Soberanos... pero no mucho!
Por Alessandra Leles Rocha
O
Brasil passou os últimos quatro anos ouvindo falas inflamadas sobre a soberania
nacional. Não, necessariamente, pelo fato da questão diplomática envolvida;
mas, na maioria das vezes, para impor uma certa postura de poder e beligerância.
Acontece
que, ontem, já em novo contexto governamental brasileiro, eis que o assunto
volta à baila, pegando a todos por uma absoluta incredulidade. Jornalistas,
mulheres e homens 1, devidamente
credenciados e autorizados, foram agredidos com truculência pelos seguranças do
Presidente Venezuelano e agentes do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da
Presidência da República brasileira, enquanto exerciam sua função no Palácio do
Itamaraty, em Brasília.
Por um
instante, o Brasil viu ruir o protocolo diplomático, a Democracia, a liberdade
de imprensa e a soberania nacional, deixando a todos, brasileiros e
estrangeiros, perplexos; mas, não, surpresos. Primeiro, pelo fato de toda a cordialidade
demonstrada pelo governo brasileiro em relação ao governo venezuelano,
inclusive, excedendo-se diplomaticamente nos limites desse tratamento. Fato que
gerou uma ampla repercussão negativa internacional, não só por parte dos demais
países sul-americanos convidados para o chamado “Consenso de Brasília”; mas, de outros players importantes no cenário global.
Afinal,
o Presidente brasileiro exercitou uma diplomacia enviesada e profundamente
condescendente, em relação à Venezuela, que colocou em xeque a sua
credibilidade discursiva e narrativa quanto à defesa da Democracia, do Estado
de Direito e dos direitos humanos, temas bastante sensíveis no contexto contemporâneo.
E como demonstraram os próprios seguranças do Presidente Venezuelano, o país
não tem sido visto como pária internacional à toa.
Segundo,
porque o envolvimento de agentes do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da
Presidência da República brasileira, na agressão aos jornalistas, de certa
forma, referendou o total desrespeito à soberania nacional. Um convidado
ilustre que não sabe se portar na casa do outro, impondo suas próprias práxis e
negando o senso diplomático da soberania, deveria ser advertido de maneira
protocolar pelo anfitrião. Mas, o silêncio reverberou eloquente, como se
absolutamente nada tivesse ocorrido.
E como
certos silêncios dizem mais do que milhões de palavras, estamos tentando
decifrar qual será a posição brasileira, daqui por diante, frente ao mundo.
Porque os recentes acontecimentos dão conta de que o Brasil deu um verdadeiro
cavalo de pau nas suas narrativas e discursos, no campo diplomático. Cláusulas pétreas,
tais como Desenvolvimento Sustentável, genocídio indígena, Democracia,
liberdade de imprensa, Direitos Humanos, caíram em uma vala de relativização
temerária. De duas, uma: ou o governo desconhece o verdadeiro sentido dessas
questões e constrói equivocadamente as suas falas a respeito, ou decidiu
reescrevê-las a partir de suas próprias perspectivas e interesses.
Bem,
pouco importa qual a resposta. O ponto nevrálgico de tudo isso está no fato de
que em apenas cinco meses de gestão, o Brasil já começa a desbotar o seu
protagonismo, por conta da fragilização da sua credibilidade, da sua
confiabilidade, junto ao cenário mundial. O governo está queimando seu capital
político, interno e externo, muito rapidamente, fazendo transparecer um certo
ar de amadorismo, que não coaduna com o seu lastro de experiências pregressas. E,
talvez, seja isso mesmo. A realidade contemporânea foi bastante alterada por
certos fatores, na última década. Sobretudo, o avanço dos matizes mais radicais
e extremistas da Direita, em todo o planeta.
Valendo-se
da velocidade com a qual as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs)
se desenvolveram nesse período, esse nicho político-ideológico passou a dominar
essas ferramentas para difundir seu ideário de maneira maciça e resgatar seus
espaços no poder. E pode-se dizer que tem conseguido êxito. Usando e abusando
das Fake News, os matizes mais radicais e extremistas da Direita, vêm
conseguindo manipular legiões de seguidores e simpatizantes, pelo mundo, a
partir da consolidação de uma realidade paralela capaz de agregá-los e movê-los
em efeito manada. Algo que há uma década não existia e que, agora, faz toda a
diferença na dinâmica conjuntural política.
O modo
como as peças são movidas no tabuleiro do poder passou a obedecer uma nova
ordem social, ou seja, a ordem do mundo virtual, a qual não depende da relação
tempo/espaço, é contínua e se faz, em grande parte, pelos esforços da própria tecnologia,
através de robôs. Daí a necessidade não só de saber transitar por esse novo
campo de ação; mas, também, de perceber os desafios que estão imersos nele. Um
deles é a linguagem. O que se diz, como diz, para quem diz, pode virar contra
você, num piscar de olhos. A linguagem tecnológica, ancorada principalmente no
imagético, recorta, subtrai, manipula, segundo os seus objetivos e interesses,
e depois lança para o universo virtual para colher os resultados.
Portanto,
causa imensa estranheza perceber os descaminhos que o governo está trilhando,
como se ele tivesse vencido as eleições sem se dar conta de que a política de
hoje não é, nem de longe, a política de uma década atrás. Nada está fazendo
sentido. O diálogo é demasiadamente ruidoso e incompreensível. Sem contar com
as amarras ideológicas rançosas que o governo insiste em manter, como se o
mundo tivesse congelado no tempo. Já
dizia Charles Darwin, “Não é o mais forte
que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças”,
e os adversários políticos do governo, principalmente, os pertencentes aos matizes
mais radicais e extremistas da Direita, largaram na frente, nesse sentido.
Desse modo, é hora de entender tudo isso, antes que o governo acabe engolido pelos seus próprios erros e desajustes. O que adianta o slogan da gestão ser “União e Reconstrução” se na prática a teoria é outra! José Saramago dizia “Mesmo que a rota da minha vida me conduza uma estrela, nem por isso fui dispensado de percorrer os caminhos do mundo”. Afinal, “O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem” (João Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas). Coragem para mudar. Coragem para (re) aprender. Coragem em todos os sentidos; pois, “Atitude é uma pequena coisa que faz uma grande diferença” (Clarice Lispector).