De
novo...
Por
Alessandra Leles Rocha
Depois de tentar resgatar o
terraplanismo, agora, é a vez do mundo girar ao contrário pelas mãos dos atos terroristas.
Sim, porque é isso que deseja a ultradireita disseminada pelo planeta. Não querem
a lógica, nem o bom senso, nem o progresso, nem o desenvolvimento. Não querem
só o poder. Querem o caos. Querem novas regras, novos princípios, novas crenças
e valores. Querem a vigilância e o controle social absolutos. A questão é que
querer nem sempre é poder!
A notícia de que “Alemanha prende 25 suspeitos de planejar
golpe armado” 1, não deixa dúvidas
quanto a necessidade de se refletir analítica e criticamente sobre o que anda
acontecendo no cotidiano da humanidade. A Segunda Grande Guerra foi o palco
maior para que a ultradireita mostrasse, na prática, a manifestação do seu ideário.
Pois é, deu no que deu! Genocídio. Destruição. Corrupção. ... E um longo
período de rescaldo entre escombros materiais e imateriais até se alcançar a
reconstrução. Aliás, uma reconstrução que não conseguiu superar as marcas, as
cicatrizes profundas, deixadas na geopolítica e na vida de milhões de seres
humanos.
Mas, eles não desistem! Estão de
volta ao cenário do mundo! Talvez, querendo, de algum modo, se vingar do
insucesso na Segunda Grande Guerra. Fato é que buscam aqui e ali pretextos para
inflamar os sentimentos de gente frustrada, inconformada, incomodada pelo fato
de que a vida não flui segundo suas vontades e quereres. Infelizmente, o ser
humano vive sob o paradoxo entre a estabilidade e a evolução, de modo que é
muito fácil o cotidiano levá-lo a inflamar-se, pois ele não quer perder nada,
nem uma coisa e nem outra. Assim, as relações sociais começam a ser tensionadas
na medida em que se buscam bodes expiatórios para justificar as insatisfações,
as perdas, as instabilidades, as desorganizações.
Olhando com bastante atenção para
o momento atual brasileiro, em que a ultradireita encerra seu ciclo de
governança, esse processo fica bem claro. Enquanto insuflam furiosa e violentamente
sua claque contra o governo recém-eleito democraticamente, eles fazem uma
cortina de fumaça para tentar encobrir o seu próprio rastro de destruição. O contexto
de terra arrasada não chega somente pelos veículos de informação e comunicação,
ou pela equipe de transição de governo; mas, principalmente, dos relatórios
emitidos pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
A sanha ideológica que nutriu e
embalou a ultradireita brasileira, nesse governo, fez do desmantelamento das
instituições e dos serviços públicos um veio para consumir recursos
orçamentários, como jamais visto na história nacional. Daí a expressão de terra
arrasada, porque é essa a herança simbólica de fatos bastante reais e concretos,
que ela deixa para o país. Não há um mísero espaço da administração pública que
não esteja clamando por um movimento de reconstrução.
O que explica bem os motivos que
frustraram seus planos de reeleição. Pois é, não foi uma derrota político-partidária,
a ultradireita perdeu para si mesma. O excesso de convicção no seu ideário, nos
seus discursos, nas suas narrativas, é tão narcísico que a impede de perceber
os erros, os equívocos, os excessos que se agigantam diante dos seus olhos
fechados. E para disfarçar a sua inabilidade, a sua incompetência, ela lança
mão de culpabilizar os outros, o mundo, o que caiba melhor na sua justificativa
frágil e inconsistente. Portanto, há sempre uma tentativa de inverter a lógica da
situação, pautada na surreal dicotomia do Bem contra o Mal.
É importante ressaltar que a
história teima, em muitos momentos, em se repetir. Talvez, no afã de que o
resultado será diferente. Mas, no caso atual, devo lembrar que o contexto do
mundo é bem pior do que há quase nove décadas. Para início de conversa. O mundo
atingiu recentemente a marca de 8 bilhões de pessoas. A ainda vigente pandemia
do Sars-Cov-2 e suas variantes ceifou, ao redor do planeta, mais de 6,64
milhões de vidas e impôs uma desconstrução das relações socioeconômicas brutal.
Isso sem contar com a invasão da Ucrânia pela Rússia, deflagrando uma guerra que
já se arrasta há dez meses. Assim, a economia global desacelerou. A inflação
retornou avassaladora. Os juros estão cada vez mais estratosféricos. A fome já
atinge quase 830 milhões de seres humanos. Além da COVID-19, países enfrentam
surtos e epidemias de outras doenças, tais como, Dengue, Varíola dos Macacos,
Cólera, Tuberculose, enfim.
Então, o que a ultradireita diz ou
pensa a respeito de tudo isso? Nada. A ultradireita tem como alicerce do seu
ideário o negacionismo. Não apenas o negacionismo científico; mas, toda e
qualquer estratégia de negação, porque ela se pauta por uma realidade paralela,
idealizada, quase que perfeita. Assim, ela não precisa lidar ou enfrentar as
mazelas do mundo. As suas práxis consistem fundamentalmente em varrer os
desagrados, os incômodos, as enxurradas de inconveniências, para debaixo do
tapete. Trata-se de uma postergação ad
aeternum dos problemas. E quando a situação aperta, eles são afeitos ao bom
e velho jeitinho, embora sem apresentar, muitas vezes, a expertise necessária.
Daí os atos antidemocráticos, as ameaças
golpistas, a ordem e o progresso com armas em punho, as beligerâncias explícitas,
a estupidez em último grau. Para eles nada importa, além de si mesmos, do seu
ideário. Vacinas? Farmácia Popular? Bolsas de pesquisa? Bolsas de residentes médicos?
Merenda escolar? Pontes destruídas? Enchentes? Mercúrio nos rios? ... Essas
questões passam à margem do seu mínimo interesse. É assim que seguem tocando o
barco da vida com toda a sua empáfia convicta de que há ordem no caos. Afinal,
para a sua lógica pessoal e intransferível, “A
ordem é diuturna humilhação das maiorias, mas sempre é uma ordem – a tranquilidade
de que a injustiça siga sendo injusta e a fome faminta” (Eduardo Galeano).