Há
muitas léguas para percorrer nesse caminho...
Por
Alessandra Leles Rocha
No mundo patriarcal contemporâneo,
a velha ideia do Barão de Coubertin de que “Uma
olimpíada com mulheres seria impraticável, desinteressante, inestética e
imprópria” ecoa pela força de retrógradas ideologias conservadoras que
tentam, a todo custo, ressurgir e se expandir mundo afora. O que explica o
nível de obstáculos que as mulheres desportistas precisam enfrentar para se
firmarem no apogeu da glória e do sucesso, seja em Jogos Olímpicos, Copas do
Mundo e Grandes Torneios.
Portanto, sem essa de país do
futebol! De lançar sobre os ombros das nossas mulheres a obrigação condicionada
ao sucesso nesse desporto. A força do patriarcado nessa terra é bruta e não faz
muita questão de ser diferente. Meninas aqui não são devidamente acolhidas e
incentivadas a desenvolver suas habilidades e competências no esporte. Tudo
para elas é mais difícil, é mais desafiador, é mais inatingível, para que suas
perspectivas e expectativas não vinguem com facilidade.
Ora, não é necessário ser expert
para saber que em qualquer esporte de alto rendimento, em qualquer lugar do
mundo, precisa-se de planejamento, de investimento, de vontade, de respeito,
... E diferentemente do cenário masculino, o feminino não encontra incentivos e
facilidades para fazer emergir grandes desportistas. É preciso entender que a estrada
da glória é um caminho longo, são anos e anos repletos de altos e baixos. Então,
é claro que o resultado de hoje entristece! Mas, ele não define nada.
Longe dos oportunismos e das
hipocrisias, o Brasil precisou que uma mulher extraordinária brilhasse no
cenário mundial do futebol para que ele começasse a dar seus primeiros passos, no
sentido de descobrir novos talentos femininos nos gramados. Ao contrário dos
meninos que nascem com uma bola dentro do berço, as meninas não são bem-vindas nos
espaços de futebol, em pleno século XXI.
Traduzindo em miúdos, isso
significa que não há para elas uma formação de base, capaz de lustrar seus
fundamentos, suas habilidades, seus traços marcantes. Então, quando conseguem
uma oportunidade, elas precisam recuperar um tempo perdido, o que inevitavelmente
compromete extrair delas todo o seu potencial. O futebol feminino, no Brasil,
vive de dar um passo para frente e dez para trás, o que resulta em avanços
muito mais lentos do que se gostaria.
De modo que, por mais que elas se
esforcem não se mostram em pé de igualdade com jogadoras de países em que o
futebol, ou qualquer outro desporto, já é uma prioridade e desfruta de toda a infraestrutura
e investimentos para obtenção dos melhores resultados. Porque não se trata
apenas de questões técnicas, físicas, financeiras; mas, particularmente,
identitárias. Mais do que qualquer outro cidadão brasileiro, elas são
assombradas pelo peso do que Nelson Rodrigues definiu como Complexo de vira-lata.
E nesse sentido, as boas
intenções enchem o inferno nacional. Lamento, mas não basta trazer uma
treinadora internacional renomada e nem oferecer uma estrutura equivalente
aquela que sempre foi oferecida ao masculino. Porque o ponto nevrálgico diz
respeito ao inconsciente, aos valores, às crenças, às convicções que pulsam nas
meninas do Brasil. Elas precisam se descobrir protagonistas da própria história.
Capazes de tudo o que quiserem. Com coragem correndo pelas veias.
Assim, para que esse peso vira-lata
seja extirpado, leva tempo! Leva uma ruptura profunda de paradigmas, de
preconceitos, de conservadorismos clichês. Em tempos em que se fala tanto da
misoginia, esquecem-se muitos de que ela é nascida e amparada pelo patriarcado.
E infelizmente, ele ainda é muito forte e presente na tecitura das relações
sociais brasileiras. É ele que manda e desmanda nesse inconsciente coletivo.
Por isso, o meu pesar, hoje, não
foi necessariamente pela eliminação precoce da seleção feminina de futebol;
mas, pela consciência desse cenário conjuntural do esporte brasileiro e pela
despedida melancólica da nossa camisa 10, a Marta. É difícil entender; mas, de repente,
estava nas linhas do seu destino, como de qualquer outro mortal, a certeza de que
não se pode ter tudo! Ela se despede sem o título mundial; mas, não sem
história, sem legado. Marta brilhou e
marcou a sua predestinação na história do futebol mundial.
Só espero que não façam com ela,
o mesmo que fizeram com o Pelé, quando ficaram procurando alguém para assumir o
seu reinado de genialidade. Gênios não precisam ser substituídos, reproduzidos
ou copiados. Gênios são para definir um tempo, uma história, uma identidade. O bacana
é que surjam outros grandes talentos, cada qual com a sua própria capacidade de
deixar uma marca extraordinária. Não, não precisamos de outra Marta! A Marta já
existe! Precisamos sim, que despontem outras meninas incríveis nos gramados,
nas piscinas, nas quadras, nos tatames e onde mais elas quiserem estar.
Assim, enquanto o tempo cumpre a sina de curar nossas dores momentâneas, lembremo-nos do que escreveu Fernando Sabino, em seu “O Encontro Marcado” (1967): “De tudo ficaram três coisas... A certeza de que estamos sempre começando ... A certeza de que é preciso continuar ... A certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar ... Façamos da interrupção um caminho novo ... Da queda, um passo de dança ... Do medo, uma escada ... Do sonho, uma ponte ... Da procura, um encontro! ”. Porque é nessa certeza que o esporte feminino brasileiro irá nos encontrar, esperando por ele, de braços abertos e coração aquecido pelo entusiasmo fraterno e empático.