O
marco da destruição humana
Por
Alessandra Leles Rocha
Não encontro palavras para
explicar o que acaba de acontecer no país. O tal “Marco Temporal” acaba de ser aprovado pelo Congresso Nacional 1. Justamente o Congresso, um dos Poderes
da República, recentemente invadido, depredado e pilhado por gente sem o menor
respeito e dignidade, se permite fazer o mesmo ao aprovar que uma barbárie semelhante
seja cometida contra os povos originários brasileiros.
A Constituição Federal de 1988
acaba de ser atacada mais uma vez. Onde se lê que “São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles
habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas,
as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu
bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus
usos, costumes e tradições” (art. 231, §1º), agora, pode-se
entender terras de ninguém.
Depois de todo o curso dizimatório cometido
contra os povos originários brasileiros, desde o início da colonização, com o episódio
recente mais desolador contra os Yanomamis, que ganhou repercussão mundial, a
licença para exterminá-los foi decretada. Em nome de quê? Da ganância, do
poder, da ignorância, da pseudossuperioridade, ou quaisquer outros termos que possam
caber nesse caso, para tentar explicá-lo.
O Brasil regride na sua história, enquanto aplaude
e saúda o regresso triunfante dos velhos tempos de Colônia de Exploração, tão
veementemente aclamados pela Direita e seus matizes. Sobretudo, os mais
radicais e extremistas. Quem diria que iríamos ver se cumprir, palavra por
palavra, a consagrada canção da Legião Urbana, “Que país é este” (1987)! O desenvolvimento e o progresso, na ótica
contemporânea, lançados no lixo do atraso civilizatório nacional.
Não, não cabemos mais no mundo! Ninguém se
importa em ser pária internacional, especialmente, quando o assunto orbita as
questões socioambientais. No entanto, devo lembrar que o título desqualifica totalmente
o país para sediar a COP30, em Belém. A incompatibilidade entre discurso e ação
não é bem tolerada pela comunidade internacional. Aliás, antes disso, corre-se o risco de que os
investimentos estrangeiros para o setor subam no telhado, mais uma vez.
Lamento; mas, com os esforços das próprias mãos,
o Brasil cria a sua tempestade perfeita! Não colheremos nada de bom! Como
escreveu Charles Chaplin, para o discurso final em seu filme “O Grande
Ditador” (1940), “[...]O caminho da
vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça
envenenou a alma dos homens ... levantou no mundo as muralhas do ódio ... e
tem-nos feito marchar a passos de ganso para a miséria e os morticínios. [...]”.
O dia de hoje não é uma perda exclusiva para
os povos originários, nem tampouco, para o Meio Ambiente. Todos nós,
brasileiros e brasileiras, perdemos. Em dignidade humana, em respeito, em
cidadania, em credibilidade, em sobrevivência, em tudo. Pois, segundo José
Saramago, “A pior cegueira é a mental,
que faz com que não reconheçamos o que temos a frente”; o que significa que
“Estamos a destruir o planeta e o egoísmo
de cada geração não se preocupa em perguntar como é que vão viver os que virão
depois. A única coisa que importa é o triunfo do agora. É a isto que eu chamo a
cegueira da razão” (Ensaio sobre a Cegueira).
Queira você admitir ou não, o Brasil está
cego! Tropeçando na sua própria arrogância e estupidez. Protagonizando o seu próprio
vexame. É por essas e por outras, que ele não sai do discurso de país do
futuro. Acontece que é um futuro que nunca chega, porque ele se mantém
confortavelmente no passado, que favorece às suas elites dominantes todo tipo
de regalias e privilégios condenáveis.
Assim, hoje, muitos de nós vão dormir com a
estranha sensação de que a interpretação objetiva para a frase, “A essência dos Direitos Humanos é o direito
a ter direitos” (Hannah Arendt), foi brutalmente enviesada e corrompida. Não
há direitos humanos quando não se enxerga humanidade no ser. Quando não se tem
empatia. Quando não se exercita a alteridade. E isso é um passo muito
significativo para a banalização da morte, do extermínio, da dizimação. É duro
perceber que a vida pode perder seu valor tão facilmente! E que o tempo pode
ser o marco da destruição de nós mesmos!