quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Um mundo em franco empobrecimento


Um mundo em franco empobrecimento

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não é de hoje que tenho proposto reflexões a respeito do empobrecimento global. Eis, então, que a prova da relevância desse assunto está na manchete do dia, “Greves e mobilização sindical na Europa contra aumento do custo de vida” 1.

Infelizmente, essa não é uma questão de achismo da minha parte. Quisera fosse! Na verdade, ela é uma realidade dura e concreta que precisa ser pensada, discutida e enfrentada de maneira consciente.

Enquanto isso, no Brasil, uns e outros se dedicam a criar tensões e conflitos desnecessários, infundados, despropositados, para não lidar com os problemas e desafios cotidianos reais. Para não descobrir a verdadeira cara do Brasil.

Qual a razão da diferença de comportamento? Muito simples. Por aqui o ranço colonial diz que é preciso manter as aparências, mesmo que a duras penas.

Então, queixar sobre a carestia, pechinchar, cortar supérfluos, questionar os salários, são práticas sociais condenáveis por muita gente, na medida em que comunicam a mensagem de que as finanças não andam bem e a posição social ocupada corre riscos de ser alterada.

Entretanto, de que isso adianta? Nada. Afinal, estamos no meio do furacão contemporâneo que rodopia freneticamente no embalo da sociedade de consumo.

Pois é, perdidos no encantamento proporcionado pelas Revoluções Industriais nem percebemos que, em algum momento da história, o ônus de todas as maravilhas advindas da tecnologia seria nos cobrado de maneira tão incisiva.

Manipulados, convencidos, sugestionados, a todo instante, a termos isso ou aquilo, a ideia do custo financeiro e ambiental desse processo acabou passando despercebido. Como se a humanidade estivesse literalmente anestesiada para não sentir suas próprias dores cotidianas.

Porém, esse movimento não acontece alinhado à expectativa orçamentária real da população. O consumismo surge à revelia do poder aquisitivo das pessoas.

A verdade é que os salários são calculados e estimados com base em referenciais outros que não a capacidade de consumo para atender as prioridades ou aos supérfluos.

De modo que se cria uma lacuna constante de insuficiência orçamentária para uma imensa maioria de seres humanos, até que muitos se vejam em uma incapacidade total de sobrevivência.

Considerando, então, que “no Brasil, 52% dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiras ganham até dois salários mínimos (R$2.424)” 2, não é difícil entender os dados da recente Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

Eles revelaram que “o número de famílias endividadas atingiu, em agosto, 79% do total de lares no país”, o que significa “dívidas a vencer no cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, crédito consignado, empréstimo pessoal, prestação de carro e de casa” 3.

Mas, a questão não para por aí. Além dos baixos salários e da precarização trabalhista, as próprias políticas econômicas que desenham a dinâmica da produção e do consumo vivem sob constante influência de conjunturas extraordinárias, como é o caso da pandemia da COVID-19 e a guerra da Rússia contra a Ucrânia.

A constante desaceleração econômica global tem promovido, portanto, o fechamento de vagas de trabalho e, por consequência, achatado a renda de milhares de pessoas mundo afora, acelerando o processo de empobrecimento populacional.

Em linhas gerais, o que assiste o planeta tem sido uma afronta direta ao artigo 25, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ou seja, à dignidade; pois, “toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstancias independentes de sua vontade”. E isso está cada vez mais longe de ser realidade.

Assim, embora a situação de empobrecimento de cada país mereça ser analisada a partir das suas especificidades conjunturais, não se altera o fato de que essa é uma discussão global urgente.

Não há desenvolvimento, nem progresso, nem consumo, nem absolutamente nada, sem os protagonistas principais da história, que são os seres humanos. Eles foram, são e serão a prioridade sempre.

Nesse sentido é que, em algum momento, as conjunturas da vida hão de impor essa verdade definitivamente. Até lá, torna-se imperioso não se permitir abster da reflexão, da responsabilidade humana que cabe a cada um, do exercício cidadão que nos compete fazer.