Um
mundo em franco empobrecimento
Por
Alessandra Leles Rocha
Não é de hoje que tenho proposto
reflexões a respeito do empobrecimento global. Eis, então, que a prova da relevância
desse assunto está na manchete do dia, “Greves
e mobilização sindical na Europa contra aumento do custo de vida” 1.
Infelizmente, essa não é uma
questão de achismo da minha parte. Quisera fosse! Na verdade, ela é uma
realidade dura e concreta que precisa ser pensada, discutida e enfrentada de
maneira consciente.
Enquanto isso, no Brasil, uns e
outros se dedicam a criar tensões e conflitos desnecessários, infundados,
despropositados, para não lidar com os problemas e desafios cotidianos reais. Para
não descobrir a verdadeira cara do Brasil.
Qual a razão da diferença de
comportamento? Muito simples. Por aqui o ranço colonial diz que é preciso
manter as aparências, mesmo que a duras penas.
Então, queixar sobre a carestia, pechinchar,
cortar supérfluos, questionar os salários, são práticas sociais condenáveis por
muita gente, na medida em que comunicam a mensagem de que as finanças não andam
bem e a posição social ocupada corre riscos de ser alterada.
Entretanto, de que isso adianta?
Nada. Afinal, estamos no meio do furacão contemporâneo que rodopia
freneticamente no embalo da sociedade de consumo.
Pois é, perdidos no encantamento
proporcionado pelas Revoluções Industriais nem percebemos que, em algum momento
da história, o ônus de todas as maravilhas advindas da tecnologia seria nos
cobrado de maneira tão incisiva.
Manipulados, convencidos, sugestionados,
a todo instante, a termos isso ou aquilo, a ideia do custo financeiro e
ambiental desse processo acabou passando despercebido. Como se a humanidade
estivesse literalmente anestesiada para não sentir suas próprias dores cotidianas.
Porém, esse movimento não
acontece alinhado à expectativa orçamentária real da população. O consumismo
surge à revelia do poder aquisitivo das pessoas.
A verdade é que os salários são
calculados e estimados com base em referenciais outros que não a capacidade de
consumo para atender as prioridades ou aos supérfluos.
De modo que se cria uma lacuna
constante de insuficiência orçamentária para uma imensa maioria de seres
humanos, até que muitos se vejam em uma incapacidade total de sobrevivência.
Considerando, então, que “no Brasil, 52% dos trabalhadores e
trabalhadoras brasileiras ganham até dois salários mínimos (R$2.424)” 2, não é difícil entender os dados da
recente Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), realizada
pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
Eles revelaram que “o número de famílias endividadas atingiu,
em agosto, 79% do total de lares no país”, o que significa “dívidas a vencer no cheque pré-datado,
cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, crédito consignado,
empréstimo pessoal, prestação de carro e de casa” 3.
Mas, a questão não para por aí. Além
dos baixos salários e da precarização trabalhista, as próprias políticas
econômicas que desenham a dinâmica da produção e do consumo vivem sob constante
influência de conjunturas extraordinárias, como é o caso da pandemia da
COVID-19 e a guerra da Rússia contra a Ucrânia.
A constante desaceleração econômica
global tem promovido, portanto, o fechamento de vagas de trabalho e, por consequência,
achatado a renda de milhares de pessoas mundo afora, acelerando o processo de
empobrecimento populacional.
Em linhas gerais, o que assiste o
planeta tem sido uma afronta direta ao artigo 25, da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, ou seja, à dignidade; pois,
“toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à
sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao
vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços
sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na
invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência
por circunstancias independentes de sua vontade”. E isso está cada vez mais
longe de ser realidade.
Assim, embora a situação de
empobrecimento de cada país mereça ser analisada a partir das suas
especificidades conjunturais, não se altera o fato de que essa é uma discussão
global urgente.
Não há desenvolvimento, nem
progresso, nem consumo, nem absolutamente nada, sem os protagonistas principais
da história, que são os seres humanos. Eles foram, são e serão a prioridade
sempre.
Nesse sentido é que, em algum momento, as conjunturas da vida hão de impor essa verdade definitivamente. Até lá, torna-se imperioso não se permitir abster da reflexão, da responsabilidade humana que cabe a cada um, do exercício cidadão que nos compete fazer.
1 https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2022/11/09/greves-e-mobilizacao-sindical-na-europa-pelo-aumento-do-custo-de-vida.htm