Nós,
os outros, e a Democracia...
Por
Alessandra Leles Rocha
Democracia é democracia, e ponto
final. A democracia está fundamentada em cláusulas imutáveis e comuns a
qualquer nação que deseje se guiar por ela. Soberania.
Cidadania. Dignidade da pessoa humana. Valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa. Pluralismo político. Livre acesso à informação. Transparência e
publicidade no trato da coisa pública. Sistema institucional de freios e
contrapesos ao exercício do poder. Equidade na representação de grupos
minoritários nas esferas públicas de decisão.
Portanto, não dá para querer
enviesar, flexibilizar, modelar, segundo interesses outros à democracia. Quando
isso acontece se vê emergir acontecimentos estarrecedores como o 6 de janeiro
de 2021, no Capitólio, em Washington/DC, e agora, mais recentemente, o 08 de
janeiro, nos palácios dos poderes federais, em Brasília/DF. Na expressão do
clímax de algo tecido na sutileza, ou não, das linguagens, dos comportamentos,
das decisões, das atitudes.
E se engana quem pensa ser esse
movimento de responsabilidade única e restrita a cada país. Objetivamente, a
fragilização democrática nasce e cresce entre muros nacionais. Acontece que,
subjetivamente, ela traz em si a aspiração de crenças, valores e princípios que
transitam além deles, no campo internacional. Como se observa, por exemplo, na
disseminação da ultradireita ao redor do planeta.
Por isso, não me parece
equivocado dizer que, de algum modo, o cenário internacional acena com respaldo
ideológico ou diplomático em situações de fragilização e ameaça democrática,
quando não se mantém firme e convicto nas bases fundamentais da democracia. Lamento,
mas nenhum país pode ser meio democrata, ou um terço democrata. Ou ele é ou não
é. Porque quaisquer mínimos desalinhos ao entendimento básico sobre o que é a democracia
já significa uma fratura que pode comprometer a sustentação dela no todo.
Mais do que nunca, diante de tudo
o que o Brasil viveu nos últimos anos, sobretudo, os últimos quatro, no que diz
respeito à fragilização democrática, se tornou inadmissível quaisquer discursos
ou narrativas que se façam periféricas e inconsistentes na defesa da democracia.
Para ser um bem global ela precisa dialogar uníssona, plena e inteira. Não se
pode fazer concessões nesse ou naquele aspecto. Não se pode negar eventuais
desvirtuamentos em seus princípios fundamentais. Afinal, isso seria legitimar o
processo de corrosão antidemocrática.
E foi justamente o que vimos
acontecer no Brasil. Enquanto, se tentava fazer com que a realidade dos
acontecimentos parecesse inabalada, normalizada, no seu devido lugar, como se a
democracia não tivesse aluído um milímetro sequer do seu pedestal, a ferrugem
da antidemocracia atuava de maneira material e subjetiva sobre as instituições,
os cidadãos, os poderes. Fake News. Atos
golpistas. Ameaças reais e cibernéticas. Afrontas diretas e indiretas à Constituição
Federal e seus guardiões. Enfim... Com poucas, ou quase nenhuma, resposta
efetivamente contundente na defesa democrática e do seu Estado de Direito.
Parecia que não acreditavam, uns
e outros, que a democracia pudesse sofrer qualquer abalo ou destituição. Mesmo,
diante do episódio do Capitólio, nos EUA. Mesmo, diante do que acontecia aqui.
Algo que me fez lembrar da Revolução Francesa, no século XVIII. As cortes
europeias tinham tanta convicção do seu poder absoluto, da sua mão de ferro
sobre o imobilismo social, que não acreditavam, não podiam imaginar de forma
alguma, que o povo tomaria o poder. Pois é, ele tomou! Com a Democracia o pensamento foi o mesmo.
Que ela estava a salvo e, por isso, não demandava uma eterna e atenta
vigilância.
Acontece que a democracia é a
expressão do povo. Se ele é manipulado, desvirtuado, corrompido, ... a democracia
é automaticamente afetada. Vejam que “Democracias
podem morrer não nas mãos de generais, mas de líderes eleitos – presidentes ou
primeiros-ministros que subvertem o próprio processo que os levou ao poder”.
Simplesmente, porque “Uma das grandes
ironias de como as democracias morrem é que a própria defesa da democracia é
muitas vezes usada como pretexto para a sua subversão. Aspirantes a autocratas
costumam usar crises econômicas, desastres naturais e, sobretudo, ameaças à
segurança – guerras, insurreições armadas ou ataques terroristas – para
justificar medidas antidemocráticas” (Steven Levitsky – Como as Democracias
morrem, 2018).
Herbert de Souza, o Betinho, dizia que “A democratização das nossas sociedades se constrói a partir da democratização das informações, do conhecimento, das mídias, da formulação e debate dos caminhos e dos processos de mudança”. Assim, creio que o momento atual pede análise e reflexão. Será que a democracia está de fato presente em todos os lugares que acreditamos estar? Será que aquilo que elas defendem é mesmo democracia, ou não? Será que você, de fato, sabe o que é democracia? Será que somos capazes de estimar as fragilidades da nossa democracia? Será que somos capazes de revertê-las? Será ...? Pensemos...