quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

O papel da imprensa na pacificação social brasileira


O papel da imprensa na pacificação social brasileira

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Que o cidadão comum seja levado pelos redemoinhos contemporâneos das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), no que diz respeito às suas múltiplas oportunidades de mídias sociais, é compreensível. O cenário da vida contemporânea há algum tempo se divide entre dois mundos, o real e o virtual. Acontece que este último, o virtual, desponta cheio de encantos e novidades potencialmente muito mais favoráveis a capturar a atenção das pessoas do que a realidade em si.

O que merece atenção e reflexão, porque não é um movimento genuinamente natural. Há método. Há planejamento. Há objetivos a serem alcançados. De modo que opiniões, escolhas e decisões do cidadão usuário das tais tecnologias não emergem necessariamente da sua percepção e análise íntima e pessoal. Elas são manipuladas, moldadas, estimuladas, segundo interesses dos grupos que controlam as mídias e os poderes sociais.

Mas não é necessariamente sobre esse viés o meu texto.  A minha reflexão foca justamente naqueles que não poderiam estar compartilhando desse processo, ou seja, a imprensa. Aqui referenciada como todos os veículos de comunicação e informação, comprometidos em trazer ao conhecimento público o que acontece de mais importante no país e no mundo, a partir de análises consistentes, objetivas e isentas.

Infelizmente, sem que a maioria da população se desse conta a respeito do que borbulhava nas profundezas do país, nas últimas décadas, o ideário da direita e seus matizes promoveu a conta-gotas uma contaminação no pensamento social de caráter totalmente raivoso e beligerante. De modo que pequenas explosões no campo das linguagens eram percebidas, mas não compreendidas como algum tipo de risco ou de ameaça à estabilidade.

Ledo engano! A ausência de estrondosa repercussão não significava que aquelas mensagens, não acabariam absorvidas por aí. O efeito formiguinha estava em curso, capturando almas aflitas e vulneráveis que buscavam algum sentido, alguma razão de ser, para suas vidinhas blasé. Sob a lei da afinidade, nesse caso, de pensamento, elas foram se aglutinando lentamente, até perceberem a dimensão de quantos eram.

Pois é, assim nasceu a cisão que dividiu o país em dois extremos, mais profundamente significativos, em razão do aspecto político-partidário em questão. Porque se fôssemos discutir sob a perspectiva histórica nacional, teríamos que considerar que o Brasil sempre foi dividido e essa divisão, que constitui as bases de todas as nossas desigualdades, começa na velha dicotomia casa grande e senzala.  

Mas aqui, nesse contexto, o cerne é a cisão político-partidária entre direitistas e esquerdistas. Uns hasteando a sua bandeira conservadora. Outros a sua bandeira progressista. Acontece que descumprindo as regras da imparcialidade, da isenção, eis que, daqui e dali, começou a pipocar na imprensa matérias, editoriais e artigos de opinião, explicitamente tendenciosos, como se quisessem dar mais munição para a animosidade, a cólera, a gana, a ira, entre simpatizantes de ambos os grupos.

Justamente a imprensa que tem nas mãos os fatos na hora e as bases de conhecimento para analisá-los, havia sido corrompida pelos efeitos deletérios desencadeados a partir dos redemoinhos contemporâneos das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Abdicaram, sem mais nem porquê, do seu papel de extrema relevância social para juntarem-se às legiões de cidadãos verborrágicos, de opiniões limitadas, de conhecimento raso.

E nesse movimento abrupto, ela tomou partido e fragilizou a sua credibilidade. Deixou de abordar fatos concretos para divagar pela perspectiva de impressões próprias, particulares, de seus profissionais, contaminados pelo visco da passionalidade das conjunturas. E quanto mais o tempo foi passando, mais esse fenômeno foi se acirrando e adquirindo proporções cada vez mais questionáveis e antiproducentes. A tal ponto que as notícias se tornaram potentes instrumentos de fomento para a beligerância ideológica no país.

Desse modo, quando ouço pessoas falando sobre a necessidade de pacificar o Brasil, de trazer o bom senso de volta à vida dos cidadãos, não vejo quaisquer possibilidades de êxito sem trazer para essa discussão a imprensa. Tanto os veículos impressos – jornais e revistas – quanto os audiovisuais – rádio, televisão e Internet.

De maneira direta e indireta os discursos de ódio, de intolerância, de revanchismo, que têm marcado claramente as narrativas da direita e seus matizes, estão presentes na imprensa brasileira. Aliás, os quatro últimos anos de governo direitista no país, estabeleceram uma legitimidade discursiva tão contundente para essas pessoas, que não há da parte de alguns desses profissionais, simpatizantes desse ideário, qualquer aplicação de bom senso, de critério, de discernimento, de razão, de sensatez, de responsabilidade, e/ou de respeito.

Se esquecem de que são, por excelência, formadores de opinião. No entanto, dessa maneira eles não cumprem esse papel. Muito pelo contrário. Eles enviesam a discussão para um polo e subtraem do cidadão o direito ao contraditório, à análise multifacetada dos fatos, como se pudessem obrigar o outro a aceitar apenas aquele ponto de vista. E esse tem sido o caminho para a reafirmação da cisão nacional, do ódio, da intolerância, da violência nas suas mais diferentes formas e conteúdos.  

Dizia Gabriel García Márquez que “A ética deve acompanhar sempre o jornalismo, como o zumbido acompanha o besouro”. O que terá feito a contemporaneidade com nossos besouros? Silenciaram de repente e voam às cegas nas suas ilusões. Perdidos na sua total ausência de princípios, de crenças, de valores. Daí não ser à toa que acabamos por descobrir que “O jornalismo moderno tem uma coisa a seu favor. Ao nos oferecer a opinião dos deseducados, ele mantém-nos em dia com a ignorância da comunidade” (Oscar Wilde)