A
biografia e os juros
Por
Alessandra Leles Rocha
O bom da vida é que existe a
possibilidade de fazer da própria biografia um espelho das nossas melhores
qualidades e virtudes. Pena, que nem todo mundo entenda dessa maneira e saia,
por aí, pesando na tinta do seu pior lado. Fiquei pensando sobre isso, depois
que o Banco Central (BC) manteve, mais uma vez, a taxa de juros em 13,75% ao
ano.
Aí você me pergunta: o que uma
coisa tem a ver com a outra? Tudo. Todas as vezes em que o ser humano é o
elemento central da dinâmica da vida, a sua biografia é que está em jogo para
as páginas da história. Quem decide sobre a taxa de juros no país são oito
figuras que compõem o Comitê de Política Monetária (COPOM). Portanto, oito
biografias que estão sendo escritas. Inclusive, vale ressaltar que dentre elas
está a do Presidente do Banco Central (BC) que dispõe do chamado voto de
qualidade, ou seja, o voto de desempate para as decisões.
Diante disso, pelo menos em tese,
cinco desses cidadãos parecem cada vez menos preocupados com as suas
biografias, especialmente, do ponto de vista profissional. Afinal de contas,
não é só o Brasil que vem questionando veementemente o posicionamento do COPOM
em relação à taxa de juros elevadíssima. É o mundo. São as maiores autoridades
técnicas e científicas no assunto que também se colocaram em oposição a essa
insistente persistência equivocada do BC brasileiro. E de certa forma, tais
críticas fazem transparecer a existência de uma desconfiança em torno das
habilidades e competências desse seleto grupo de economistas.
Seja o que for, a verdade é que nas
entrelinhas dessa estranha resistência da taxa de juros existe uma flagrante
subversão político-ideológica em prejuízo ao bom senso fundamentado pelas
Ciências Econômicas e as conjunturas atuais. O que significa que o BC está
sendo alçado à constrangedora posição de último bastião da Direita nacional e
de seus matizes e simpatizantes; sobretudo, os mais radicais e extremistas. E
por isso, pretende usar dos instrumentos que lhes são pertinentes para minar e
obstaculizar a atual gestão federal, a fim de lhe constituir impedimentos para
a plena consolidação de seus projetos e políticas públicas.
Traduzindo em miúdos, essa
posição arraigada assumida pelo COPOM declara abertamente o seu distanciamento
de uma das missões do BC que é “fomentar
o bem-estar econômico da sociedade” 1.
Mas, como compatibilizar bem-estar
econômico com juros nas alturas? Não faz sentido. Há uma ruptura natural da
dinâmica econômica, na medida em que os juros elevados afugentam o cidadão que
passa a consumir menos, obrigando o comércio a comprar menos, a enxugar ao
máximo as despesas e a trabalhar com o mínimo de funcionários possível. Diante
desse cenário, a indústria passa, também, a produzir menos, a investir menos e
a reduzir as vagas formais de trabalho, ou seja, entra em ritmo de desaceleração.
Para piorar, o desemprego emergido
dessa situação puxa o poder de compra da população para baixo e acentua a
crise. Porque amplia-se o quadro das demandas por políticas públicas, na medida
em que mais pessoas perdem planos privados de saúde, passam a requerer o Seguro
Desemprego, enfrentam a dificuldade de arcar com os custos habitacionais, ampliam
os contingentes de evasão escolar, enfim. Acontece que nada disso, não é e nem
nunca foi, uma preocupação para a Direita nacional e seus matizes e
simpatizantes; sobretudo, os mais radicais e extremistas.
Pelo andar da carruagem, então, o
COPOM vai tentar se manter imóvel no seu posicionamento. Só não percebem essas
figuras que, enquanto fazem birra, maculam sua biografia de maneira patética e
desnecessária. Esfacelando seu conhecimento teórico e prático em nome da
preservação e manutenção do ideário direitista, que não consegue enxergar além
de si mesmo. Que pena!
Mas, como dizia a velha canção do
Chico, “Apesar de você...” 2, “o
Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresceu 1,9% nos primeiros três meses de
2023 em relação ao trimestre anterior, bem acima das expectativas projetadas. A
taxa de investimento foi de 17,5% do PIB. Já a taxa de poupança foi 18,1%,
acima da taxa registrada no mesmo período de 2022 (17,4%)” 3.
Isso sem contar que “De acordo com o documento Crescimento Real
Trimestral do PIB, divulgado pela Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil apresentou no primeiro trimestre
deste ano o quarto maior índice de crescimento em relação às 37 nações cujos
dados estão disponíveis” 4; e que, “A agência de classificação de risco
Standard & Poor’s (S&P) elevou de estável para positiva a perspectiva
para a nota de crédito do Brasil” 5.
Pois é, verdade seja dita, Luís
Fernando Veríssimo tem razão, “Com o
tempo, os detalhes estragam qualquer biografia”. Por isso mesmo, os membros
do COPOM, deveriam repensar suas crenças, valores, princípios e convicções,
considerando que “A história de uma vida
começa num dado lugar, num ponto qualquer de que se guardou a lembrança e já,
então, tudo era extremamente complicado. O que se tornará essa vida, ninguém
sabe. Por isso a história é sem começo e o fim é apenas aproximadamente
indicado” (Carl Gustav Jung).