentando-se na necessidade de desconstruir
velhos paradigmas para oportunizar ao país uma ética alinhada ao século XXI e
não mais, ao século XVI. Afinal, a oportunidade do momento, após as recentes turbulências
democráticas no país, não pode ser desperdiçada.