Busca-se
um pretexto para a discórdia
Por
Alessandra Leles Rocha
Enquanto milhares de especulações
orbitam em torno da transmissão da faixa presidencial pelo atual Presidente da
República, tendo em vista a sua total indisposição e recusa em fazê-la, me
permito pensar a respeito do que leva certas pessoas a assumirem a incivilidade
como estratégia de sobrevivência. Afinal, a questão é bem mais profunda do que
um simples se apequenar diante da opinião pública.
Atitudes incivilizadas não são
apropriadas para ninguém; mas, para certas posições sociais que se ocupa, elas
se tornam totalmente inadmissíveis. A
liturgia imposta por certos cargos desconsidera o ser individual para que
apenas a função seja o objeto determinante dos ritos a se cumprir. Isso
significa que emoções, sentimentos, convicções, crenças e valores estão
relegados a último plano, a fim de que somente o pragmatismo das circunstâncias
determine a condução dos atos.
Entretanto, essa não seria a
primeira, e nem a última vez, que um Chefe de Estado e/ou Chefe de Governo, no
Brasil, transgrediria a civilidade dos protocolos na solenidade de posse do seu
substituto 1. Lamentável? Sim. Mas,
algo que acaba absorvido no rol das más escolhas. Nada que interfira no
processo em si, nem que afronte de maneira contundente o outro. Porém, o
simbólico é uma expressão de linguagem e como tal, diz bem mais do que se possa
capturar de imediato.
Considerando-se que a transmissão
da faixa presidencial é um gesto de governo e não de indivíduos, a recusa
subverte a lógica, trazendo-a para um campo totalmente inadequado. Isso
significa uma apropriação equivocada do poder, da autoridade. Pessoas vêm e
vão, governos ficam. Governos são a representação do Estado, do país, da nação.
E no caso da Democracia, a representatividade político-partidária é
essencialmente transitória, temporária.
Dessa forma, quem se recusa, quem
age na contramão do protocolo, me parece fragilizado, vulnerável, perturbado,
não em relação ao ato em si; mas, de um possível julgamento da opinião pública
a respeito do seu mandato. Como bem escreveu Glória Kalil, “Nada denuncia mais o grau de civilidade de um país e de um povo do que
o modo de tratar a coisa pública”. Desse modo, expor-se publicamente diante
de concidadãos e de representações diplomáticas estrangeiras demanda um
espírito sereno e pacificado em relação aos deveres cumpridos.
Nesse sentido, a negativa em o
fazer pode ser interpretada como uma confissão subentendida acerca de possíveis
erros, descuidos, inadvertências, os quais, na verdade, já seriam de
conhecimento de todos. Talvez, por isso, é que o mineiríssimo Fernando Sabino
tenha nos deixado a seguinte reflexão, “Democracia
é oportunizar a todos o mesmo ponto de partida. Quanto ao ponto de chegada,
depende de cada um”. A transmissão da faixa presidencial é, portanto, a
reafirmação do escrutínio popular. O que foi, foi. Agora, os olhos do país e do
mundo estão voltados para o novo ciclo que se inicia.
Ainda que cada cidadão possa
tecer suas próprias análises sobre o período concluído, a história contada por
registros jornalísticos, documentos, materiais audiovisuais, será escrita.
Dentro e fora das fronteiras nacionais será possível saber o que foram esses
tempos, no Brasil. E isso pesa, também, para essa decisão antiprotocolar do
ainda Presidente da República. Porque é algo à revelia dos desejos e vontades
de quem quer que seja. A história é a história. Com todos os seus altos e
baixos, vitórias e derrotas, sucessos e fracassos. Daí não caberem narcisismos,
egocentrismos e afins; pois, “Todos têm
direito de se enganar nas suas opiniões. Mas ninguém tem o direito de se enganar
nos fatos” (Bernard Baruch).
Quanto à faixa presidencial, os
últimos acontecimentos não desgastam o seu simbolismo; mas, apontam para a
necessidade de uma modernização de costumes. Afinal, a contemporaneidade
favorece ao desapego com a rigidez e pensando assim, talvez, seja mais oportuno
que se restrinja o seu uso à foto oficial, que estará presente em todos os
órgãos e instituições de Estado, e às eventuais recepções diplomáticas. Assim,
quaisquer tentativas de manifestar as incivilidades humanas são contidas e o
mal-estar da deselegância fica impedido da empreitada de tentar ofuscar o
brilho da cidadania democrática.