domingo, 19 de março de 2023

Entre a esperança e a desesperança ... O amanhã é uma incógnita.


Entre a esperança e a desesperança ... O amanhã é uma incógnita.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Sempre deram ao Brasil a pecha de postergador. Bem, pode ser. Entretanto, cada dia mais me convenço de que essa imperfeição comportamental tem mais cara de identidade contemporânea. Curioso, porque não é um postergar ao pé da letra, na medida em que a dinâmica do cotidiano é cada vez mais imediatista, mais voltada para o agora.  Deixa-se para o amanhã, no sentido de não refletir sobre as consequências e os desdobramentos, como se houvesse alguma certeza absoluta em torno do futuro. Só que não é bem assim, que a coisa toda funciona.

E o que me leva a pensar sobre isso é exatamente o fato de olhar para o mundo e perceber nos seus rodopios um eterno requentar de problemas, fazendo parecer que estamos fadados a não sair do lugar, a não aluir um centímetro sequer rumo ao progresso, à evolução, por pura displicência e, até mesmo, uma certa dose de irresponsabilidade e inconsequência, com nossas atitudes, comportamentos e deveres.   

Infelizmente, não só não avançamos dialogicamente em torno dos velhos tabus sociais; mas, conseguimos, com o passar do tempo, tornar assuntos cotidianos e fundamentais para a convivência e a coexistência social em tabus, por uma visível perda de habilidade e de competência para alcançar um denominador com. Uma breve passada pelos veículos de comunicação e informação para se extrair alguns bons exemplos desse movimento.

A França vive, nas últimas semanas, um nível de tensão social absurdo por conta de que “O governo francês acionou um dispositivo especial para aumentar a idade mínima para aposentadoria de 62 para 64 anos sem passar pelo Congresso” 1. Pois é, aqui, ali e acolá, o desconforto sobre a discussão previdenciária é um fato. Ora, é notoriamente sabido que o mundo está envelhecendo a passos largos e a população economicamente ativa tornando-se cada vez mais insuficiente para custear as obrigações previdenciárias.

Porém, ninguém quer trazer isso à baila, porque implica diretamente na transversalidade de outras questões espinhosas, tais como desigualdade de gênero, regalias e privilégios adquiridos, desemprego, empobrecimento social, ... E aí para tentar uma via alternativa de resolução de algo tão complexo, o governo acabou metendo os pés pelas mãos, por meio de uma decisão antidialógica, totalmente inábil e equivocada, que acabou comprometendo e fragilizando diretamente a própria Democracia francesa.

Na Itália, as “Ações do governo de ultradireita impedem inclusão em documentos de identificação a filiação de crianças que têm genitores do mesmo sexo” 2, como se o mundo tivesse que romper com todas as transformações sociais que o levaram até o século XXI, para pode caber e se ajustar perfeitamente ao ideário conservador que os ultradireitas pretendem implantar no mundo.

Enquanto cria cortinas de fumaça com suas pautas ultraconservadoras, o país ofusca os seus dramas socioeconômicos que se arrastam historicamente. O que não significa pensar apenas em relação aos efeitos devastadores da Pandemia de COVID-19 e da guerra na Ucrânia, ainda em curso. Acontece que dentre as maiores economias europeias, ela foi a única que não conseguiu recuperar o nível do PIB ao patamar anterior à crise econômica global de 2008.

O que significa que os italianos vêm enfrentando no seu dia a dia a questão de uma elevadíssima dívida pública que impõe severos obstáculos às políticas públicas, inclusive, no que diz respeito aos eventuais benefícios de renda básica, aumento salarial, melhorias o sistema previdenciário. Ou seja, discussões demasiadamente indigestas para se trazer à tona, pois afetam todo o coletivo social, não só uma parcela específica.

E como não poderia esquecer, a Rússia, que está no ápice do conflito contra a Ucrânia. Depois da notícia de que o “Tribunal Penal internacional emite mandado de prisão contra Putin”, pelo fato de que “O presidente russo e uma funcionária do governo são acusados de deportar ilegalmente crianças de áreas ocupadas na Ucrânia” 3, ele visita a “Crimeia em aniversário de anexação da península” 4. Este é o ponto; pois, “A Rússia tomou a Crimeia em 2014, oito anos antes de lançar sua invasão em grande escala da Ucrânia” 5.

A dificuldade em nomear, em apontar os fatos como eles são, em expressar os pontos de vista no momento certo, ofereceram à Rússia o tempo necessário para agira segundo seus propósitos e interesses. Queiram ou não admitir, a inação global em 2014 reverberou a barbárie em 2022/2023, de modo que, agora, o passar do tempo fez com que as conjunturas fossem amplificadas, tornando tudo muito mais difícil e complexo no campo geopolítico mundial. Sim, o ensaio bem-sucedido de 2014 deu origem a uma guerra, em sentido literal.   

Veja, caro (a) leitor (a), então, que esses são só alguns exemplos para ilustrar um universo de situações que, por vontade própria ou à revelia, acontecem todos os dias e não nos debruçamos para refletir. Talvez, na tentativa de nos abstermos de nossas responsabilidades diretas ou indiretas, já que a vida não flui à margem de ninguém. Mas, a verdade é que estamos sempre no olho do furacão, ou muito próximo dele, para sentirmos os seus solavancos. Por isso, não se esqueça de que é sobre nossas cabeças e ombros que caem os escombros das explosões e das implosões do cotidiano, enquanto nos perguntamos atônitos “E agora, José? “ 6.