sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Qual o impacto das esperanças socioambientais submergidas?


Qual o impacto das esperanças socioambientais submergidas?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Lamento, mas não foi só o porta-aviões desativado São Paulo que afundou em águas brasileiras 1. Afundam com ele, de alguma forma, a consciência ambiental, os valores da sustentabilidade, o sentido da responsabilidade cidadã, enfim. E isso acontece porque, em pleno século XXI, o Brasil ainda teima em se desenvolver com base em equipamentos e tecnologias retrógradas vendidas a preço, nem tão de banana assim, pelos países de vanguarda.   

O que se explica, em grande parte, pelo fato do nosso desdém voluntário em assumir qualquer protagonismo no campo científico e tecnológico, que nos coloca de pires na mão para acordos que, claramente, não nos beneficiam em absolutamente nada. Ao contrário, acabamos na condição de um verdadeiro lixão de sucatas obsoletas, as quais só dão margem para eventuais consequências desastrosas ao nosso meio ambiente.

No entanto, isso não é tudo no rol das bizarrices nacionais. Ora, enquanto o tal porta-aviões é afundado sem muita cerimônia e precaução, o momento é favorável a se traçar um paralelo com os recentes acontecimentos nacionais. A princípio essa ideia pode parecer descabida, mas garanto que não é.

Vejamos que enquanto borbulha a crise Yanomami, no retrato de uma guerra perversa e cruel de contingentes exploratórios ilegais contra a população indígena, na região norte brasileira, temos que assistir a sucata de aço, ferro, 9,6 toneladas de amianto, substância que tem alto potencial tóxico e cancerígeno, e 644 toneladas de tintas e outros materiais perigosos 2, desaparecer no fundo do litoral brasileiro, sem que tenhamos participado de nenhuma guerra geopolítica, desde a Segunda Guerra Mundial.

Pois é, o Brasil investe em coisas totalmente non sense. Navios de patrulhamento, em face de uma costa significativa, seria o mais adequado e coerente. Mas, um porta-aviões? Para quê, se sempre nos gabamos da diplomacia pacifista nacional? Qual a razão plausível que justificaria sem maiores contestações uma decisão como essa? Diante do silêncio eloquente das respostas a esses questionamentos, a certeza de um fato consumado e que agora, repercute através de uma reverberação negativa e contraditória ao novo cenário da política socioambiental brasileira.

À espera de um inimigo que nunca chega, de uma guerra hipotética de proporções inimagináveis, nosso sistema de defesa se esquece de olhar o que nos aflige internamente a honra, a integridade, a soberania, a ordem e a segurança. Permitindo que o mais triste e deplorável conflito entre seres humanos, no país, chegue a tal ponto de expô-lo aos extremos da indignidade, da miséria, do sofrimento, da destruição da sua própria gente.

Movido por um incontrolável e irracional imediatismo, o Brasil age por impulso e paga um preço altíssimo por suas recorrentes imprevidências; sobretudo, no que diz respeito às fundamentações que deveriam estar alinhadas à chamada Patologia Ambiental. Bem, uma imensa maioria dos brasileiros é, de fato, ignorante no sentido de desconhecer por completo o que isso significa; mas, esclareço que me refiro a todas as doenças que englobam condições causadas pela exposição, temporária ou permanente, de agentes físicos e químicos no meio ambiente.

Nesse sentido, ao favorecer o garimpo ilegal, ou afundar um porta-aviões desativado, ou consentir com o derramamento de esgoto nas praias e mangues, ou ... ou ... ou ... o país aceita hastear a bandeira do adoecimento grave da sua população, como consequência mais emblemática das suas escolhas político-administrativas erráticas. Sim, porque a destruição ambiental não se resume a si mesma, ela expande e se ramifica por impactos diversos sobre a realidade humana e cidadã.

De modo que enquanto o país se estarrece diante da divulgação dos horrores do mercúrio despejado criminosamente nas terras e águas dos Yanomamis, constituindo um cenário apocalíptico como o que aconteceu em Minamata, no Japão, na década de 50 e 60, o porta-aviões desativado, e agora afundado, carrega uma infinidade de outros agentes físicos e químicos de alto potencial patológico.

O amianto ou asbesto, por exemplo, é uma fibra mineral que provoca, quando inalada, o desenvolvimento de diversos tipos de câncer. Já as tintas são motivo de alerta pela presença de Chumbo, um metal pesado, que pode levar a alterações de personalidade, cefaleia, perda de sensibilidade, fraqueza, sabor metálico no sangue, instabilidade de locomoção, problemas digestivos e anemia severa, podendo evoluir para leucemia.  

Mas, nos rondando a todo instante na nossa realidade brasileira urbanoindustrial contemporânea, estamos à mercê sim, dos efeitos da Patologia Ambiental, que é fruto da imprevidência e da irresponsabilidade humana. Em nome de decisões políticas, econômicas, burocráticas, os indivíduos se abstêm de pensar analítica e reflexivamente a respeito dos desdobramentos intrínsecos às relações socioambientais.

Desse modo, um porta-aviões como esse que foi afundado, não representa somente um recurso público empregado de maneira equivocada e desnecessária; mas, sobretudo, um potencial ônus futuro a ser cobrado mediante as consequências dos impactos socioambientais decorrentes da sua submersão. O que significa que se pagou caro demais por algo que não restituiu satisfatória e plenamente o investimento, podendo ainda reverberar por muito tempo camadas e mais camadas de prejuízos distintos para a sociedade.

Infelizmente, esse é mais um triste episódio a refletir a dimensão da falta de planejamento, de critério, de responsabilidade técnica, sobre as verdadeiras demandas nacionais. É como se, apesar de pouco mais de 500 anos de história, o Brasil não conhecesse o Brasil, na profundidade necessária a lhe permitir estabelecer com equilíbrio, bom senso, cautela, critério, prudência, razão e responsabilidade, as suas prioridades. O que explica o seu histórico movimento de andar em círculos sem conseguir romper com suas mazelas.

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