Mais
uma vez, atenção!!!
Por
Alessandra Leles Rocha
Mais uma vez, atenção!
Verborragia ultrajante não é liberdade de expressão. Mundo virtual não é terra
de ninguém. Crimes não deixam de ser crimes em razão do espaço social onde são
cometidos. Assim, reiterado esses esclarecimentos, vamos ao que interessa.
A grande maravilha do mundo não
se concentra no fato de ele rodopiar pela imensidão azul do universo. É muito
mais! É na diversidade e na pluralidade humana, em todas as suas expressões,
formas e conteúdos, que foi possível chegar ao ponto que chegamos em termos
científicos, tecnológicos, criativos, ... Pela composição da individualidade de
mais de 8 bilhões de seres humanos se consegue a construção de coletivos
surpreendentes. O que é maravilhoso para o planeta!
Pois isso significa que por trás
dessas figuras operam bilhões de pensamentos, sentimentos, emoções e ideias,
potencialmente capazes de se agregar e se desdobrar em tantas outras expressões
e manifestações. Entretanto, considerando o fato de que tudo isso só existe
porque existem pessoas, se chega ao óbvio da presença natural de mecanismos
reguladores para os cenários dessas interações sociais.
Pois é. EQUILÍBRIO. BOM SENSO. CAUTELA. CRITÉRIO. DISCERNIMENTO. PONDERAÇÃO.
PROPRIEDADE. PRUDÊNCIA. RAZÃO. REFLEXÃO. SABEDORIA. SENSATEZ. RESPONSABILIDADE. RESPEITO.
Afinal, diante de bilhões de seres humanos distintos é, inevitavelmente,
desafiadora a busca pelo denominador comum. Não só pelas individualidades; mas,
pelos limites éticos, morais, jurídicos, filosóficos, existenciais,
institucionais, que atravessam a vida na sua grande odisseia cotidiana.
E qualquer ser humano em sã
consciência sabe disso! Na prática do dia a dia se acaba descobrindo, meio que
a duras penas, que a liberdade é, de fato, bem menor do que se supunha ou se
deseja. Basta um rompante, um imediatismo, uma impaciência, uma imprudência
qualquer, para que um pequeno caos social seja deflagrado. Porque a vida em si
não oferece a nenhum vivente a prerrogativa de tentar flexibilizar a
liberdade.
Infelizmente, se tornou cada vez
mais comum, na contemporaneidade, exercitar o instinto desafiador. Romper com
as regras, as normas, as leis, os princípios, as ordens, os preceitos, as
determinações, as disposições, as diretrizes, as especificações. Colocar-se
acima do Bem e do Mal. Pagar para ver. Na mais absoluta expressão narcísica.
De modo que o ambiente virtual,
com todas as suas ferramentas, tornou-se o espaço oportuno para potencializar
esse fenômeno. As redes sociais, por exemplo, tornaram-se verdadeiras arenas de
duelos e exibições de grandiosidade, de ostentação, de total ausência de
empatia, de exacerbação do desrespeito e/ou da beligerância. A pseudossensação
de estarem ocultos pelas telas é altamente estimulante. Acontece que esse
entorpecimento momentâneo faz o indivíduo se esquecer de que a circulação
naquele espaço também deixa rastros.
Então, quando são descobertos
começam a desfiar seus rosários de desculpas, de pretextos, de justificativas
rotas. Isso, quando não partem para o recurso da vitimização, como se o mundo
estivesse lhes perseguindo e punindo arbitrariamente. Foi desse modo que se
propagou o discurso que tenta estabelecer uma sinonímia entre esses
comportamentos deploráveis, criminosos, e a liberdade de expressão.
Trata-se, portanto, de uma
tentativa inútil de deslegitimar toda e qualquer tipificação criminal existente
nas suas falas e comportamentos e atenuar eventuais punições cabíveis. Cuja
razão para acontecer se concentra no desejo de uma liberdade total e
irrestrita; mas, que esteja dissociada completamente das responsabilidades, dos
deveres, das obrigações cidadãs e sociais. É aí que a situação fica ruim! Porque
isso não dá.
Você pode pensar. Você pode ter
suas opiniões. Você pode e deve discordar, sempre que considerar acertado
fazê-lo. Você pode; mas, desde que, não se esqueça de garantir o equilíbrio, o
bom senso, a cautela, o critério, o discernimento, a ponderação, ... no momento
de se expressar, de falar, de conduzir o debate, a discussão. Porque a
existência humana é assim, ela se dá com base nesse acordo, quase, tácito, imposto
pelos limites e mecanismos reguladores do cotidiano.
Não é à toa que, daqui e dali,
você vai sendo continuamente lembrado de que só pode ir até a página dois da
história. Que a verborragia precisa ser contida, a qualquer custo. Caso
contrário, o resultado pode lhe causar muita dor de cabeça, muita confusão. Controlar-se
na linguagem, na comunicação, na expressão, nesse mundo contemporâneo, seria
semelhante a não pisar no acelerador do carro e deixá-lo atingir o máximo da
sua potência sob o risco iminente de uma fatalidade.
E pensando sobre tudo isso, lembrei-me de que José Saramago, certa vez, escreveu que “A palavra deixou de ter conteúdo e de ter qualquer coisa dentro, é pronunciada com uma leviandade total”. Então, colocando reparo nas entrelinhas dessa ideia, somos impactados pela consciência do desprezo com o qual a raça humana tem feito uso da sua capacidade intelectual e cognitiva. Ao desvalorizar tamanha dádiva, o bicho homem acaba por reafirmar cada vez mais o seu desejo de voltar a ser homem bicho, ou seja, um ignorante, um primitivo, um bruto, um inculto, um rude, um malcriado, um boçal.