terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Cuidado! Da permissividade para ilegalidade é um pulo!


Cuidado! Da permissividade para ilegalidade é um pulo!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Aos que andam com a memória curta, não faz muito tempo que o Brasil foi testemunha do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Philips, na região amazônica do Vale do Javari, cujo mandante foi um traficante conhecido como “Colômbia” 1. Afinal, essa é uma informação importante para a reflexão que proponho fazer.

Diante da crise humanitária e ambiental no espaço dos povos Yanomamis, em Roraima, muito se tem debatido sobre a complexidade que envolve a questão do garimpo ilegal. De modo que é preciso extrair as camadas desse tema para que seja possível pensar com seriedade e responsabilidade a respeito.

Assim, a emblemática perda de Bruno e Dom Philips escancara não só a dimensão da infestação de garimpeiros ilegais na região amazônica; mas, de traficantes, piratas e demais estruturas do crime organizado 2. O que coloca por terra a ideia, quase pueril, de que as práticas ambientalmente depredatórias e ilegais, naquele espaço geográfico, são frutos da mão-de-obra ribeirinha que diante da miséria, da falta de oportunidades e da desassistência do Estado são levadas a isso.

O que não significa que desconsidero a possibilidade de cidadãos locais nessa situação. Acontece que é preciso um filtro muito bem apurado para determinar a realidade dos fatos, estabelecendo quem é quem nesse balaio de gatos delituoso. Porque são perspectivas muito distintas para que sejam aplicadas as mesmas soluções. São muitos os crimes tipificados na legislação brasileira, ocorridos na região amazônica; mas, há de se pesar na avaliação o dolo e a culpa, segundo os agentes envolvidos no processo.

Desse modo, não dá para cogitar a hipótese levantada pelo Govenador de Roraima, por exemplo, ardoroso defensor dos garimpos em terras indígenas, sobre a “criação de programas sociais para garimpeiros que deixarem Terra Yanomami” 3, sem separar o joio do trigo nessa história. Primeiro, porque se ele fala de programas sociais para garimpeiros, referindo-se à figura de ribeirinhos nativos, miseráveis, carentes de oportunidades e desassistidos pelo Estado, a ideia sugere de pronto a omissão quanto à sua própria parcela de responsabilidade no trabalho de construção desse cenário social caótico e desumano. O que significa, que ele não agiu segundo o seu compromisso constitucional e, agora, busca no governo federal a solução do problema, que faz questão de não ver.   

Segundo, porque se ele fala de programas sociais para garimpeiros, referindo-se à figura de traficantes, piratas e demais estruturas do crime organizado, que já se sabe atuar naquela região, a ideia sugere premiar a ilegalidade, quando se deveria exigir desses indivíduos o ressarcimento material ao erário, por todos os delitos cometidos. Não se tratam de pobres diabos, sem eira e nem beira, que precisam de políticas assistenciais. Eles escolheram dedicar-se, de corpo e alma, ao enriquecimento ilícito seja qual for a forma necessária. Com eles não há diálogo de sustentabilidade que seja capaz de transformar suas crenças, valores e princípios. Eles não se contentam com pouco. Eles querem muito. Eles querem sempre. Eles querem mais.

Portanto, é preciso dar nome certo as coisas, para que as soluções possam emergir satisfatórias e eficientes. Há uma corrente de forças, há tempos, que não admite ver a Floreta Amazônica de pé, querem acabar com tudo. Uma avidez tão cruel e perversa quanto a que se viu reinar nos tempos do Brasil colonial. No entanto, depois de muitas voltas que o mundo deu, a própria força das conjunturas provou, por a mais b, que sem políticas ambientalmente sustentáveis ele não resistirá por muito tempo. O que levou os olhos do mundo a se voltarem para o que resta do meio ambiente, incluindo à Amazônia.

O que significa que por aqueles ribeirinhos nativos, miseráveis, carentes de oportunidades e desassistidos pelo Estado, o governo federal, a partir de agora, poderá fazer mais do que esperam. Mais do que desenvolver uma consciência socioambiental pujante, eles poderão participar ativamente dos projetos e parcerias voltadas para o uso sustentável dos recursos naturais da região. O resgate desses cidadãos será pelo impulso da economia verde, ou seja, através de práticas propostas em um modelo de economia, voltada para o bem-estar humano e para a igualdade social, sem que imponha riscos ambientais e/ou de escassez ecológica. Assim, ela propõe o consumo consciente, a reciclagem, a reutilização de bens e produtos, o uso de energia limpa e a valoração da biodiversidade.

Quanto aqueles ligados ou associados às práticas criminosas, ilegais, não cabe outro caminho senão acertarem as contas com o sistema judiciário brasileiro, na proporção dos seus delitos. É preciso mecanismos ágeis e eficientes para romper com a máxima, instituída no país, de que o crime compensa porque a impunidade reina absoluta. Ora, como cogitar, por exemplo, a realização da próxima Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP), na região Amazônica, segundo sugestão do atual Presidente da República, com essa mácula tão constrangedora ao Brasil? Pesa sobre o país, ao longo de toda a sua história, um rastro de sangue, de morte e de destruição socioambiental, que clama superação.

Assim, o recorte histórico presente não é só abjeto e repulsivo, pela sua barbárie brutal e insana. Apesar de todos os pesares, ele ainda guarda um lado educativo capaz de fazer pensar, fazer lembrar que “O desenvolvimento humano só existirá se a sociedade civil afirmar cinco pontos fundamentais: igualdade, diversidade, participação, solidariedade e liberdade” (Herbert José de Sousa – Betinho). O que significa que, no campo da sustentabilidade socioambiental, “Para nascer um novo Brasil, humano, solidário, democrático, é fundamental que uma nova cultura se estabeleça, que uma nova economia se implante e que um novo poder expresse a sociedade democrática e a democracia no Estado” (Herbert José de Sousa – Betinho). Em suma, que todos sejam capazes de firmar o seguinte compromisso, “Eu sou o que me cerca. Se eu não preservar o que me cerca, eu não me preservo” (José Ortega y Gasset).