quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

De novo...


De novo...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Depois de tentar resgatar o terraplanismo, agora, é a vez do mundo girar ao contrário pelas mãos dos atos terroristas. Sim, porque é isso que deseja a ultradireita disseminada pelo planeta. Não querem a lógica, nem o bom senso, nem o progresso, nem o desenvolvimento. Não querem só o poder. Querem o caos. Querem novas regras, novos princípios, novas crenças e valores. Querem a vigilância e o controle social absolutos. A questão é que querer nem sempre é poder!  

A notícia de que “Alemanha prende 25 suspeitos de planejar golpe armado” 1, não deixa dúvidas quanto a necessidade de se refletir analítica e criticamente sobre o que anda acontecendo no cotidiano da humanidade. A Segunda Grande Guerra foi o palco maior para que a ultradireita mostrasse, na prática, a manifestação do seu ideário. Pois é, deu no que deu! Genocídio. Destruição. Corrupção. ... E um longo período de rescaldo entre escombros materiais e imateriais até se alcançar a reconstrução. Aliás, uma reconstrução que não conseguiu superar as marcas, as cicatrizes profundas, deixadas na geopolítica e na vida de milhões de seres humanos.    

Mas, eles não desistem! Estão de volta ao cenário do mundo! Talvez, querendo, de algum modo, se vingar do insucesso na Segunda Grande Guerra. Fato é que buscam aqui e ali pretextos para inflamar os sentimentos de gente frustrada, inconformada, incomodada pelo fato de que a vida não flui segundo suas vontades e quereres. Infelizmente, o ser humano vive sob o paradoxo entre a estabilidade e a evolução, de modo que é muito fácil o cotidiano levá-lo a inflamar-se, pois ele não quer perder nada, nem uma coisa e nem outra. Assim, as relações sociais começam a ser tensionadas na medida em que se buscam bodes expiatórios para justificar as insatisfações, as perdas, as instabilidades, as desorganizações.

Olhando com bastante atenção para o momento atual brasileiro, em que a ultradireita encerra seu ciclo de governança, esse processo fica bem claro. Enquanto insuflam furiosa e violentamente sua claque contra o governo recém-eleito democraticamente, eles fazem uma cortina de fumaça para tentar encobrir o seu próprio rastro de destruição. O contexto de terra arrasada não chega somente pelos veículos de informação e comunicação, ou pela equipe de transição de governo; mas, principalmente, dos relatórios emitidos pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

A sanha ideológica que nutriu e embalou a ultradireita brasileira, nesse governo, fez do desmantelamento das instituições e dos serviços públicos um veio para consumir recursos orçamentários, como jamais visto na história nacional. Daí a expressão de terra arrasada, porque é essa a herança simbólica de fatos bastante reais e concretos, que ela deixa para o país. Não há um mísero espaço da administração pública que não esteja clamando por um movimento de reconstrução.

O que explica bem os motivos que frustraram seus planos de reeleição. Pois é, não foi uma derrota político-partidária, a ultradireita perdeu para si mesma. O excesso de convicção no seu ideário, nos seus discursos, nas suas narrativas, é tão narcísico que a impede de perceber os erros, os equívocos, os excessos que se agigantam diante dos seus olhos fechados. E para disfarçar a sua inabilidade, a sua incompetência, ela lança mão de culpabilizar os outros, o mundo, o que caiba melhor na sua justificativa frágil e inconsistente. Portanto, há sempre uma tentativa de inverter a lógica da situação, pautada na surreal dicotomia do Bem contra o Mal.

É importante ressaltar que a história teima, em muitos momentos, em se repetir. Talvez, no afã de que o resultado será diferente. Mas, no caso atual, devo lembrar que o contexto do mundo é bem pior do que há quase nove décadas. Para início de conversa. O mundo atingiu recentemente a marca de 8 bilhões de pessoas. A ainda vigente pandemia do Sars-Cov-2 e suas variantes ceifou, ao redor do planeta, mais de 6,64 milhões de vidas e impôs uma desconstrução das relações socioeconômicas brutal. Isso sem contar com a invasão da Ucrânia pela Rússia, deflagrando uma guerra que já se arrasta há dez meses. Assim, a economia global desacelerou. A inflação retornou avassaladora. Os juros estão cada vez mais estratosféricos. A fome já atinge quase 830 milhões de seres humanos. Além da COVID-19, países enfrentam surtos e epidemias de outras doenças, tais como, Dengue, Varíola dos Macacos, Cólera, Tuberculose, enfim.

Então, o que a ultradireita diz ou pensa a respeito de tudo isso? Nada. A ultradireita tem como alicerce do seu ideário o negacionismo. Não apenas o negacionismo científico; mas, toda e qualquer estratégia de negação, porque ela se pauta por uma realidade paralela, idealizada, quase que perfeita. Assim, ela não precisa lidar ou enfrentar as mazelas do mundo. As suas práxis consistem fundamentalmente em varrer os desagrados, os incômodos, as enxurradas de inconveniências, para debaixo do tapete. Trata-se de uma postergação ad aeternum dos problemas. E quando a situação aperta, eles são afeitos ao bom e velho jeitinho, embora sem apresentar, muitas vezes, a expertise necessária.

Daí os atos antidemocráticos, as ameaças golpistas, a ordem e o progresso com armas em punho, as beligerâncias explícitas, a estupidez em último grau. Para eles nada importa, além de si mesmos, do seu ideário. Vacinas? Farmácia Popular? Bolsas de pesquisa? Bolsas de residentes médicos? Merenda escolar? Pontes destruídas? Enchentes? Mercúrio nos rios? ... Essas questões passam à margem do seu mínimo interesse. É assim que seguem tocando o barco da vida com toda a sua empáfia convicta de que há ordem no caos. Afinal, para a sua lógica pessoal e intransferível, “A ordem é diuturna humilhação das maiorias, mas sempre é uma ordem – a tranquilidade de que a injustiça siga sendo injusta e a fome faminta” (Eduardo Galeano).