terça-feira, 30 de maio de 2023

O marco da destruição humana


O marco da destruição humana

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não encontro palavras para explicar o que acaba de acontecer no país. O tal “Marco Temporal” acaba de ser aprovado pelo Congresso Nacional 1. Justamente o Congresso, um dos Poderes da República, recentemente invadido, depredado e pilhado por gente sem o menor respeito e dignidade, se permite fazer o mesmo ao aprovar que uma barbárie semelhante seja cometida contra os povos originários brasileiros.

A Constituição Federal de 1988 acaba de ser atacada mais uma vez. Onde se lê que “São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições” (art. 231, §1º), agora, pode-se entender terras de ninguém.

Depois de todo o curso dizimatório cometido contra os povos originários brasileiros, desde o início da colonização, com o episódio recente mais desolador contra os Yanomamis, que ganhou repercussão mundial, a licença para exterminá-los foi decretada. Em nome de quê? Da ganância, do poder, da ignorância, da pseudossuperioridade, ou quaisquer outros termos que possam caber nesse caso, para tentar explicá-lo.  

O Brasil regride na sua história, enquanto aplaude e saúda o regresso triunfante dos velhos tempos de Colônia de Exploração, tão veementemente aclamados pela Direita e seus matizes. Sobretudo, os mais radicais e extremistas. Quem diria que iríamos ver se cumprir, palavra por palavra, a consagrada canção da Legião Urbana, “Que país é este” (1987)! O desenvolvimento e o progresso, na ótica contemporânea, lançados no lixo do atraso civilizatório nacional.

Não, não cabemos mais no mundo! Ninguém se importa em ser pária internacional, especialmente, quando o assunto orbita as questões socioambientais. No entanto, devo lembrar que o título desqualifica totalmente o país para sediar a COP30, em Belém. A incompatibilidade entre discurso e ação não é bem tolerada pela comunidade internacional.  Aliás, antes disso, corre-se o risco de que os investimentos estrangeiros para o setor subam no telhado, mais uma vez.

Lamento; mas, com os esforços das próprias mãos, o Brasil cria a sua tempestade perfeita! Não colheremos nada de bom! Como escreveu Charles Chaplin, para o discurso final em seu filme “O Grande Ditador” (1940), “[...]O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens ... levantou no mundo as muralhas do ódio ... e tem-nos feito marchar a passos de ganso para a miséria e os morticínios. [...]”.  

O dia de hoje não é uma perda exclusiva para os povos originários, nem tampouco, para o Meio Ambiente. Todos nós, brasileiros e brasileiras, perdemos. Em dignidade humana, em respeito, em cidadania, em credibilidade, em sobrevivência, em tudo. Pois, segundo José Saramago, “A pior cegueira é a mental, que faz com que não reconheçamos o que temos a frente”; o que significa que “Estamos a destruir o planeta e o egoísmo de cada geração não se preocupa em perguntar como é que vão viver os que virão depois. A única coisa que importa é o triunfo do agora. É a isto que eu chamo a cegueira da razão” (Ensaio sobre a Cegueira).

Queira você admitir ou não, o Brasil está cego! Tropeçando na sua própria arrogância e estupidez. Protagonizando o seu próprio vexame. É por essas e por outras, que ele não sai do discurso de país do futuro. Acontece que é um futuro que nunca chega, porque ele se mantém confortavelmente no passado, que favorece às suas elites dominantes todo tipo de regalias e privilégios condenáveis.

Assim, hoje, muitos de nós vão dormir com a estranha sensação de que a interpretação objetiva para a frase, “A essência dos Direitos Humanos é o direito a ter direitos” (Hannah Arendt), foi brutalmente enviesada e corrompida. Não há direitos humanos quando não se enxerga humanidade no ser. Quando não se tem empatia. Quando não se exercita a alteridade. E isso é um passo muito significativo para a banalização da morte, do extermínio, da dizimação. É duro perceber que a vida pode perder seu valor tão facilmente! E que o tempo pode ser o marco da destruição de nós mesmos!