sexta-feira, 23 de junho de 2023

A biografia e os juros


A biografia e os juros

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

O bom da vida é que existe a possibilidade de fazer da própria biografia um espelho das nossas melhores qualidades e virtudes. Pena, que nem todo mundo entenda dessa maneira e saia, por aí, pesando na tinta do seu pior lado. Fiquei pensando sobre isso, depois que o Banco Central (BC) manteve, mais uma vez, a taxa de juros em 13,75% ao ano.

Aí você me pergunta: o que uma coisa tem a ver com a outra? Tudo. Todas as vezes em que o ser humano é o elemento central da dinâmica da vida, a sua biografia é que está em jogo para as páginas da história. Quem decide sobre a taxa de juros no país são oito figuras que compõem o Comitê de Política Monetária (COPOM). Portanto, oito biografias que estão sendo escritas. Inclusive, vale ressaltar que dentre elas está a do Presidente do Banco Central (BC) que dispõe do chamado voto de qualidade, ou seja, o voto de desempate para as decisões.

Diante disso, pelo menos em tese, cinco desses cidadãos parecem cada vez menos preocupados com as suas biografias, especialmente, do ponto de vista profissional. Afinal de contas, não é só o Brasil que vem questionando veementemente o posicionamento do COPOM em relação à taxa de juros elevadíssima. É o mundo. São as maiores autoridades técnicas e científicas no assunto que também se colocaram em oposição a essa insistente persistência equivocada do BC brasileiro. E de certa forma, tais críticas fazem transparecer a existência de uma desconfiança em torno das habilidades e competências desse seleto grupo de economistas.

Seja o que for, a verdade é que nas entrelinhas dessa estranha resistência da taxa de juros existe uma flagrante subversão político-ideológica em prejuízo ao bom senso fundamentado pelas Ciências Econômicas e as conjunturas atuais. O que significa que o BC está sendo alçado à constrangedora posição de último bastião da Direita nacional e de seus matizes e simpatizantes; sobretudo, os mais radicais e extremistas. E por isso, pretende usar dos instrumentos que lhes são pertinentes para minar e obstaculizar a atual gestão federal, a fim de lhe constituir impedimentos para a plena consolidação de seus projetos e políticas públicas.

Traduzindo em miúdos, essa posição arraigada assumida pelo COPOM declara abertamente o seu distanciamento de uma das missões do BC que é “fomentar o bem-estar econômico da sociedade” 1.  Mas, como compatibilizar bem-estar econômico com juros nas alturas? Não faz sentido. Há uma ruptura natural da dinâmica econômica, na medida em que os juros elevados afugentam o cidadão que passa a consumir menos, obrigando o comércio a comprar menos, a enxugar ao máximo as despesas e a trabalhar com o mínimo de funcionários possível. Diante desse cenário, a indústria passa, também, a produzir menos, a investir menos e a reduzir as vagas formais de trabalho, ou seja, entra em ritmo de desaceleração.  

Para piorar, o desemprego emergido dessa situação puxa o poder de compra da população para baixo e acentua a crise. Porque amplia-se o quadro das demandas por políticas públicas, na medida em que mais pessoas perdem planos privados de saúde, passam a requerer o Seguro Desemprego, enfrentam a dificuldade de arcar com os custos habitacionais, ampliam os contingentes de evasão escolar, enfim. Acontece que nada disso, não é e nem nunca foi, uma preocupação para a Direita nacional e seus matizes e simpatizantes; sobretudo, os mais radicais e extremistas.

Pelo andar da carruagem, então, o COPOM vai tentar se manter imóvel no seu posicionamento. Só não percebem essas figuras que, enquanto fazem birra, maculam sua biografia de maneira patética e desnecessária. Esfacelando seu conhecimento teórico e prático em nome da preservação e manutenção do ideário direitista, que não consegue enxergar além de si mesmo. Que pena!

Mas, como dizia a velha canção do Chico, “Apesar de você...” 2, “o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresceu 1,9% nos primeiros três meses de 2023 em relação ao trimestre anterior, bem acima das expectativas projetadas. A taxa de investimento foi de 17,5% do PIB. Já a taxa de poupança foi 18,1%, acima da taxa registrada no mesmo período de 2022 (17,4%)” 3.

Isso sem contar que “De acordo com o documento Crescimento Real Trimestral do PIB, divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil apresentou no primeiro trimestre deste ano o quarto maior índice de crescimento em relação às 37 nações cujos dados estão disponíveis” 4; e que, “A agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) elevou de estável para positiva a perspectiva para a nota de crédito do Brasil” 5.

Pois é, verdade seja dita, Luís Fernando Veríssimo tem razão, “Com o tempo, os detalhes estragam qualquer biografia”. Por isso mesmo, os membros do COPOM, deveriam repensar suas crenças, valores, princípios e convicções, considerando que “A história de uma vida começa num dado lugar, num ponto qualquer de que se guardou a lembrança e já, então, tudo era extremamente complicado. O que se tornará essa vida, ninguém sabe. Por isso a história é sem começo e o fim é apenas aproximadamente indicado” (Carl Gustav Jung).