segunda-feira, 19 de junho de 2023

Melhor prevenir do que remediar


Melhor prevenir do que remediar

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Os recentes episódios de Febre Maculosa1, no país, não são apenas um assunto de saúde pública, como se pensa de imediato. Há outras camadas a serem dissecadas nessa situação, que ultrapassam as fronteiras da tropicalidade nacional e suas doenças mais comuns, para luzir uma internalização da urbanidade cada vez mais intensa no mundo contemporâneo.

Queiram ou não admitir, o limite que separa a vida na cidade e no campo não se dá mais pela mera noção geográfica de espaço. Cada vez mais urbanizada, a população foi levada a remodelar o inconsciente coletivo a um padrão de comportamentos, altamente intensificado pelos apelos contemporâneos tecnológicos e de consumo. Sem perceber, o cidadão acostumado, então, a viver nas suas bolhas urbanas, acabou desenvolvendo uma homogeneização de hábitos e costumes, os quais o fizeram esquecer de que cada situação pede um ajuste de condutas e práticas.  

Inadvertidamente tomado por uma pseudoideia de progresso e de desenvolvimento, quando olha para grande parte da realidade rural brasileira, o indivíduo não entende que as áreas não urbanizadas, ainda que tenham sofrido impactos antrópicos, permanecem exaltando as condições naturais do meio ambiente. Aliás, essa percepção equivocada acaba acontecendo em razão de que a antropização tem levado ao surgimento, cada vez mais acentuado, de áreas periurbanas, ou seja, de transição entre espaços estritamente rurais e áreas urbanas.

Esse movimento, então, cria uma dificuldade aos cidadãos de entenderem que estão adentrando a um espaço cuja dinâmica se estabelece a partir das condições ecológicas fundamentais, ou seja, não há como desconsiderar ou dissociar a existência de riscos e ameaças, de menor ou maior gravidade, para o ser humano. Mas, infelizmente, a experienciação nesses espaços é tida como esporádica e eventual, portanto, as pessoas não enxergam razões para se adequarem ao momento. Aí desponta todo tipo de vulnerabilidade!

E por pior que possa parecer, um caso como esse de Febre Maculosa, ele tem sim, um papel importantíssimo no descortinar das reflexões socioambientais. Em pleno século XXI, por exemplo, resiste e persiste um descaso imenso com a preservação das áreas naturais, em nome da expansão imobiliária, do progresso, ou do que quer que seja de interesse do capital. Acontece que a degradação e extinção dessas áreas não só compromete o equilíbrio ecológico dentro das próprias teias de ecossistemas; mas, aproxima, de maneira imprevidente, milhares de espécies dos espaços urbanos.

Como um dos resultados principais desse processo, então, está o trânsito contínuo de vetores/hospedeiros entre os espaços geográficos, expondo o ser humano a doenças graves e, em alguns casos, letais. É dessa forma que moléstias como a Malária, Febre Amarela, Dengue, Zika, Chikungunya, Leishmaniose (Visceral ou Tegumentar), Filariose, Esquistossomose e Doença de Chagas, tornaram-se endêmicas da realidade urbanizada do país. Não importa se o deslocamento humano para os ambientes naturais é eventual ou por força das práxis antrópicas.

O que importa é a consciência sobre as implicações socioeconômicas que esse movimento representa. Sim, pois tanto faz a classificação epidemiológica de surto, endemia, epidemia ou pandemia. O que pesa, de verdade, é analisar o conjunto de consequências e desdobramentos socioeconômicos decorrentes de doenças que além de serem graves e potencialmente desencadeadoras de comorbidades, demandam uma estrutura médico-hospitalar devidamente preparada para atendimento da população e constantes investimentos em prevenção e pesquisa.

Sim, porque é preciso ponderar sobre a relação custo/benefício da antropização. É um erro crasso pensar que a humanidade sabe tudo a respeito dos ambientes naturais do planeta. Além de não saber, há de se considerar também a total impossibilidade de prever o que se esconde no desconhecido dessas áreas e o que poderia provocar na realidade urbana, quando lançado abrupta e inadvertidamente. Nem todos os desequilíbrios ecológicos podem ser contornados ou controlados. Nem todas as doenças podem ser tratadas ou curadas, rápida e efetivamente. Nem todos os recursos da medicina são disponíveis e acessíveis igualitária e equitativamente. ... O imediatismo da ganância não traz consigo o antídoto para todos os males que pode causar.    

Sob essa perspectiva, então, é que o caso da Febre Maculosa pode ser considerado um mero pretexto. Poderia ter sido um surto de qualquer outra doença naquela região. A grande questão é que se o ser humano está tão indiferente aos seus próprios pares, não é de se espantar o grau de relativização e minimização de riscos que ele impõe quando imerso a novos contextos de realidade. Ele está tão ensimesmado nas suas crenças, valores, convicções e comportamentos, que ele inverte a lógica e passa a acreditar que o mundo é que tem que caber e se ajustar às suas aventuras.

Mas o mundo não é só de gente! Para quem ainda não sabe, “Os insetos formam a maior classe do Reino Animal, são mais de 800.000 espécies conhecidas” e podem ser encontrados “Desde as regiões polares até as zonas tropicais, passando por rios, mares e oceanos” 2. E dentre eles, “Os mosquitos (Aedes spp., Anopheles spp., Culex spp.) são os vetores de doença mais conhecidos. Outros vetores incluem carrapatos, moscas, flebotomíneos, pulgas, triatomíneos e alguns caracóis de água doce” 3 . Então, como dizem por aí, estando no campo ou na cidade, “É melhor prevenir do que remediar”.