terça-feira, 30 de maio de 2023

É agora ou nunca!


É agora ou nunca!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Depois de quatro anos de isolamento diplomático, o Brasil precisava sim, estreitar laços, retomar diálogos, construir parcerias, se reintegrar ao mundo. E desde as eleições foi possível perceber que a reciprocidade nesse contexto não estava perdida. O mundo recebeu a notícia do novo governo como se uma boa música soasse em seu ouvido.

Contudo, parece sim, ter havido um excesso de entusiasmo, por parte do governo brasileiro. Hasteamos bandeiras importantes, que encontram eco na realidade contemporânea, tais como a sustentabilidade socioambiental e a defesa dos povos originários. Pena que isso tenha acontecido muito antes de identificar a real dimensão dos desafios que seriam enfrentados, tanto do ponto de vista institucional e parlamentar quanto lobista.

Infelizmente, como é de conhecimento público, o governo não contou com um processo de transição ético, respeitoso e colaborativo, para poder dar consistência aos seus discursos e narrativas no campo internacional. Passados somente cinco meses, desde o início da gestão, sob muitos aspectos o Brasil ainda transita entre os escombros de terra arrasada que precisa ser recuperada e posta de pé novamente.

O que significa que as propostas eleitorais precisam sair da teoria para alcançar a prática materializada, o mais rápido possível, ainda que encontrando o imenso desafio de um Congresso Nacional muito mais afeito ao confronto opositor do que à simpatia colaborativa.

Vejam, por exemplo, que estamos só a dois dias de expirar a Medida Provisória encaminhada pelo Executivo Federal, propondo a organização dos ministérios na sua gestão, e o Congresso Nacional decidiu acirrar os ânimos e cravar seu antagonismo político-partidário fisiologicamente hostil, desrespeitando a separação de poderes.

Só mesmo, no Brasil, para acontecer algo tão abjeto! Esta é uma decisão do Executivo. Portanto, cabe ao Presidente da República constituir o seu conjunto ministerial, segundo atribuições e competências que lhes sejam pertinentes a fim de alcançar os resultados de governança esperados.

Percebam que, além dessa intromissão absurda do Legislativo, a qual já deveria estar sendo, inclusive, questionada no âmbito do Poder Judiciário, há uma clara intenção misógina de prejudicar a execução das políticas propostas pela ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima e pela ministra dos Povos Indígenas, as quais desfrutam de profundo respeito e credibilidade internacional.

Pois é, não querem que mulheres tomem pelas mãos a responsabilidade de interromper o fluxo depredatório que marca a história brasileira, desde a Colonização. Na verdade, não sei nem dizer se essa misoginia é somente ódio ou aversão às mulheres, ou é um baita reconhecimento sobre a qualidade e a capacidade que elas possuem para enfrentar desafios seculares, que faz muita gente tremer.

Aliás, um desses desafios estampou os veículos de comunicação e de informação, no dia de hoje: “Peixes consumidos pela população em 6 estados da Amazônia têm contaminação por mercúrio, indica estudo” 1. O mercúrio dos garimpos ilegais, que contaminou terras indígenas, como a dos Yanomamis, e cujos efeitos podem ser visualizados em livros, revistas, sites e no filme Minamata (2020), que conta o episódio real desse tipo de contaminação ocorrido na Baía de Minamata, no Japão, na década de 50; mas, que repercute ainda nos dias atuais.

Trata-se de algo tão grave que a Organização das Nações Unidas (ONU), promulgou em 2017, depois de décadas de impactos socioambientais negativos em diversos países do mundo, a Convenção de Minamata 2, a qual foi ratificada pelo governo brasileiro 3, também, em 2017. O que torna a notícia acima ainda mais estarrecedora, porque demonstra a incapacidade brasileira de cumprir seus compromissos tanto com seus cidadãos quanto com a comunidade internacional.

Então, como querer “consertar o mundo”, quando dentro do próprio quintal tudo parece desmoronar? Lamento, mas não é de hoje, que o Brasil prova como o que ele diz não se escreve.  Vivemos sob a lógica de um tempo em que o derrame de palavras bonitas e bem colocadas eram o suficiente para encantar e sensibilizar os outros. Aliás, nos apropriamos dessa estratégia depois de termos sido alvo dela, desde os tempos coloniais. Mas, o mundo contemporâneo pede mais, pede uma postura bem diferente, pede uma postura pragmática.

Desse modo, antes de olhar além dos muros precisamos olhar para dentro. Temos que enfrentar desafios ideológicos gigantescos que estão colocando em xeque a sobrevivência do país, sob diferentes formas e conteúdos. DESIGUALDADE. POBREZA. RACISMO. MISOGINIA. HOMO/TRANSFOBIA. DESMATAMENTO. QUEIMADAS. POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA, HÍDRICA, DO SOLO. AGROTÓXICOS. DIZIMAÇÃO DE POVOS ORIGINÁRIOS. USO E OCUPAÇÃO ILEGAL DE TERRAS INDÍGENAS. GARIMPAGEM CLANDESTINA.  TRÁFICO DE DROGAS. ...

O Brasil aclamado nas tribunas internacionais, nesse momento, está no campo do ideário, só existe na imaginação. E em tempos de uma comunicação intensamente tecnologizada, o mundo já começa a reconhecer a distância existente entre as palavras e as ações. A esperança de uma reconstrução transformadora já começa a desbotar. Os discursos e as narrativas já começam a se perder na ausência de sentido prático, de coesão e de coerência. O mundo começa a entender a realidade dos grandes abismos impostos, nos últimos anos, ao Brasil.  

Não há tempo a perder! O governo não foi eleito para ser uma marionete nas mãos de quem perdeu, só porque eles se consideram os donos do país ou porque são as elites dominantes. O governo empenhou promessas, alimentou esperanças, despertou apoios e simpatias, portanto, não pode se apequenar dessa maneira. Não pode roer a corda, de saída. Não pode falhar com aqueles que lhes estenderam às mãos e os trabalhos nessa empreitada, quando teria sido bem mais fácil declinar do convite. Ou o Brasil se posiciona ou se rende. Não há meio termo. Não dá para flexibilizar ou contemporizar certas coisas.