O
mundo. O Brasil. Os Muros.
Por
Alessandra Leles Rocha
Muro de Berlim. Muro de Israel.
Muro do México. Muro de Ceuta e Melilla. Muro do Chipre. Muros... Estiveram, ou
ainda estão, presentes na história da humanidade, sem que na maioria das vezes,
não sejam sequer percebidos e/ou questionados. Sob o pretexto da segurança, da
defesa territorial, da soberania geográfica, a maioria deles emerge, quase que
de maneira subliminar, do desejo de segregar, de banir, de ocultar, tudo aquilo
que é incômodo, indesejável, de algum modo perturbador. Acontece que falar de
muros ultrapassa as fronteiras da materialidade arquitetônica para alcançar a
subjetividade dos preconceitos, das intolerâncias, das violências.
Infelizmente, os muros não
precisam de cimento e de tijolos para serem erguidos. Por mais absurdo que
possa parecer, o mundo globalizado contemporâneo é o espaço geográfico mais
delimitado por muros abstratos que se possa imaginar. Muros erguidos pelo
fanatismo ideológico, pela mitificação desenfreada, pela idealização alienadora,
que fazem com que os indivíduos busquem, tanto em argumentos inconsistentes e
banais quanto em pessoas, a legitimação daquilo que não são capazes de admitir e
sustentar publicamente. Afinal, cerrar fileira parece bem mais fácil do que tomar
para si a responsabilidade a respeito de uma ideia ou situação.
Nesse sentido, então, os muros na
contemporaneidade não só delimitam o trânsito social dos indivíduos; mas, funcionam
como bons anteparos para proteger uns e outros de eventuais questionamentos ideológicos
e comportamentais. Entre muros o retrógrado, o ultrapassado, o involuído, como
queira chamar, se mantém dormente na sua zona de conforto, impedindo quaisquer
rupturas ou transformações que possam abalar suas crenças, convicções,
princípios e regalias.
Acontece que falta combinar tudo
isso com a vida, com a dinâmica da existência humana sobre o planeta. A teoria
na prática é bem outra. Como bem escreveu Arthur Schopenhauer, em 1851, através
do Dilema do Porco-Espinho, não resta a nenhum ser humano outra possibilidade
de convivência e coexistência senão a busca por um denominador comum
suficientemente capaz de transformar as diferenças em algo passível de
agregação. É, a sobrevivência humana está condicionada a acontecer sem muros! Quanto
mais se erguem muros, mais a humanidade anula a sua capacidade de somar
esforços, de unir talentos e capacidades para trabalhar em prol do bem-estar comum.
A perspectiva de entender o outro
como inimigo, como adversário, como concorrente, é que está levando o planeta a
sucumbir. Os vetores de força estão se anulando drasticamente e a incapacidade
de reverter as crises, sejam de que natureza forem, é a mais pura realidade. Haja
vista a situação da pandemia de COVID-19 a se arrastar pelos últimos três anos.
Já parou para pensar como os muros materiais e imateriais têm peso na permanência
da doença, na disseminação do vírus Sars-Cov-2 e de suas variantes, na baixa
distribuição de vacinas e imunização das pessoas, na construção de uma rede
perversa de teorias negacionistas? Pois é, eles têm sim. Sobretudo, os muros
imateriais.
Então, de que adiantam os muros? Tantos
deles são erguidos diariamente e o deslocamento humano pelo mundo segue o seu
calvário, os eventos extremos do clima assolam o planeta sem piedade, as
doenças se proliferam sem cerimônia, a iminência de mais guerras e conflitos
paira no ar como uma espada apontada sobre 8 bilhões de cabeças 1... No fundo é extremamente paradoxal
falar sobre muros, quando o mundo contemporâneo vive ansioso na sua reafirmação
de liberdade sem limites. Como compatibilizar liberdade e muro? Liberdade e
segurança? Muro e desenvolvimento? Muro e inovação?
Avise-me se souber explicar,
porque eu não consigo! Aliás, discutir sobre muros me causa uma profunda
fadiga emocional, porque eles me fazem pensar sobre uma vida interrompida, uma
vida que não segue o seu fluxo natural, que é triste, melancólica, pela
constante presença da falta. Há sempre uma ausência demarcada dentro e fora do muro,
como se a esperança, a criatividade, o futuro, tivessem o seu crescimento podado
à revelia de si mesmos. Talvez, por isso, onde há muros há sempre alguém
querendo erguer-se além do topo, transpor aquele obstáculo, descobrir o que há
mais adiante, respirar uma liberdade que não é possível de ver.
Como escreveu Clarice Lispector, “Perdi o jeito de ser gente. Não sei mais
como se é. E uma espécie toda nova da solidão de não pertencer começou a me
invadir como heras num muro” (A descoberta do mundo, 1984), desde que tomei
consciência de quantos muros se erguiam conscientes e inconscientes pelo mundo.
Muros que impedem seres humanos de ser, de estar, de permanecer, de continuar,
de se tornar, de andar, ... de viver. Por isso, eles jamais me fizeram
quaisquer sentidos e, desse modo, sempre me pareceram tão inúteis, tão imbecis,
tão antiproducentes, tão ridículos, que eu me esgoto, me canso, só de pensar a respeito.