Não,
não temos nada a comemorar!
Por
Alessandra Leles Rocha
Não, não temos nada a comemorar!
A aprovação da Medida Provisória (MP) que configurou a nova estrutura
ministerial do governo 1, pelo
Congresso Nacional, se deu abrindo precedentes muitíssimo perigosos para a
gestão pública. O nível de ingerência aplicado pelo Legislativo sobre uma
decisão de caráter único e exclusivo do Poder Executivo, mostra como a sanha fisiológica
anda realmente descompensada, dado o mau hábito instituído nos últimos quatro
anos, com a manifestação do famigerado “orçamento
secreto”.
É importante refletir sobre o
desvio de atribuição que o Congresso permitiu realizar, não só para medir
forças com o Executivo, subjugando suas funções aos quereres e vontades
parlamentares, como para negligenciar o que pode vir a traduzir benefícios ao
desenvolvimento e ao progresso nacional. Mais uma lástima a ser registrada nos
anais da história brasileira!
Mas, como eu sempre digo, as
forças subjetivas das conjunturas são implacáveis! E a dinâmica da vida se dá
sobre um complexo circuito interligado por agentes aparentemente estranhos uns
aos outros; mas, os quais, de repente, se mostram totalmente interdependentes.
De modo que as reverberações decorrentes do assunto inicial, deste texto, podem
sim, sinalizar ameaças a uma outra notícia do dia.
Vou explicar. Ansiando por uma
boa nova, a qualquer custo, eis que o Produto Interno Bruto (PIB) nacional, do
primeiro trimestre, ficou acima das expectativas 2.
Acontece que, como de costume e por razões óbvias da nossa história colonial,
quem contribui significativamente para esse resultado é o agronegócio. Pois é,
só que é desse ponto que o contentamento vira apreensão, num piscar de olhos!
Queiram ou não aceitar, desde que
mundo é mundo, as atividades agrícolas e pecuárias dependem diretamente do meio
ambiente para o seu sucesso. Regime pluviométrico equilibrado. Suficiência hídrica.
Ventos e insolação ajustados às demandas. Estações bem definidas pelos padrões
climáticos. Pragas e doenças sob controle. ... De modo que quaisquer
desalinhamentos dessas condições comprometem diretamente à produção e o
consumo, afetando as relações socioeconômicas.
E não é preciso ser nenhum expert nesse assunto, para entender o
que tem trazido os veículos de comunicação e informação, cada vez mais amiúde,
sobre os impactos desastrosos, tanto em relação aos eventos extremos do clima
quanto às ações antrópicas depredatórias, sobre o agronegócio. Desertificação.
Inundações. Secas. Tornados. Incêndios. Assoreamento de rios e cursos d’água.
Poluição diversificada. Desequilíbrio ecológico. São alguns desses eventos.
O que não se pode negar, então, é
que por trás de o fato de estarem se intensificando está a resistência e a persistência,
de uma significativa parcela do agronegócio, quanto ao estabelecimento de novas
práxis produtivas. Sendo mais precisa, quero dizer com base na Economia Verde,
ou seja, um modelo inclusivo que “aprimora
o bem-estar humano e constrói equidade social ao mesmo tempo reduzindo riscos e
escassez ambiental” 1.
É nesse ponto que os assuntos,
então, se cruzam. A MP que acaba de ser aprovada sofreu arbitrariamente
alterações na sua proposta original, justamente, para atender a força do lobby
do agronegócio contrário a quaisquer avanços na área de Sustentabilidade
Socioambiental.
De modo que os Ministérios de
Meio Ambiente e Mudança do Clima e dos Povos Originários foram brutalmente
desidratados, visto que muitas das suas atribuições e competências foram
redesignadas para outras pastas, cuja a afinidade ao assunto é muito menor ou
não existe.
E se não temos quem conduza os
trabalhos, com eficiência e conhecimento, para mitigar os impactos dos eventos
extremos do clima e combater efetivamente às ações antrópicas depredatórias, o
sucesso do agronegócio fica, então, à mercê da própria sorte. Sim, porque não
há ciência e nem tecnologia que consigam, por si só, manter os índices de
produtividade nas alturas, se não houver condições socioambientais equilibradas
e satisfatórias. Simples assim.
Além disso, considerando a
obviedade de que o alvo principal do agronegócio brasileiro é a exportação, é o
mercado internacional, se colocar na contramão do alinhamento ambiental contemporâneo
pode custar muito caro. O comércio exterior busca, cada vez mais, se consolidar
a partir de um conjunto de medidas e de ações que visam o desenvolvimento sustentável
da economia em sua totalidade, ou seja, uma Economia Verde.
E para que isso se torne possível
é fundamental que os países, as instituições e a sociedade civil trabalhem
conjuntamente na implementação de normas e práticas sociais inteiramente
voltadas ao combate das desigualdades e à degradação ambiental. O que significa
acabar com o trabalho análogo à escravidão, à precarização do trabalho, às
práticas ambientais depredatórias, o uso e ocupação irregular do solo, à
exaustão dos recursos hídricos, à poluição indiscriminada por meio de diferentes
agentes contaminantes, ...
Entende agora, por que razão não
temos motivo para comemorar? Consequência da própria dinâmica social contemporânea,
a análise compartimentalizada da vida e a dissociação contínua dos
acontecimentos, como se deu na votação da MP, não permite à sociedade perceber o
quanto está fomentando o chamado Efeito Borboleta 3.
Por essa teoria explica-se que a ocorrência de certos episódios, aparentemente
insignificantes, na verdade, têm um potencial infinito para gerar enormes
mudanças ao longo do tempo, provocando uma sensação de caos.
Portanto, é preciso cuidado! A
vida é feita de relatividade, não de absolutismos vaidosos e egóicos, sustentados
pelo poder capital. Simplesmente, porque não temos as rédeas do tempo nas mãos!
O que adianta ter um relógio nas mãos, quando o senhor de todas as horas é que nos
tem nas mãos? Desse modo, a cada giro dos ponteiros tudo muda demasiadamente e além
de todos os nossos quereres e vontades. Os índices de hoje podem, ou não, se
repetirem, se manterem ou melhorarem. Porque no palco do mundo há 8 bilhões de seres
humanos tentando compatibilizar entre si, os seus individualismos, os seus
narcisismos, enquanto o próprio planeta também reivindica os seus direitos nas
tomadas de decisão.