Entre
a esperança e a desesperança ... O amanhã é uma incógnita.
Por
Alessandra Leles Rocha
Sempre deram ao Brasil a pecha de
postergador. Bem, pode ser. Entretanto, cada dia mais me convenço de que essa
imperfeição comportamental tem mais cara de identidade contemporânea. Curioso,
porque não é um postergar ao pé da letra, na medida em que a dinâmica do
cotidiano é cada vez mais imediatista, mais voltada para o agora. Deixa-se para o amanhã, no sentido de não
refletir sobre as consequências e os desdobramentos, como se houvesse alguma
certeza absoluta em torno do futuro. Só que não é bem assim, que a coisa toda
funciona.
E o que me leva a pensar sobre
isso é exatamente o fato de olhar para o mundo e perceber nos seus rodopios um
eterno requentar de problemas, fazendo parecer que estamos fadados a não sair
do lugar, a não aluir um centímetro sequer rumo ao progresso, à evolução, por
pura displicência e, até mesmo, uma certa dose de irresponsabilidade e
inconsequência, com nossas atitudes, comportamentos e deveres.
Infelizmente, não só não
avançamos dialogicamente em torno dos velhos tabus sociais; mas, conseguimos,
com o passar do tempo, tornar assuntos cotidianos e fundamentais para a
convivência e a coexistência social em tabus, por uma visível perda de habilidade
e de competência para alcançar um denominador com. Uma breve passada pelos
veículos de comunicação e informação para se extrair alguns bons exemplos desse
movimento.
A França vive, nas últimas
semanas, um nível de tensão social absurdo por conta de que “O governo francês acionou um dispositivo
especial para aumentar a idade mínima para aposentadoria de 62 para 64 anos sem
passar pelo Congresso” 1.
Pois é, aqui, ali e acolá, o desconforto sobre a discussão previdenciária é um
fato. Ora, é notoriamente sabido que o mundo está envelhecendo a passos largos
e a população economicamente ativa tornando-se cada vez mais insuficiente para
custear as obrigações previdenciárias.
Porém, ninguém quer trazer isso à
baila, porque implica diretamente na transversalidade de outras questões
espinhosas, tais como desigualdade de gênero, regalias e privilégios
adquiridos, desemprego, empobrecimento social, ... E aí para tentar uma via
alternativa de resolução de algo tão complexo, o governo acabou metendo os pés
pelas mãos, por meio de uma decisão antidialógica, totalmente inábil e equivocada,
que acabou comprometendo e fragilizando diretamente a própria Democracia
francesa.
Na Itália, as “Ações do governo de ultradireita impedem
inclusão em documentos de identificação a filiação de crianças que têm
genitores do mesmo sexo” 2, como se
o mundo tivesse que romper com todas as transformações sociais que o levaram
até o século XXI, para pode caber e se ajustar perfeitamente ao ideário
conservador que os ultradireitas pretendem implantar no mundo.
Enquanto cria cortinas de fumaça
com suas pautas ultraconservadoras, o país ofusca os seus dramas
socioeconômicos que se arrastam historicamente. O que não significa pensar
apenas em relação aos efeitos devastadores da Pandemia de COVID-19 e da guerra
na Ucrânia, ainda em curso. Acontece que dentre as maiores economias europeias,
ela foi a única que não conseguiu recuperar o nível do PIB ao patamar anterior
à crise econômica global de 2008.
O que significa que os italianos
vêm enfrentando no seu dia a dia a questão de uma elevadíssima dívida pública
que impõe severos obstáculos às políticas públicas, inclusive, no que diz
respeito aos eventuais benefícios de renda básica, aumento salarial, melhorias
o sistema previdenciário. Ou seja, discussões demasiadamente indigestas para se
trazer à tona, pois afetam todo o coletivo social, não só uma parcela
específica.
E como não poderia esquecer, a
Rússia, que está no ápice do conflito contra a Ucrânia. Depois da notícia de
que o “Tribunal Penal internacional emite
mandado de prisão contra Putin”, pelo fato de que “O presidente russo e uma funcionária do governo são acusados de
deportar ilegalmente crianças de áreas ocupadas na Ucrânia” 3, ele visita a “Crimeia em aniversário de anexação da península” 4. Este é o ponto; pois, “A Rússia tomou a Crimeia em 2014, oito anos
antes de lançar sua invasão em grande escala da Ucrânia” 5.
A dificuldade em nomear, em
apontar os fatos como eles são, em expressar os pontos de vista no momento
certo, ofereceram à Rússia o tempo necessário para agira segundo seus
propósitos e interesses. Queiram ou não admitir, a inação global em 2014
reverberou a barbárie em 2022/2023, de modo que, agora, o passar do tempo fez
com que as conjunturas fossem amplificadas, tornando tudo muito mais difícil e
complexo no campo geopolítico mundial. Sim, o ensaio bem-sucedido de 2014 deu
origem a uma guerra, em sentido literal.
Veja, caro (a) leitor (a), então,
que esses são só alguns exemplos para ilustrar um universo de situações que,
por vontade própria ou à revelia, acontecem todos os dias e não nos debruçamos
para refletir. Talvez, na tentativa de nos abstermos de nossas
responsabilidades diretas ou indiretas, já que a vida não flui à margem de
ninguém. Mas, a verdade é que estamos sempre no olho do furacão, ou muito
próximo dele, para sentirmos os seus solavancos. Por isso, não se esqueça de
que é sobre nossas cabeças e ombros que caem os escombros das explosões e das
implosões do cotidiano, enquanto nos perguntamos atônitos “E agora, José? “ 6.
1 https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/03/16/o-dia-de-protestos-na-franca-apos-decreto-de-macron-para-reforma-da-previdencia.ghtml
2 https://www.otempo.com.br/mundo/italia-agenda-conservadora-de-meloni-atinge-casais-homossexuais-1.2832631
3 https://g1.globo.com/mundo/ucrania-russia/noticia/2023/03/17/tribunal-internacional-de-crimes-de-guerra-emite-mandado-de-prisao-contra-putin.ghtml
4 https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/03/18/putin-visita-crimeia-em-aniversario-de-anexacao-da-crimeia.ghtml
5 Idem 4.