sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Hora de colocar a bola no chão... e pensar!


Hora de colocar a bola no chão... e pensar!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Ganhar. Perder. Faz parte do jogo. Mas, o momento pede autocrítica do (a) torcedor (a) brasileiro (a) em relação a sua seleção canarinho. Há tempos que o Brasil se vale da narrativa pautada nos tempos gloriosos da seleção masculina de futebol, como se a aura daqueles tempos pudesse, de fato, continuar causando temor e desconforto aos adversários em plena contemporaneidade. Como se em um passe de mágica, ao vestir a amarelinha se pudesse incorporar a energia pessoal e intransferível daqueles indivíduos que foram gênios e talentos puros, em sua época. Como se fosse realmente necessário mitificar esse ou aquele atleta, lançando-lhe sobre os ombros a responsabilidade de ser a solução e a vitória em quaisquer situações.

Lamento, mas não basta dizer que só o Brasil tem cinco estrelas bordadas na camisa. É fundamental mergulhar fundo nas histórias de cada uma delas, para entender o caminho das pedras que nos levaram até elas. Não foi de repente. Não foi por acaso. Elas não caíram do céu! Houve muita vontade para superar os desafios de tempos difíceis. As ciências do esporte nem existiam direito, de modo que não se dispunha do aparato que se tem hoje para superar as lesões, os desgastes, em tão poucos dias entre um jogo e outro. As viagens e deslocamentos eram precários, cansativos. Não se tinham hotéis nababescos e nem certos confortos suntuosos para aliviar as tensões. O midiatismo se restringia nas elogiosas crônicas desportivas, e só. Eram tempos totalmente analógicos, de rádios, jornais e revistas impressas, e a própria televisão engatinhava no seu preto e branco! Mas, apesar dos pesares, eles não se faziam de rogados. Jogar pela seleção era um feito extraordinário para todos eles.

Pois é, se temos as tais cinco estrelas é porque algo parecia óbvio naqueles tempos, ou seja, que futebol é conjunto. Dirigentes e staff técnico sabiam bem que os diamantes brutos ou lapidados surgem nos gramados, não são predeterminados. Eles acontecem, na dinâmica do dia a dia. Eles despontam a partir das conjunturas. Na alternância natural dos toques sutis na bola. E essa é uma carta na manga importantíssima, porque ela não permite pairar no horizonte a incerteza de como vai se comportar a equipe no caso da ausência desse ou daquele, por alguma eventualidade. Jogador é convocado; mas, não tem que ter lugar cativo no time, porque cada jogo é um jogo. Cada jogo é uma estratégia diferente. Cada jogo faz um desenho diferente.

Também, não se deixava contaminar pelas convicções e certezas da opinião pública, tantas vezes, apaixonada e insistentemente incontrolável. Vontade de ganhar todos têm! Mas, os deuses do futebol são marotos, são travessos, e fazem questão de deixar o imponderável correr solto pelas quatro linhas, driblando os próprios jogadores. De modo que conter os arroubos, as arrogâncias, os imediatismos, para dar espaço a uma postura serena, equilibrada, contida em relação ao processo, é essencial. Copas do mundo são torneios de tiro curto. Sete jogos. Mal começa e já termina. Cada 90 minutos é uma história a ser contada. Prorrogações são um suspiro para recobrar o fôlego e a esperança. Pênaltis são loterias que subtraem talentos, genialidades, para dar espaço as forças misteriosas das conjunturas.

E por conta disso, a discrição tinha que ser desenvolvida por todos. Não dizem que menos é mais? Então. Autopropaganda, aclamação antecipada, é arriscado demais. Afinal, por mais que muitos dos atletas se conheçam de campeonatos nacionais e estrangeiros; bem como, de clubes profissionais, a seleção é um tempo exíguo para transformar talentos individuais em coletivos geniais. Daí as expectativas nem sempre consolidarem realidades e acabarem pelo caminho, com exibições muito aquém do que se tentava afirmar. Quantos zero a zero, durante o tempo regulamentar, não deixam isso claro, não é mesmo? Nenhuma equipe, de fato, pode chegar a uma copa do mundo, contando vantagem sobre si mesma ou pensando que vai sair, facilmente, com a taça na mão.  Tudo pode acontecer!

Grandes marcas, mundo afora, descobriram da pior maneira que seu nome era insuficiente para mantê-las no topo, na liderança de mercado. O pulo do gato era compatibilizar o sucesso adquirido com as demandas de inovação do momento. Linha tênue, difícil, arriscada; mas, fundamental. No futebol é a mesma coisa. O passado conta uma história de sucesso; mas, que só vai prosseguir se abrir os olhos para o presente e, por consequência, para o futuro. O mundo é uma constante metamorfose, de modo que se faz necessário desconstruir os paradigmas, ressignificar os pontos de vista.

O dia teve um gosto amargo, um gosto de frustração. Acontece que a vida é assim, perde-se aqui, ganha-se acolá, e vamos rumo a construir a melhor versão de nós mesmos.  Glórias do passado não são garantias de glórias no presente ou no futuro. Glórias do passado apontam acertos e erros. Só isso. São como ferramentas motivacionais. Inspiradoras. Analíticas. Críticas. E porque não dizer, até um pouco cruéis, na medida em que sussurram que a bola agora está em outros pés e, portanto, não traz de volta a digital daqueles personagens icônicos, que marcaram um outro tempo. Por isso, a história mantém o enredo; mas, carece de ser protagonizada por outros artistas, por outras tendências, por outras circunstâncias, por outras perspectivas. Assim, é hora de colocar a bola no chão e pensar.