Cuidado!
Da permissividade para ilegalidade é um pulo!
Por
Alessandra Leles Rocha
Aos que andam com a memória
curta, não faz muito tempo que o Brasil foi testemunha do assassinato do
indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Philips, na região amazônica
do Vale do Javari, cujo mandante foi um traficante conhecido como “Colômbia” 1.
Afinal, essa é uma informação importante para a reflexão que proponho
fazer.
Diante da crise humanitária e
ambiental no espaço dos povos Yanomamis, em Roraima, muito se tem debatido
sobre a complexidade que envolve a questão do garimpo ilegal. De modo que é
preciso extrair as camadas desse tema para que seja possível pensar com
seriedade e responsabilidade a respeito.
Assim, a emblemática perda de
Bruno e Dom Philips escancara não só a dimensão da infestação de garimpeiros
ilegais na região amazônica; mas, de traficantes, piratas e demais estruturas
do crime organizado 2. O que
coloca por terra a ideia, quase pueril, de que as práticas ambientalmente
depredatórias e ilegais, naquele espaço geográfico, são frutos da mão-de-obra
ribeirinha que diante da miséria, da falta de oportunidades e da desassistência
do Estado são levadas a isso.
O que não significa que
desconsidero a possibilidade de cidadãos locais nessa situação. Acontece que é
preciso um filtro muito bem apurado para determinar a realidade dos fatos,
estabelecendo quem é quem nesse balaio de gatos delituoso. Porque são
perspectivas muito distintas para que sejam aplicadas as mesmas soluções. São muitos
os crimes tipificados na legislação brasileira, ocorridos na região amazônica;
mas, há de se pesar na avaliação o dolo e a culpa, segundo os agentes
envolvidos no processo.
Desse modo, não dá para cogitar a
hipótese levantada pelo Govenador de Roraima, por exemplo, ardoroso defensor
dos garimpos em terras indígenas, sobre a “criação
de programas sociais para garimpeiros que deixarem Terra Yanomami” 3, sem separar o joio do trigo nessa
história. Primeiro, porque se ele fala de programas sociais para garimpeiros,
referindo-se à figura de ribeirinhos nativos, miseráveis, carentes de
oportunidades e desassistidos pelo Estado, a ideia sugere de pronto a omissão quanto
à sua própria parcela de responsabilidade no trabalho de construção desse
cenário social caótico e desumano. O que significa, que ele não agiu segundo o
seu compromisso constitucional e, agora, busca no governo federal a solução do
problema, que faz questão de não ver.
Segundo, porque se ele fala de
programas sociais para garimpeiros, referindo-se à figura de traficantes,
piratas e demais estruturas do crime organizado, que já se sabe atuar naquela
região, a ideia sugere premiar a ilegalidade, quando se deveria exigir desses indivíduos
o ressarcimento material ao erário, por todos os delitos cometidos. Não se
tratam de pobres diabos, sem eira e nem beira, que precisam de políticas assistenciais.
Eles escolheram dedicar-se, de corpo e alma, ao enriquecimento ilícito seja
qual for a forma necessária. Com eles não há diálogo de sustentabilidade que
seja capaz de transformar suas crenças, valores e princípios. Eles não se
contentam com pouco. Eles querem muito. Eles querem sempre. Eles querem mais.
Portanto, é preciso dar nome
certo as coisas, para que as soluções possam emergir satisfatórias e eficientes.
Há uma corrente de forças, há tempos, que não admite ver a Floreta Amazônica de
pé, querem acabar com tudo. Uma avidez tão cruel e perversa quanto a que se viu
reinar nos tempos do Brasil colonial. No entanto, depois de muitas voltas que o
mundo deu, a própria força das conjunturas provou, por a mais b, que sem
políticas ambientalmente sustentáveis ele não resistirá por muito tempo. O que
levou os olhos do mundo a se voltarem para o que resta do meio ambiente,
incluindo à Amazônia.
O que significa que por aqueles ribeirinhos
nativos, miseráveis, carentes de oportunidades e desassistidos pelo Estado, o
governo federal, a partir de agora, poderá fazer mais do que esperam. Mais do
que desenvolver uma consciência socioambiental pujante, eles poderão participar
ativamente dos projetos e parcerias voltadas para o uso sustentável dos
recursos naturais da região. O resgate desses cidadãos será pelo impulso da
economia verde, ou seja, através de práticas propostas em um modelo de
economia, voltada para o bem-estar humano e para a igualdade social, sem que
imponha riscos ambientais e/ou de escassez ecológica. Assim, ela propõe o
consumo consciente, a reciclagem, a reutilização de bens e produtos, o uso de
energia limpa e a valoração da biodiversidade.
Quanto aqueles ligados ou
associados às práticas criminosas, ilegais, não cabe outro caminho senão
acertarem as contas com o sistema judiciário brasileiro, na proporção dos seus
delitos. É preciso mecanismos ágeis e eficientes para romper com a máxima, instituída
no país, de que o crime compensa porque a impunidade reina absoluta. Ora, como cogitar,
por exemplo, a realização da próxima Conferência do Clima da Organização das
Nações Unidas (COP), na região Amazônica, segundo sugestão do atual Presidente da
República, com essa mácula tão constrangedora ao Brasil? Pesa sobre o país, ao
longo de toda a sua história, um rastro de sangue, de morte e de destruição
socioambiental, que clama superação.
Assim, o recorte histórico presente
não é só abjeto e repulsivo, pela sua barbárie brutal e insana. Apesar de todos
os pesares, ele ainda guarda um lado educativo capaz de fazer pensar, fazer
lembrar que “O desenvolvimento humano só
existirá se a sociedade civil afirmar cinco pontos fundamentais: igualdade,
diversidade, participação, solidariedade e liberdade” (Herbert José de Sousa –
Betinho). O que significa que, no campo da sustentabilidade socioambiental,
“Para nascer um novo Brasil, humano,
solidário, democrático, é fundamental que uma nova cultura se estabeleça, que
uma nova economia se implante e que um novo poder expresse a sociedade
democrática e a democracia no Estado” (Herbert José de Sousa – Betinho). Em
suma, que todos sejam capazes de firmar o seguinte compromisso, “Eu sou o que me cerca. Se eu não preservar
o que me cerca, eu não me preservo” (José Ortega y Gasset).
1 https://www.poder360.com.br/brasil/traficante-foi-mandante-do-assassinato-de-bruno-e-dom-diz-pf/#:~:text=A%20PF%20(Pol%C3%ADcia%20Federal)%20confirmou,5%20de%20junho%20de%202022.