quinta-feira, 22 de junho de 2023

O tênue limite entre a tecnologização contemporânea e a proteção e defesa do direito do consumidor


O tênue limite entre a tecnologização contemporânea e a proteção e defesa do direito do consumidor

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não é sem razão que o estresse se tornou o grande mal do século e arrastou consigo um conjunto de outros males que vêm adoecendo a humanidade. Acontece que, nem sempre, ele é fruto do indivíduo, do seu nível de tensão ou de excesso de afazeres e impaciência voluntários. Na verdade, são as teias da própria dinâmica social coletiva que, na maioria do tempo, o enreda para uma burocratização desnecessária da vida, a qual afeta, em cheio, o seu equilíbrio e a sua saúde física e mental.

Um dos exemplos clássicos disso, está na tecnologização exacerbada dos atendimentos, em especial, aqueles oferecidos pelas empresas de comunicação. A constante apologia das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), no sentido de persuadir a sociedade, para que ela construa uma percepção positiva das mesmas, está sendo exercida diante de uma flagrante infração aos direitos do cidadão, incluindo a proteção e a defesa do direito do consumidor. Daqui e dali milhares de pessoas são impedidas de verem suas demandas por informações e serviços atendidas, em razão da obstaculização operacionalizada por atendimentos estritamente tecnológicos ou virtuais.

Acontece que, comércios e indústrias, elencam seus sistemas informatizados com base em sistemas munidos de dados com capacidade limitada para dar conta de responder a todos os tipos e necessidades de questionamentos oriundos de seus clientes e usuários. De modo que lacunas vão sendo geradas a partir dessas insuficiências e ineficiências dos sistemas, e o cidadão se torna refém dos silêncios burocráticos, à revelia de todo o seu esforço e empenho para dirimir suas demandas, muitas vezes, urgentes.

Vamos e convenhamos viver no mundo contemporâneo, ainda que sob condições básicas, não é nada barato! O ônus imposto às dinâmicas cotidianas têm arrancado o couro de muita gente, por aí! E qual a razão disso? Majoritariamente o emprego das altas tecnologias, as quais se sustentam sob altos investimentos científicos, logísticos e operacionais. Assim, estes são absorvidos e apresentados pelas planilhas de custo dos serviços oferecidos aos clientes e usuários. O que deveria, então, responder por qualidade e excelência, cada vez mais se mostra na contramão das expectativas e lança as pessoas a uma espera ad aeternum por soluções.  

Há um simplismo demasiado no emprego da expressão incapacidade resolutiva. É preciso entender que o cerne de tamanha insatisfação, advém de constatar que, pelo fato de a cadeia operacional não se constituir fundamentalmente tecnologizada, há setores que dependem do trabalho humano e por isso, uma imensa quantidade de equívocos e ruídos passam a emergir no fluxo das operações porque há falhas na comunicação. Em suma, o velho esquema no qual o que começa errado vai errado até o final! E o que é realizado de maneira incorreta implica, necessariamente, em ter que ser corrigido, no intuito de satisfazer as expectativas. Mas, será que o cliente ou usuário tem todo esse tempo para esperar?

Veja bem, o cidadão procura um estabelecimento para lhe fornecer algum produto ou serviço, negocia, assina um contrato, se compromete a pagar regiamente pelo acordo firmado, e de repente, fica na mão. O documento que deveria ser a salvaguarda dos direitos e obrigações de ambas as partes se torna, de certo modo, inócuo pela força arbitrária do desrespeito voluntário do estabelecimento, quando negligencia a qualidade das práxis comerciais e subjuga o cliente ou usuário ao desequilíbrio das responsabilidades assumidas.  

Portanto, mais do que atentar severamente contra a proteção e a defesa do direito do consumidor, em termos práticos e objetivos, a tecnologização afeta o cidadão na sua dignidade humana, na sua saúde física e emocional, quando expõe o indivíduo a exercitar uma peregrinação sem fim, ao longo de dias, semanas ou meses, em busca de uma solução para suas demandas. O que adquire um status de reverberação social incalculável, quando se propõe a mensurar a quantidade de pessoas expostas sumariamente a esse tipo de abuso e de desumanização no trato das relações comerciais.

Com o grande desenvolvimento científico no campo da Medicina e das Ciências Biomédicas, em torno da década de 70, o mundo se organizou em um novo campo de discussões denominado Bioética. Observando atentamente os rumos dados, a passos largos, pela contínua expansão das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), penso que é chegada a hora de a humanidade se organizar em torno de uma Tecnoética, a fim de se estabelecer limites aos excessos, as afrontas, as arrogâncias, aos desacatos e as arbitrariedades decorrentes da tecnologização no mundo contemporâneo. Sem contar que, algo nesse sentido, tende a ser de extremo proveito para a modulação das ciências jurídicas a respeito desse assunto.