quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Mais uma vez, atenção!!!


Mais uma vez, atenção!!!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Mais uma vez, atenção! Verborragia ultrajante não é liberdade de expressão. Mundo virtual não é terra de ninguém. Crimes não deixam de ser crimes em razão do espaço social onde são cometidos. Assim, reiterado esses esclarecimentos, vamos ao que interessa.

A grande maravilha do mundo não se concentra no fato de ele rodopiar pela imensidão azul do universo. É muito mais! É na diversidade e na pluralidade humana, em todas as suas expressões, formas e conteúdos, que foi possível chegar ao ponto que chegamos em termos científicos, tecnológicos, criativos, ... Pela composição da individualidade de mais de 8 bilhões de seres humanos se consegue a construção de coletivos surpreendentes. O que é maravilhoso para o planeta!

Pois isso significa que por trás dessas figuras operam bilhões de pensamentos, sentimentos, emoções e ideias, potencialmente capazes de se agregar e se desdobrar em tantas outras expressões e manifestações. Entretanto, considerando o fato de que tudo isso só existe porque existem pessoas, se chega ao óbvio da presença natural de mecanismos reguladores para os cenários dessas interações sociais.

Pois é. EQUILÍBRIO. BOM SENSO. CAUTELA. CRITÉRIO. DISCERNIMENTO. PONDERAÇÃO. PROPRIEDADE. PRUDÊNCIA. RAZÃO. REFLEXÃO. SABEDORIA. SENSATEZ. RESPONSABILIDADE. RESPEITO. Afinal, diante de bilhões de seres humanos distintos é, inevitavelmente, desafiadora a busca pelo denominador comum. Não só pelas individualidades; mas, pelos limites éticos, morais, jurídicos, filosóficos, existenciais, institucionais, que atravessam a vida na sua grande odisseia cotidiana.

E qualquer ser humano em sã consciência sabe disso! Na prática do dia a dia se acaba descobrindo, meio que a duras penas, que a liberdade é, de fato, bem menor do que se supunha ou se deseja. Basta um rompante, um imediatismo, uma impaciência, uma imprudência qualquer, para que um pequeno caos social seja deflagrado. Porque a vida em si não oferece a nenhum vivente a prerrogativa de tentar flexibilizar a liberdade. 

Infelizmente, se tornou cada vez mais comum, na contemporaneidade, exercitar o instinto desafiador. Romper com as regras, as normas, as leis, os princípios, as ordens, os preceitos, as determinações, as disposições, as diretrizes, as especificações. Colocar-se acima do Bem e do Mal. Pagar para ver. Na mais absoluta expressão narcísica.

De modo que o ambiente virtual, com todas as suas ferramentas, tornou-se o espaço oportuno para potencializar esse fenômeno. As redes sociais, por exemplo, tornaram-se verdadeiras arenas de duelos e exibições de grandiosidade, de ostentação, de total ausência de empatia, de exacerbação do desrespeito e/ou da beligerância. A pseudossensação de estarem ocultos pelas telas é altamente estimulante. Acontece que esse entorpecimento momentâneo faz o indivíduo se esquecer de que a circulação naquele espaço também deixa rastros.

Então, quando são descobertos começam a desfiar seus rosários de desculpas, de pretextos, de justificativas rotas. Isso, quando não partem para o recurso da vitimização, como se o mundo estivesse lhes perseguindo e punindo arbitrariamente. Foi desse modo que se propagou o discurso que tenta estabelecer uma sinonímia entre esses comportamentos deploráveis, criminosos, e a liberdade de expressão. 

Trata-se, portanto, de uma tentativa inútil de deslegitimar toda e qualquer tipificação criminal existente nas suas falas e comportamentos e atenuar eventuais punições cabíveis. Cuja razão para acontecer se concentra no desejo de uma liberdade total e irrestrita; mas, que esteja dissociada completamente das responsabilidades, dos deveres, das obrigações cidadãs e sociais. É aí que a situação fica ruim! Porque isso não dá.

Você pode pensar. Você pode ter suas opiniões. Você pode e deve discordar, sempre que considerar acertado fazê-lo. Você pode; mas, desde que, não se esqueça de garantir o equilíbrio, o bom senso, a cautela, o critério, o discernimento, a ponderação, ... no momento de se expressar, de falar, de conduzir o debate, a discussão. Porque a existência humana é assim, ela se dá com base nesse acordo, quase, tácito, imposto pelos limites e mecanismos reguladores do cotidiano.

Não é à toa que, daqui e dali, você vai sendo continuamente lembrado de que só pode ir até a página dois da história. Que a verborragia precisa ser contida, a qualquer custo. Caso contrário, o resultado pode lhe causar muita dor de cabeça, muita confusão. Controlar-se na linguagem, na comunicação, na expressão, nesse mundo contemporâneo, seria semelhante a não pisar no acelerador do carro e deixá-lo atingir o máximo da sua potência sob o risco iminente de uma fatalidade.

E pensando sobre tudo isso, lembrei-me de que José Saramago, certa vez, escreveu que “A palavra deixou de ter conteúdo e de ter qualquer coisa dentro, é pronunciada com uma leviandade total”. Então, colocando reparo nas entrelinhas dessa ideia, somos impactados pela consciência do desprezo com o qual a raça humana tem feito uso da sua capacidade intelectual e cognitiva. Ao desvalorizar tamanha dádiva, o bicho homem acaba por reafirmar cada vez mais o seu desejo de voltar a ser homem bicho, ou seja, um ignorante, um primitivo, um bruto, um inculto, um rude, um malcriado, um boçal.