Desrespeito
institucionalizado???
Por
Alessandra Leles Rocha
Não se engane em pensar que a
política é o alvo do desrespeito institucionalizado no país 1. Nos tempos do silenciamento, do
cancelamento, da suspensão pelas mídias digitais, a sociedade entende a prática
como uma licença para fazer o mesmo no mundo real. Acontece que desse movimento
para atitudes visivelmente mais violentas é um pulo.
De repente foi como se as pessoas
decidissem que a sua razão, o seu ponto de vista, a sua convicção está acima
dos demais, e pronto. Mas, não é assim que a banda toca! Esse modo de ver e
compreender o mundo ficou demasiadamente enviesado e limitado. Ninguém mergulha
fundo no cerne da questão antes de se manifestar, de modo que as discussões se
tornam rasas, superficiais e, muitas vezes, sem pé e nem cabeça.
Afinal, como toda briga de rua,
começa com a ofensa, o xingamento, a discussão generalizada entre duas pessoas
e termina em um arrastão de apartidários que não fazem a menor ideia sobre o
porquê estão guerreando. Só não se perde um aspecto, ali cada um defende a sua
razão, o seu ponto de vista, a sua convicção, com uma fúria assombrosa. É raro,
então, encontrar um ou outro remanescente da “turma do deixa disso”, tentando recobrar a consciência do coletivo
brigão.
Só posso dizer que é uma pena
assistir a tudo isso! Porque o que se tem bem diante dos olhos é um
empobrecimento das relações humanas, sem precedente. Chego a desconfiar se
realmente as pessoas ainda valorizam as interações sociais harmônicas e
pacíficas; pois, a impressão que fica é bem outra. Basta um desagrado daqui uma
incongruência dali uma incompreensão acolá, e pronto. A deselegância
beligerante aparece sem pedir licença.
Não é à toa que as conversas
minguaram, desde que a onda do silenciamento quebrou sobre a sociedade
contemporânea. Até mesmo a dialogia cordial, do bom dia e boa tarde, se perdeu.
A disposição de dialogar, de jogar conversa fora, se intimidou diante dos
riscos de conflitos gratuitos. Nunca se sabe qual será o pretexto que irá
aborrecer, chatear, contrariar, o outro. Muitas vezes só se descobre depois de
perceber o tamanho do distanciamento estabelecido, da supressão sumária dos
convites e contatos.
Triste realidade! Embora
democrática; pois, atinge anônimos e famosos sem distinção. O que aparentemente
parece ser uma escolha dos indivíduos, no fundo, não passa de uma manipulação
social. Desunida, desagregada, a sociedade fortalece a manutenção das regalias
e dos privilégios daqueles que estão no topo da pirâmide. Colocando uns contra
os outros se esvaziam as insatisfações, as reivindicações coletivas, o senso
comum; pois, se estabelece uma ruptura na unidade social.
Segundo a lógica apresentada por
George Orwell, de que “A massa mantém a
marca, a marca mantém a mídia e a mídia controla a massa”, isso significa
que, enquanto os conflitos se inflamam e rendem matérias na mídia, esta
retroalimenta a manutenção dos conflitos no inconsciente coletivo. O resultado
obtido dessa dinâmica é que a realidade tende, portanto, a fluir segundo as
vontades e quereres de uma ínfima minoria, pois não há uma resistência
suficientemente poderosa contra tudo isso.
Assim, o desrespeito se torna institucionalizado.
Portanto, o que vemos
disseminado, cada vez mais amiúde, no Brasil, deve ser entendido como
patrulhamento, ou seja, “é
hiperpreconceito, é um exercício contundente do preconceito, é um desrespeito
ao outro. Nós só somos democratas se formos capazes de aceitar o diferente da
gente” (Eduardo Portella). Daí é essencial não se esquecer de que “A pluralidade é a condição da ação humana
pelo fato de sermos todos os mesmos, isto é, humanos, sem que ninguém seja
exatamente igual a qualquer pessoa que tenha existido, exista ou venha a
existir” (Hannah Arendt).