O
tênue limite entre a tecnologização contemporânea e a proteção e defesa do
direito do consumidor
Por
Alessandra Leles Rocha
Não é sem razão que o estresse se
tornou o grande mal do século e arrastou consigo um conjunto de outros males
que vêm adoecendo a humanidade. Acontece que, nem sempre, ele é fruto do
indivíduo, do seu nível de tensão ou de excesso de afazeres e impaciência
voluntários. Na verdade, são as teias da própria dinâmica social coletiva que,
na maioria do tempo, o enreda para uma burocratização desnecessária da vida, a
qual afeta, em cheio, o seu equilíbrio e a sua saúde física e mental.
Um dos exemplos clássicos disso,
está na tecnologização exacerbada dos atendimentos, em especial, aqueles
oferecidos pelas empresas de comunicação. A constante apologia das Tecnologias
da Informação e Comunicação (TICs), no sentido de persuadir a sociedade, para
que ela construa uma percepção positiva das mesmas, está sendo exercida diante
de uma flagrante infração aos direitos do cidadão, incluindo a proteção e a
defesa do direito do consumidor. Daqui e dali milhares de pessoas são impedidas
de verem suas demandas por informações e serviços atendidas, em razão da
obstaculização operacionalizada por atendimentos estritamente tecnológicos ou
virtuais.
Acontece que, comércios e
indústrias, elencam seus sistemas informatizados com base em sistemas munidos
de dados com capacidade limitada para dar conta de responder a todos os tipos e
necessidades de questionamentos oriundos de seus clientes e usuários. De modo
que lacunas vão sendo geradas a partir dessas insuficiências e ineficiências dos
sistemas, e o cidadão se torna refém dos silêncios burocráticos, à revelia de
todo o seu esforço e empenho para dirimir suas demandas, muitas vezes,
urgentes.
Vamos e convenhamos viver no
mundo contemporâneo, ainda que sob condições básicas, não é nada barato! O ônus
imposto às dinâmicas cotidianas têm arrancado o couro de muita gente, por aí! E
qual a razão disso? Majoritariamente o emprego das altas tecnologias, as quais se
sustentam sob altos investimentos científicos, logísticos e operacionais.
Assim, estes são absorvidos e apresentados pelas planilhas de custo dos
serviços oferecidos aos clientes e usuários. O que deveria, então, responder
por qualidade e excelência, cada vez mais se mostra na contramão das
expectativas e lança as pessoas a uma espera ad aeternum por soluções.
Há um simplismo demasiado no
emprego da expressão incapacidade resolutiva. É preciso entender que o cerne de
tamanha insatisfação, advém de constatar que, pelo fato de a cadeia operacional
não se constituir fundamentalmente tecnologizada, há setores que dependem do
trabalho humano e por isso, uma imensa quantidade de equívocos e ruídos passam
a emergir no fluxo das operações porque há falhas na comunicação. Em suma, o
velho esquema no qual o que começa errado vai errado até o final! E o que é
realizado de maneira incorreta implica, necessariamente, em ter que ser
corrigido, no intuito de satisfazer as expectativas. Mas, será que o cliente ou
usuário tem todo esse tempo para esperar?
Veja bem, o cidadão procura um
estabelecimento para lhe fornecer algum produto ou serviço, negocia, assina um
contrato, se compromete a pagar regiamente pelo acordo firmado, e de repente,
fica na mão. O documento que deveria ser a salvaguarda dos direitos e
obrigações de ambas as partes se torna, de certo modo, inócuo pela força
arbitrária do desrespeito voluntário do estabelecimento, quando negligencia a
qualidade das práxis comerciais e subjuga o cliente ou usuário ao desequilíbrio
das responsabilidades assumidas.
Portanto, mais do que atentar severamente
contra a proteção e a defesa do direito do consumidor, em termos práticos e
objetivos, a tecnologização afeta o cidadão na sua dignidade humana, na sua
saúde física e emocional, quando expõe o indivíduo a exercitar uma peregrinação
sem fim, ao longo de dias, semanas ou meses, em busca de uma solução para suas
demandas. O que adquire um status de reverberação social incalculável, quando
se propõe a mensurar a quantidade de pessoas expostas sumariamente a esse tipo
de abuso e de desumanização no trato das relações comerciais.
Com o grande desenvolvimento científico no campo da Medicina e das Ciências Biomédicas, em torno da década de 70, o mundo se organizou em um novo campo de discussões denominado Bioética. Observando atentamente os rumos dados, a passos largos, pela contínua expansão das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), penso que é chegada a hora de a humanidade se organizar em torno de uma Tecnoética, a fim de se estabelecer limites aos excessos, as afrontas, as arrogâncias, aos desacatos e as arbitrariedades decorrentes da tecnologização no mundo contemporâneo. Sem contar que, algo nesse sentido, tende a ser de extremo proveito para a modulação das ciências jurídicas a respeito desse assunto.