BIG... VERY BIG!
Por Alessandra
Leles Rocha
Quisera fosse apenas uma afronta comercial e econômica
das Big Techs contra o PL das Fake News! Porém, isso é só espuma! Nas
entrelinhas desse movimento estão questões muito maiores. Ao contrário do que
muitos querem acreditar, a cada nova salto da Revolução Industrial o mundo
aprofunda as suas desigualdades e reafirma historicamente o poder que sempre
esteve na mão das grandes economias.
Ainda que uns e outros, por aí, persistam na
ideia fixa da conquista e dominação territorial através de conflitos bélicos de
alto poder de destruição, isso é coisa do passado. Os mais atentos e hábeis já
entenderam que não é preciso aluir um centímetro do lugar para fincar sua
bandeira pelo mundo. A guerra contemporânea é, portanto, uma guerra tecnológica.
O que manda na geopolítica do mundo é a
inovação. Quem faz mais e melhor sai na frente e conquista os mercados. Simples
assim. Isso significa a possibilidade de exercer a supremacia sócio-política e
cultural sobre aqueles que terão que consumir seus produtos e serviços para
tentar se nivelar no cenário contemporâneo do desenvolvimento e do progresso. Alguma
diferença do Colonialismo? Ou da Guerra Fria? Penso que não.
Afinal, quem são os atores capazes de
interpretar essa façanha? Os mesmos de sempre. Aqueles cujo curso da história
se escreveu acumulando grandes recursos econômicos. Que sempre apostaram bem
alto na ousadia, na vanguarda, para manterem suas regalias e privilégios de influência
e poder.
Assim, por mais dura que seja a realidade, a grande
verdade é que o desdém das Big Techs
em relação ao Brasil acontece, não porque elas são simplesmente atrevidas e
desrespeitosas; mas, porque o próprio país se contentou em permanecer no atraso
educacional, científico e tecnológico, na postura de cordato e submisso
importador daquilo que não produz. Se sujeitando às regras e aos acordos
comerciais impostos por elas a fim de não ficarem, ainda mais, à margem da evolução
global.
Talvez, agora, o Brasil consiga olhar para a
sua trajetória histórica e reconhecer os descaminhos que se permitiu trilhar
até aqui. Sim, porque uma renegociação, nesse caso, não será nada fácil. Por
mais que os pontos de vista apresentados pelo Brasil sejam robustos e
importantes, o interesse econômico dos países desenvolvidos nunca deixou de
prevalecer em detrimento dos países emergentes e subdesenvolvidos. É como se estivesse
marcada a ferro a ideia de que estes existem para servir e garantir o equilíbrio
e o enriquecimento dos poderosos. Não importando, agora, se no mundo real ou
virtual.
Aliás, esse é um outro traço marcante da
Revolução Industrial, em todos os seus momentos, ou seja, prometer mundos e
fundos, maravilhas hipnotizantes, satisfação ilimitada dos desejos e devaneios,
enquanto se permite omitir o lado mais cruel e perverso, o custo a ser pago com
suor e lágrimas pelas gotas de progresso. Sim, olhe com isenção e pragmatismo para as páginas
da história e perceberá quem, de fato, se beneficiou efetiva e amplamente com a
Revolução Industrial.
Lamento, mas ela não aconteceu para tornar o
mundo melhor, mais fluido, mais justo, mais igualitário. Ela surgiu para
ampliar o capital, para fazer render os investimentos da burguesia emergente,
para ocupar as mentes e os braços das camadas populares para que não se
rebelassem contra seus governos, ao molde do que acontecera na Revolução
Francesa. A produção em larga escala não surge para satisfazer demandas
essenciais. Ela surge para vender e ampliar a arrecadação de quem produz.
Assim, a sociedade que aprendeu a consumir
bens manufaturados, agora, consome tecnologia. Por que precisa? Por que é essencial?
Não. Consome não só porque está acondicionada a fazê-lo; mas, porque encontra
pressões sociais de todos os tipos que a obriga a se encaixar no padrão. O que
demonstra que não há, na verdade, um poder genuíno de escolha ou de decisão no
comportamento dos consumidores; principalmente, daqueles oriundos de países em
desenvolvimento ou subdesenvolvidos.
E esse é um ponto muito importante. Na medida
em que essas sociedades não vivenciaram o processo de construção tecnológica em
todas as etapas, elas não foram preparadas, adequada e satisfatoriamente, para o
exercício contínuo de análise critico-reflexiva quanto aos seus prós e contras.
Simplesmente, os resultados dessa tecnologia caíram sobre suas cabeças e uma
infinidade de promessas mirabolantes e atraentes foram feitas para induzi-las
ao consumo, sob um ritmo frenético e ininterrupto de novidades.
A consequência está aí. Um mundo globalizado e
totalmente alienado pelas forças tecnológicas, ou seja, um cenário desolador de
deterioração cognitiva, intelectual, emocional e psicológica, desencadeado pelo
volume avassalador de informações; bem como, da superficialização e manipulação
da realidade factual. A individualidade perdendo o seu espaço para um senso
comum deturpado e distorcido, em razão da incapacidade natural de acompanhar a
velocidade do fluxo interacional e comunicativo. O que significa que o ser
humano tem pago cada vez mais caro pela escassez do próprio tempo, da própria identidade.
Esse é o ônus do despreparo. Leon Tolstói
dizia “Antes de falar sobre o bem da
satisfação das necessidades, é preciso decidir quais necessidades constituem o
bem”. É preciso saber sobre qual perspectiva esse bem se traduz. Se de
todos, de poucos ou de ninguém. Se é um bem subjetivo, imaterial, ou se é
coisificado, precificado, objetificado. Porque olhando para o momento atual,
todas essas questões precisam ser escrutinadas até que se chegue à origem dos
absurdos e dele se parta em busca de uma solução.
Sem isso, de nada adianta duelar com as Big Techs. Ainda que elas se submetam ao ordenamento jurídico nacional, às determinações comerciais do país, às negociações diplomáticas que vierem a ser constituídas, nada disso é garantia, plena e absoluta, de que as sementes da Pós-Verdade não continuem sendo aspergidas pelo mundo até chegar aqui. Segundo Eduardo Galeano, “A história é um profeta com o olhar voltado para trás: pelo que foi, e contra o que foi, anuncia o que será”. Aproveitemos, então, o momento sem desperdiçar o olhar e o entendimento com a estupidez acalorada das paixões. É na persistente resistência burra que o ser humano perde objetividade, clareza, lucidez e discernimento quanto às obviedades maiores da vida.