Entre
absurdos, ilegalidades e delírios
Por
Alessandra Leles Rocha
Muita atenção! O direito de ir e
vir não se restringe só às rodovias. A desestabilidade da organização social
pela tensão promovida por essa legião golpista, que se comporta de maneira
incivilizada, antipatriótica e antidemocrática, afugenta a naturalidade da
dinâmica social. E quando pessoas se sentem intimidadas por qualquer eventual
perspectiva de violência, a economia do país caminha um pouco mais para crise.
É prejuízo na certa!
A fala do Presidente da República,
em exercício, é insuficiente e ineficiente; mas, não sei se poderia ser de
outra maneira. O número de votos em si não retrata com clareza e exatidão a
composição do que passou a ser a ultradireita brasileira. Há uma diversidade
ideológica por trás daqueles números, de modo que a sua agregação não se deu
pelas mesmas convicções, interesses e opiniões.
Quem está, nesse exato momento,
nas ruas é só um viés, o chamado núcleo duro. Os mais radicais, os mais
afoitos, os mais extremistas que se sustentam justamente por esse pensamento e
que encontraram nas narrativas e discursos do Presidente da República, em
exercício, a legitimidade ideológica que os satisfaz. Principalmente ao longo
desses quatro anos de governança, esse grupo se nutriu da beligerância
presidencial. Tanto que em momentos de idas e vindas desse tipo de
manifestação, a popularidade do Presidente oscilava pelo desconforto exibido
por esse núcleo.
Daí o fato de o Presidente da
República, em exercício, não cumprir o seu papel de mandatário no que cabe a
resolução desse caos absurdo. Na verdade, sua mais recente fala, talvez, o
coloque em situação bastante delicada com esses apoiadores. Ao ficar em cima do
muro de um discurso objetivo e direto, ele fragiliza a sua imagem beligerante
diante daqueles que foram às ruas em seu nome, na medida em que eles esperavam
dele a manifestação maior da radicalização.
Acontece que ele já admitiu a
derrota e seus companheiros de primeira ordem também. Afinal de contas, além do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Tribunal de Contas da União (TCU), Supremo
Tribunal Federal (STF) e dos observadores internacionais, o mundo reconheceu o
resultado das urnas. Portanto, não há espaço e nem razão para questionamentos,
dúvidas ou reclamações. O que se vê nas ruas, nesses últimos três dias, é a
antidemocracia em estado bruto. Sem contar que é ilegal.
No entanto, o Presidente da
República, em exercício, mantém a sua ambiguidade enunciativa a fim de perder o
mínimo possível do seu capital político. Como já disse, o número de votos em
si, que ele obteve nas urnas, não retrata com clareza e exatidão a composição
do seu conjunto de apoiadores. Isso significa que se há possibilidade de perda
de apoio dentro do núcleo duro, pela falta de combatividade, de agressividade,
de beligerância como eles esperam por parte do seu líder, por outro lado, as
camadas menos radicais desse eleitorado de ultradireita tendem a se posicionar
contrárias e ávidas por uma resposta resolutiva para o caos deflagrado.
Traduzindo em miúdos, de um jeito
ou de outro esse capital político está se dissolvendo. Enquanto um número
bastante limitado clama pelo conflito, pela desordem, a maioria dos eleitores
do Presidente da República, em exercício, exigem providências, exigem o
restabelecimento da ordem para que o progresso nacional não seja ainda mais
impactado. Mesmo porque, dentro do rol desses apoiadores menos radicais há
representantes político-partidários que, por efeito cascata, estão vendo o seu
próprio capital político ir pelo ralo.
Vejam bem, o mundo idealizado
dessas pessoas não cabe no mundo real do século XXI! Às vezes, eu penso que se
essas pessoas pudessem voltar no tempo, elas voltariam para tentar impedir que
a Revolução Francesa acontecesse. Sim, porque esse foi o marco social que
determinou os grandes desdobramentos socioeconômicos que se repercutem, ainda
hoje, no mundo e no Brasil. A queda de braços que se estabeleceu pelo poder, no
século XVIII, entre dominados e dominadores, é o que trouxe não só a construção
do acirramento da luta de classes para o palco político global, como a
instrumentalização das desigualdades para contê-la. Por sorte, o mundo gira! E
girando à revelia de uns e outros ele impossibilita certos retrocessos, como
poderia ser esse.
Lamento, mas temos que olhar para
as bases da nossa história. É lá que estão as explicações para o que temos
vivido, para os frutos da nossa herança colonial, que foram naturalizadas e
convencionadas pela estrutura da casa grande e da senzala, para dimensionar os
pilares das nossas desigualdades. Se engana quem pensa que a tentativa de
ascensão da ultradireita no Brasil seja em decorrência de um fenômeno global,
quando o que ela faz é se valer da legitimidade desse processo. Pois, do ponto
de vista ideológico ela pouco se alinha ao movimento europeu, ou ao movimento
implantado por Donald Trump. Cada um tem traços de especificidade e de
singularidade muito marcados.
O que move a ultradireita na
Europa, por exemplo, é a xenofobia, por conta do fenômeno migratório. Nos EUA,
durante o governo Trump, era a retomada da hegemonia global, pela perspectiva
de um movimento antiglobalista. Sem contar que, o senso democrático presente na
identidade nacional dessas nações é muito mais elaborada e consistente, dados
os próprios acontecimentos históricos que marcaram as suas trajetórias. A
Democracia no Brasil ainda é um ideal, uma manifestação profundamente abstrata
para a maioria dos cidadãos. Daí uma das diferenças mais importantes, para o
próprio fluxo da implementação da ultradireita.
Assim, por mais que o Brasil tente surfar na onda ultradireitista mundial, as situações fogem ao controle e se esvaem no vazio. Para um voo tão ambicioso como esse era necessário ampliar o conhecimento, construir um planejamento, constituir uma base sólida de apoio. Os discursos, as narrativas, podem inflamar; mas, são insuficientes para manter acesa uma chama dessa envergadura. Ao meter os pés pelas mãos, afrontar às leis e às instituições, impedir o livre exercício cotidiano dos demais cidadãos, a ultradireita mostrou que realmente lhe falta condições para governar, para liderar, para manter-se na dianteira do país.