Os
desafios da mudança no mundo contemporâneo
Por
Alessandra Leles Rocha
Não, não há mudança sociocomportamental
que não passe pelos níveis de consciência humana, no que diz respeito às suas
crenças, valores, princípios e convicções. E na realidade contemporânea, inúmeras
vezes, os indivíduos acabam entorpecidos pela força de um inconsciente coletivo
deturpado, totalmente descompromissado com o respeito, em todas as suas formas
e expressões.
Basta um bocado de atenção, para
perceber como esse movimento acirra os níveis de tensão, de intolerância e de violência
entre as pessoas. Tudo em razão de padrões que passam a vigorar, os quais são
legitimados, na maioria das vezes, por indivíduos não só pertencentes às
elites; mas, também, que exercem influência ideológico-comportamental através
das mídias. E em um país com tantas discrepâncias sociais e econômicas, como é
o Brasil, não é difícil compreender como esses pseudoprotocolos se tornam
extremamente prejudiciais e nocivos.
Começa pelo fato de contribuírem
para uma profunda desumanização do indivíduo. O que ele (a) é enquanto essência
humana é subtraído em nome da sua capacidade de ter, de consumir, de se
encaixar a um ideal imposto. Isso faz com que milhares de pessoas passem,
então, a viver em função disso, em uma busca desesperada e absurda desse selo
social de aceitação e de pertencimento, o qual, muitas vezes, está intimamente
associado ao consumo de bens, produtos e serviços. De modo que nessa espiral de
loucura, há quem acabe constituindo graves perdas materiais e afetivas, por
conta de tentar satisfazer às padronizações.
E correr atrás do padrão é
abdicar da própria identidade. Não é à toa que o ser humano esteja desaprendendo
a se gostar, a se aceitar, a se respeitar; pois, a identidade impõe a realidade
da vida como ela é, sem romantização, sem retoques, sem idealização. Em
contrapartida, o que faz a padronização contemporânea é ludibriar as pessoas a
acreditarem que podem se ajustar e caber em cotidianos totalmente contrários
aos seus. Como tudo parece lindo, perfeito, encantador, elas mergulham de
cabeça nessa corrida maluca, mesmo sabendo que não há garantia alguma de que
vai dar certo.
Outro aspecto importante para
análise são as diferentes personalidades que povoam o ambiente de influência dos
veículos de comunicação e de informação tradicionais e alternativos. A verdade
é que são poucas aquelas em que se poderia atribuir a qualidade de influenciar pessoas,
em razão não só de terem discernimento e bom senso para manifestar suas ideias
e opiniões; mas, pelo grau do conhecimento empregado para fundamentar seus
discursos e narrativas. Algo que explica o volume expressivo de contradições que
marca o universo midiático.
Muitos se apegam a defender e
hastear bandeiras em nome de causas importantes na contemporaneidade ao mesmo
tempo em que se comportam de maneira antagônica a respeito. Como se pode lutar
contra a gordofobia, por exemplo, e ostentar posts e fotos exibindo uma barriga
negativa? Como se pode rechaçar a aporofobia, ao mesmo tempo em que o luxo se
reafirma na forma de jantares, festas, mansões e outras expressões do supérfluo?
... Muitos, talvez, não tenham ouvido falar sobre a Semiótica 1; mas, ela marca de maneira profunda a
sociedade contemporânea nesse contexto que acabo de descrever.
Simplesmente, porque ela
estabelece uma leitura de mundo, da vida, do ser humano, a partir da produção
de sentido derivada da imagem. Ela cria uma comunicação pela linguagem
não-verbal, ou seja, basta ver para entender, para decodificar o significado,
para construir uma compreensão. De certo modo, isso acaba sendo muito mais
eficiente dentro de uma realidade que se consome pela pressa, pela insuficiência
do tempo, porque não demanda o aprofundamento crítico-reflexivo sobre a
linguagem verbal, seja ela escrita ou oralizada. Afinal, as palavras podem nos
conduzir por diferentes caminhos interpretativos, especialmente, por conta do
nosso próprio coletivo de informações e de memórias sobre um determinado
assunto.
Então, sem querer, a Semiótica
nos desnuda. Por esse mecanismo de comunicação o sujeito incorre no erro de se trair
e revelar exatamente sob quais crenças, valores, princípios e convicções está alicerçada
a sua identidade. Sim, porque na medida em que ele (a) precisa enaltecer,
reverenciar, valorizar, realçar, isso ou aquilo, fica provada a importância e a
significância que ele (a) dedica a respeito. Não há comunicação sem intenção. Daí
a facilidade de se perceber como os padrões exigidos pelo mundo contemporâneo se
mostram tão fortes e implacáveis, como se pudessem criar uma sociedade
homogeneizada.
Por isso, tenha muita atenção aquilo que você posta ou curte nas mídias sociais. De repente, sem se dar conta dos sinais trocados manifestos pela sua simples atitude, você acaba referendando preconceitos, intolerâncias e violências. Promovendo um efeito multiplicador altamente prejudicial à construção de uma consciência coletiva mais respeitosa, justa, fraterna e empática. Jamais nos esqueçamos de que “Agir, reagir, interagir e fazer são modos marcantes, concretos e materiais de dizer o mundo, interação dialógica, ao nível da ação, do homem com sua historicidade” (Lucia Santaella) 2.
1 É a ciência
que se dedica ao estudo de todos os signos, nos processos de significação na
natureza e na cultura. (https://www.scielo.br/j/pci/a/6JyyhXvsymcjvXX7GFXXFkg#:~:text=A%20Semi%C3%B3tica%20%C3%A9%20a%20ci%C3%AAncia,na%20natureza%20e%20na%20cultura)
2 SANTAELLA, L. O que é a Semiótica. São Paulo: Editora Brasiliense, 2003. p.10.