Melhor
prevenir do que remediar
Por
Alessandra Leles Rocha
Os recentes episódios de Febre
Maculosa1, no país, não são apenas um assunto de
saúde pública, como se pensa de imediato. Há outras camadas a serem dissecadas
nessa situação, que ultrapassam as fronteiras da tropicalidade nacional e suas
doenças mais comuns, para luzir uma internalização da urbanidade cada vez mais
intensa no mundo contemporâneo.
Queiram ou não admitir, o limite
que separa a vida na cidade e no campo não se dá mais pela mera noção geográfica
de espaço. Cada vez mais urbanizada, a população foi levada a remodelar o inconsciente
coletivo a um padrão de comportamentos, altamente intensificado pelos apelos contemporâneos
tecnológicos e de consumo. Sem perceber, o cidadão acostumado, então, a viver
nas suas bolhas urbanas, acabou desenvolvendo uma homogeneização de hábitos e
costumes, os quais o fizeram esquecer de que cada situação pede um ajuste de
condutas e práticas.
Inadvertidamente tomado por uma
pseudoideia de progresso e de desenvolvimento, quando olha para grande parte da
realidade rural brasileira, o indivíduo não entende que as áreas não
urbanizadas, ainda que tenham sofrido impactos antrópicos, permanecem exaltando
as condições naturais do meio ambiente. Aliás, essa percepção equivocada acaba
acontecendo em razão de que a antropização tem levado ao surgimento, cada vez
mais acentuado, de áreas periurbanas, ou seja, de transição entre espaços
estritamente rurais e áreas urbanas.
Esse movimento, então, cria uma
dificuldade aos cidadãos de entenderem que estão adentrando a um espaço cuja dinâmica
se estabelece a partir das condições ecológicas fundamentais, ou seja, não há
como desconsiderar ou dissociar a existência de riscos e ameaças, de menor ou
maior gravidade, para o ser humano. Mas, infelizmente, a experienciação nesses
espaços é tida como esporádica e eventual, portanto, as pessoas não enxergam
razões para se adequarem ao momento. Aí desponta todo tipo de vulnerabilidade!
E por pior que possa parecer, um
caso como esse de Febre Maculosa, ele tem sim, um papel importantíssimo no
descortinar das reflexões socioambientais. Em pleno século XXI, por exemplo,
resiste e persiste um descaso imenso com a preservação das áreas naturais, em
nome da expansão imobiliária, do progresso, ou do que quer que seja de
interesse do capital. Acontece que a degradação e extinção dessas áreas não só
compromete o equilíbrio ecológico dentro das próprias teias de ecossistemas;
mas, aproxima, de maneira imprevidente, milhares de espécies dos espaços
urbanos.
Como um dos resultados principais
desse processo, então, está o trânsito contínuo de vetores/hospedeiros entre os
espaços geográficos, expondo o ser humano a doenças graves e, em alguns casos,
letais. É dessa forma que moléstias como a Malária, Febre Amarela, Dengue,
Zika, Chikungunya, Leishmaniose (Visceral ou Tegumentar), Filariose, Esquistossomose
e Doença de Chagas, tornaram-se endêmicas da realidade urbanizada do país. Não
importa se o deslocamento humano para os ambientes naturais é eventual ou por
força das práxis antrópicas.
O que importa é a consciência sobre
as implicações socioeconômicas que esse movimento representa. Sim, pois tanto
faz a classificação epidemiológica de surto, endemia, epidemia ou pandemia. O
que pesa, de verdade, é analisar o conjunto de consequências e desdobramentos socioeconômicos
decorrentes de doenças que além de serem graves e potencialmente
desencadeadoras de comorbidades, demandam uma estrutura médico-hospitalar
devidamente preparada para atendimento da população e constantes investimentos
em prevenção e pesquisa.
Sim, porque é preciso ponderar
sobre a relação custo/benefício da antropização. É um erro crasso pensar que a
humanidade sabe tudo a respeito dos ambientes naturais do planeta. Além de não
saber, há de se considerar também a total impossibilidade de prever o que se
esconde no desconhecido dessas áreas e o que poderia provocar na realidade
urbana, quando lançado abrupta e inadvertidamente. Nem todos os desequilíbrios ecológicos
podem ser contornados ou controlados. Nem todas as doenças podem ser tratadas
ou curadas, rápida e efetivamente. Nem todos os recursos da medicina são disponíveis
e acessíveis igualitária e equitativamente. ... O imediatismo da ganância não
traz consigo o antídoto para todos os males que pode causar.
Sob essa perspectiva, então, é
que o caso da Febre Maculosa pode ser considerado um mero pretexto. Poderia ter
sido um surto de qualquer outra doença naquela região. A grande questão é que
se o ser humano está tão indiferente aos seus próprios pares, não é de se
espantar o grau de relativização e minimização de riscos que ele impõe quando
imerso a novos contextos de realidade. Ele está tão ensimesmado nas suas
crenças, valores, convicções e comportamentos, que ele inverte a lógica e passa
a acreditar que o mundo é que tem que caber e se ajustar às suas aventuras.
Mas o mundo não é só de gente!
Para quem ainda não sabe, “Os insetos
formam a maior classe do Reino Animal, são mais de 800.000 espécies conhecidas”
e podem ser encontrados “Desde as regiões
polares até as zonas tropicais, passando por rios, mares e oceanos” 2. E dentre eles, “Os mosquitos (Aedes spp., Anopheles spp.,
Culex spp.) são os vetores de doença mais conhecidos. Outros vetores incluem
carrapatos, moscas, flebotomíneos, pulgas, triatomíneos e alguns caracóis de
água doce” 3 . Então, como dizem por
aí, estando no campo ou na cidade, “É
melhor prevenir do que remediar”.
1 https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2023/06/16/sp-confirma-mais-2-casos-de-febre-maculosa-um-e-de-mulher-que-esteve-em-festa-em-fazenda-de-campinas.ghtml