Muita
fumaça. Pouco barulho. E...
Por
Alessandra Leles Rocha
Derrotada na eleição do Senado
Federal, e pasmem, com voto em cédula de papel, realmente não restaria outro caminho
à ultradireita e seus simpatizantes senão tentarem um efeito midiático de
última hora.
Pois é, em outros tempos, a
declaração explosiva em torno do já tão discutido golpismo, apresentada à
imprensa por um senador da República, ligado a tal corrente ideológica, causaria
mesmo um frisson na Capital federal.
Acontece que, dadas as circunstâncias
e o contexto dos recentes acontecimentos no país, ela foi impactante “pero no mucho”. Primeiro, pela tão
inusitada coincidência com a derrota ocorrida ontem. Segundo, porque envolvido
pela visibilidade oportunizada pelos veículos de comunicação e informação, o
referido Senador se perdeu entre fatos e versões ao tecer sua narrativa.
Portanto, foi impossível, até mesmo, para o mais ingênuo e distraído cidadão, não
perceber o excesso de incongruências da história, tornando-a frágil e
inconsistente argumentativamente para sustentar a sua estrutura comprobatória.
Mas, como dizem por aí, peneirando
bem, analisando com cuidado os fragmentos dos escombros, sempre se encontra
alguma pista, algum vestígio revelador. Bingo! Ao contrário do que poderia
parecer, o foco da tal declaração não era o golpismo em si, mas a figura que mais
incomodou o Executivo federal, na recente passagem da ultradireita e seus
simpatizantes, ou seja, o Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente, a
pessoa do Ministro Alexandre de Moraes.
Criar um disse me disse
envolvendo o referido Ministro é o objetivo, para lançar suspeição do seu
trabalho nas ações que envolvem personagens desse segmento político-partidário.
Uma narrativa como a que tentou ser emplacada pelo Senador visa, então,
inflamar os apoiadores direitistas, de todas as vertentes, contra a Corte
Suprema do país, com base em teorias conspiratórias que pudessem afetar a
credibilidade das decisões dos ministros.
Ora, mas isso não surpreende. A fúria
que se abateu sobre os palácios dos três poderes da República, em 08 de
janeiro, comprovou que os atos cometidos contra o prédio do STF foram os mais
violentos, os mais odiosos. O que significa que esse tem sido o principal
objeto da beligerância da ultradireita e seus simpatizantes ao longo desses
quatro anos de governo.
Bastou que a Corte passasse a ser
provocada por diversos setores da sociedade, diante de medidas e decisões absurdamente
contrárias aos interesses da população, do país e da Constituição Federal, para
que o movimento judicializante instituído desagradasse por completo as forças que
estavam no poder ou próximos a ele.
Desse modo, eles realmente
partiram para a belicosidade em todas as suas formas e conteúdos, tanto no
mundo real quanto virtual. Observem que, sendo o STF o guardião da Constituição,
as pautas antidemocráticas defendidas pela ultradireita e seus simpatizantes vieram,
até aqui, dando sinais claros sobre quem estava dirigida a sua fúria. De certo
modo, ao eleger o STF como o seu bode expiatório, encontrou-se algo
suficientemente forte para justificar a sua incapacidade de gerir o país, de
atender aos anseios daqueles que os apoiaram, sem precisar dar maiores detalhes
e informações sobre suas reais intenções.
E como não fica só nisso, hoje mesmo,
em meio a tal declaração explosiva, já se ventilavam, no grupo dos senadores ligados
ou simpatizantes à ultradireita, não só resgatar a ideia de uma Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar eventuais desajustes nas
atribuições e trabalhos dos Ministros do STF, como, também, criar instrumentos
legais para frear o que consideram excessos dos atores do judiciário
brasileiro.
Vejam, começam a se esclarecer,
portanto, as verdadeiras intenções da ultradireita e seus simpatizantes no
Senado Federal e, talvez, quem sabe, na Câmara dos Deputados também. É preciso
entender que cada rompante midiático desses rende muito, em termos de
visibilidade junto aos seus seguidores, nos veículos de comunicação e
informação da web e da deep web. Cada recorte é milimetricamente pensado e
organizado para se tornar material de manipulação e convencimento social para
uso de efeito multiplicador pela sua claque.
Mesmo que todas as tentativas e
planos infalíveis fracassem, eles ainda garantiriam a reafirmação do seu
espaço, da sua imagem, das suas ideias. E esse é um capital político importante
para a ultradireita e seus simpatizantes. Talvez, bem mais do que a presença de
expoentes que poderiam, de repente, não lograr o êxito esperado no curso do
processo histórico. Como diria George Orwell, nada mais do que a lógica contemporânea
na qual “A massa mantém a marca, a marca
mantém a mídia e a mídia controla a massa” (1984).
No entanto, no frigir dos ovos,
depois de tecer essas reflexões, o que emerge desse pântano lodoso é surpreendente.
Todo o discurso golpista que tem atravessado os recentes dias nacionais, entre
fatos e especulações, não busca abalar ou destruir necessariamente a Democracia
ou o atual governo; mas, o Estado de Direito. Simplesmente porque ele é o que materializa
uma situação jurídica, um sistema institucional, que determina a todos, sem
distinção de qualquer natureza, a submissão ao direito, ou seja, ao respeito às
normas e aos direitos fundamentais. Tudo o que a ultradireita e seus
simpatizantes rejeita e abomina.
Afinal, eles cultivam em si a
crença de que nasceram para estar acima do Bem e do Mal. Que as regras, os princípios,
os valores e as leis são estabelecidas segundo seus quereres e vontades. Portanto,
qualquer coisa ou indivíduo que venha, ocasionalmente, a se interpor nos seus
caminhos deve ser eliminado. O que significa que eles tendem a permanecer
obstinados nessa sina; mas, quem sabe, um pouco mais contidos, quando tiverem
que responder pelos seus atos criminosos junto à Justiça e forem, então, submetidos
aos rigores da lei.
Assim, aguardemos; pois, como dizia José Saramago, “Das habilidades que o mundo sabe, essa ainda é a que faz melhor: dar voltas”. De modo que, nesse sentido, é bom não se esquecer de um detalhe singelo, “Não brinque com os outros, o mundo gira. Hoje você brinca, amanhã é brinquedo! ” (Caio Fernando Abreu).