Qual
o impacto das esperanças socioambientais submergidas?
Por
Alessandra Leles Rocha
Lamento, mas não foi só o
porta-aviões desativado São Paulo que afundou em águas brasileiras 1. Afundam com ele, de alguma forma, a consciência
ambiental, os valores da sustentabilidade, o sentido da responsabilidade
cidadã, enfim. E isso acontece porque, em pleno século XXI, o Brasil ainda
teima em se desenvolver com base em equipamentos e tecnologias retrógradas
vendidas a preço, nem tão de banana assim, pelos países de vanguarda.
O que se explica, em grande
parte, pelo fato do nosso desdém voluntário em assumir qualquer protagonismo no
campo científico e tecnológico, que nos coloca de pires na mão para acordos que,
claramente, não nos beneficiam em absolutamente nada. Ao contrário, acabamos na
condição de um verdadeiro lixão de sucatas obsoletas, as quais só dão margem
para eventuais consequências desastrosas ao nosso meio ambiente.
No entanto, isso não é tudo no
rol das bizarrices nacionais. Ora, enquanto o tal porta-aviões é afundado sem
muita cerimônia e precaução, o momento é favorável a se traçar um paralelo com
os recentes acontecimentos nacionais. A princípio essa ideia pode parecer
descabida, mas garanto que não é.
Vejamos que enquanto borbulha a
crise Yanomami, no retrato de uma guerra perversa e cruel de contingentes exploratórios
ilegais contra a população indígena, na região norte brasileira, temos que
assistir a sucata de aço, ferro, 9,6 toneladas de amianto, substância que tem
alto potencial tóxico e cancerígeno, e 644 toneladas de tintas e outros
materiais perigosos 2, desaparecer
no fundo do litoral brasileiro, sem que tenhamos participado de nenhuma guerra
geopolítica, desde a Segunda Guerra Mundial.
Pois é, o Brasil investe em
coisas totalmente non sense. Navios de patrulhamento, em face de uma costa
significativa, seria o mais adequado e coerente. Mas, um porta-aviões? Para quê,
se sempre nos gabamos da diplomacia pacifista nacional? Qual a razão plausível que
justificaria sem maiores contestações uma decisão como essa? Diante do silêncio
eloquente das respostas a esses questionamentos, a certeza de um fato consumado
e que agora, repercute através de uma reverberação negativa e contraditória ao
novo cenário da política socioambiental brasileira.
À espera de um inimigo que nunca
chega, de uma guerra hipotética de proporções inimagináveis, nosso sistema de
defesa se esquece de olhar o que nos aflige internamente a honra, a
integridade, a soberania, a ordem e a segurança. Permitindo que o mais triste e
deplorável conflito entre seres humanos, no país, chegue a tal ponto de expô-lo
aos extremos da indignidade, da miséria, do sofrimento, da destruição da sua própria
gente.
Movido por um incontrolável e
irracional imediatismo, o Brasil age por impulso e paga um preço altíssimo por
suas recorrentes imprevidências; sobretudo, no que diz respeito às
fundamentações que deveriam estar alinhadas à chamada Patologia Ambiental. Bem,
uma imensa maioria dos brasileiros é, de fato, ignorante no sentido de
desconhecer por completo o que isso significa; mas, esclareço que me refiro a
todas as doenças que englobam condições causadas pela exposição, temporária ou
permanente, de agentes físicos e químicos no meio ambiente.
Nesse sentido, ao favorecer o
garimpo ilegal, ou afundar um porta-aviões desativado, ou consentir com o derramamento
de esgoto nas praias e mangues, ou ... ou ... ou ... o país aceita hastear a
bandeira do adoecimento grave da sua população, como consequência mais
emblemática das suas escolhas político-administrativas erráticas. Sim, porque a
destruição ambiental não se resume a si mesma, ela expande e se ramifica por
impactos diversos sobre a realidade humana e cidadã.
De modo que enquanto o país se
estarrece diante da divulgação dos horrores do mercúrio despejado criminosamente
nas terras e águas dos Yanomamis, constituindo um cenário apocalíptico como o
que aconteceu em Minamata, no Japão, na década de 50 e 60, o porta-aviões
desativado, e agora afundado, carrega uma infinidade de outros agentes físicos
e químicos de alto potencial patológico.
O amianto ou asbesto, por
exemplo, é uma fibra mineral que provoca, quando inalada, o desenvolvimento de
diversos tipos de câncer. Já as tintas são motivo de alerta pela presença de
Chumbo, um metal pesado, que pode levar a alterações de personalidade, cefaleia,
perda de sensibilidade, fraqueza, sabor metálico no sangue, instabilidade de
locomoção, problemas digestivos e anemia severa, podendo evoluir para leucemia.
Mas, nos rondando a todo instante
na nossa realidade brasileira urbanoindustrial contemporânea, estamos à mercê sim,
dos efeitos da Patologia Ambiental, que é fruto da imprevidência e da
irresponsabilidade humana. Em nome de decisões políticas, econômicas, burocráticas,
os indivíduos se abstêm de pensar analítica e reflexivamente a respeito dos
desdobramentos intrínsecos às relações socioambientais.
Desse modo, um porta-aviões como
esse que foi afundado, não representa somente um recurso público empregado de
maneira equivocada e desnecessária; mas, sobretudo, um potencial ônus futuro a
ser cobrado mediante as consequências dos impactos socioambientais decorrentes
da sua submersão. O que significa que se pagou caro demais por algo que não
restituiu satisfatória e plenamente o investimento, podendo ainda reverberar
por muito tempo camadas e mais camadas de prejuízos distintos para a sociedade.
Infelizmente, esse é mais um
triste episódio a refletir a dimensão da falta de planejamento, de critério, de
responsabilidade técnica, sobre as verdadeiras demandas nacionais. É como se,
apesar de pouco mais de 500 anos de história, o Brasil não conhecesse o Brasil,
na profundidade necessária a lhe permitir estabelecer com equilíbrio, bom
senso, cautela, critério, prudência, razão e responsabilidade, as suas
prioridades. O que explica o seu histórico movimento de andar em círculos sem
conseguir romper com suas mazelas.