É
agora ou nunca!
Por
Alessandra Leles Rocha
Depois de quatro anos de
isolamento diplomático, o Brasil precisava sim, estreitar laços, retomar diálogos,
construir parcerias, se reintegrar ao mundo. E desde as eleições foi possível
perceber que a reciprocidade nesse contexto não estava perdida. O mundo recebeu
a notícia do novo governo como se uma boa música soasse em seu ouvido.
Contudo, parece sim, ter havido
um excesso de entusiasmo, por parte do governo brasileiro. Hasteamos bandeiras
importantes, que encontram eco na realidade contemporânea, tais como a sustentabilidade
socioambiental e a defesa dos povos originários. Pena que isso tenha acontecido
muito antes de identificar a real dimensão dos desafios que seriam enfrentados,
tanto do ponto de vista institucional e parlamentar quanto lobista.
Infelizmente, como é de
conhecimento público, o governo não contou com um processo de transição ético,
respeitoso e colaborativo, para poder dar consistência aos seus discursos e
narrativas no campo internacional. Passados somente cinco meses, desde o início
da gestão, sob muitos aspectos o Brasil ainda transita entre os escombros de
terra arrasada que precisa ser recuperada e posta de pé novamente.
O que significa que as propostas
eleitorais precisam sair da teoria para alcançar a prática materializada, o
mais rápido possível, ainda que encontrando o imenso desafio de um Congresso
Nacional muito mais afeito ao confronto opositor do que à simpatia
colaborativa.
Vejam, por exemplo, que estamos
só a dois dias de expirar a Medida Provisória encaminhada pelo Executivo
Federal, propondo a organização dos ministérios na sua gestão, e o Congresso
Nacional decidiu acirrar os ânimos e cravar seu antagonismo político-partidário
fisiologicamente hostil, desrespeitando a separação de poderes.
Só mesmo, no Brasil, para
acontecer algo tão abjeto! Esta é uma decisão do Executivo. Portanto, cabe ao
Presidente da República constituir o seu conjunto ministerial, segundo
atribuições e competências que lhes sejam pertinentes a fim de alcançar os
resultados de governança esperados.
Percebam que, além dessa
intromissão absurda do Legislativo, a qual já deveria estar sendo, inclusive,
questionada no âmbito do Poder Judiciário, há uma clara intenção misógina de
prejudicar a execução das políticas propostas pela ministra do Meio Ambiente e
Mudança do Clima e pela ministra dos Povos Indígenas, as quais desfrutam de profundo
respeito e credibilidade internacional.
Pois é, não querem que mulheres
tomem pelas mãos a responsabilidade de interromper o fluxo depredatório que
marca a história brasileira, desde a Colonização. Na verdade, não sei nem dizer
se essa misoginia é somente ódio ou aversão às mulheres, ou é um baita
reconhecimento sobre a qualidade e a capacidade que elas possuem para enfrentar
desafios seculares, que faz muita gente tremer.
Aliás, um desses desafios estampou
os veículos de comunicação e de informação, no dia de hoje: “Peixes consumidos pela população em 6
estados da Amazônia têm contaminação por mercúrio, indica estudo” 1. O mercúrio dos garimpos ilegais,
que contaminou terras indígenas, como a dos Yanomamis, e cujos efeitos podem
ser visualizados em livros, revistas, sites e no filme Minamata (2020), que conta o episódio real desse tipo de
contaminação ocorrido na Baía de Minamata, no Japão, na década de 50; mas, que
repercute ainda nos dias atuais.
Trata-se de algo tão grave que a
Organização das Nações Unidas (ONU), promulgou em 2017, depois de décadas de impactos
socioambientais negativos em diversos países do mundo,
a Convenção de Minamata 2, a qual
foi ratificada pelo governo brasileiro 3,
também, em 2017. O que torna a notícia acima ainda mais estarrecedora, porque
demonstra a incapacidade brasileira de cumprir seus compromissos tanto com seus
cidadãos quanto com a comunidade internacional.
Então, como querer “consertar o mundo”, quando dentro do próprio
quintal tudo parece desmoronar? Lamento, mas não é de hoje, que o Brasil prova
como o que ele diz não se escreve. Vivemos
sob a lógica de um tempo em que o derrame de palavras bonitas e bem colocadas eram
o suficiente para encantar e sensibilizar os outros. Aliás, nos apropriamos
dessa estratégia depois de termos sido alvo dela, desde os tempos coloniais. Mas,
o mundo contemporâneo pede mais, pede uma postura bem diferente, pede uma
postura pragmática.
Desse modo, antes de olhar além
dos muros precisamos olhar para dentro. Temos que enfrentar desafios ideológicos
gigantescos que estão colocando em xeque a sobrevivência do país, sob
diferentes formas e conteúdos. DESIGUALDADE. POBREZA. RACISMO. MISOGINIA.
HOMO/TRANSFOBIA. DESMATAMENTO. QUEIMADAS. POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA, HÍDRICA, DO
SOLO. AGROTÓXICOS. DIZIMAÇÃO DE POVOS ORIGINÁRIOS. USO E OCUPAÇÃO ILEGAL DE
TERRAS INDÍGENAS. GARIMPAGEM CLANDESTINA. TRÁFICO DE DROGAS. ...
O Brasil aclamado nas tribunas
internacionais, nesse momento, está no campo do ideário, só existe na
imaginação. E em tempos de uma comunicação intensamente tecnologizada, o mundo
já começa a reconhecer a distância existente entre as palavras e as ações. A esperança
de uma reconstrução transformadora já começa a desbotar. Os discursos e as
narrativas já começam a se perder na ausência de sentido prático, de coesão e
de coerência. O mundo começa a entender a realidade dos grandes abismos
impostos, nos últimos anos, ao Brasil.
Não há tempo a perder! O governo não foi eleito para ser uma marionete nas mãos de quem perdeu, só porque eles se consideram os donos do país ou porque são as elites dominantes. O governo empenhou promessas, alimentou esperanças, despertou apoios e simpatias, portanto, não pode se apequenar dessa maneira. Não pode roer a corda, de saída. Não pode falhar com aqueles que lhes estenderam às mãos e os trabalhos nessa empreitada, quando teria sido bem mais fácil declinar do convite. Ou o Brasil se posiciona ou se rende. Não há meio termo. Não dá para flexibilizar ou contemporizar certas coisas.