quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Entre absurdos, ilegalidades e delírios


Entre absurdos, ilegalidades e delírios

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Muita atenção! O direito de ir e vir não se restringe só às rodovias. A desestabilidade da organização social pela tensão promovida por essa legião golpista, que se comporta de maneira incivilizada, antipatriótica e antidemocrática, afugenta a naturalidade da dinâmica social. E quando pessoas se sentem intimidadas por qualquer eventual perspectiva de violência, a economia do país caminha um pouco mais para crise. É prejuízo na certa!

A fala do Presidente da República, em exercício, é insuficiente e ineficiente; mas, não sei se poderia ser de outra maneira. O número de votos em si não retrata com clareza e exatidão a composição do que passou a ser a ultradireita brasileira. Há uma diversidade ideológica por trás daqueles números, de modo que a sua agregação não se deu pelas mesmas convicções, interesses e opiniões.

Quem está, nesse exato momento, nas ruas é só um viés, o chamado núcleo duro. Os mais radicais, os mais afoitos, os mais extremistas que se sustentam justamente por esse pensamento e que encontraram nas narrativas e discursos do Presidente da República, em exercício, a legitimidade ideológica que os satisfaz. Principalmente ao longo desses quatro anos de governança, esse grupo se nutriu da beligerância presidencial. Tanto que em momentos de idas e vindas desse tipo de manifestação, a popularidade do Presidente oscilava pelo desconforto exibido por esse núcleo.

Daí o fato de o Presidente da República, em exercício, não cumprir o seu papel de mandatário no que cabe a resolução desse caos absurdo. Na verdade, sua mais recente fala, talvez, o coloque em situação bastante delicada com esses apoiadores. Ao ficar em cima do muro de um discurso objetivo e direto, ele fragiliza a sua imagem beligerante diante daqueles que foram às ruas em seu nome, na medida em que eles esperavam dele a manifestação maior da radicalização.

Acontece que ele já admitiu a derrota e seus companheiros de primeira ordem também. Afinal de contas, além do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Tribunal de Contas da União (TCU), Supremo Tribunal Federal (STF) e dos observadores internacionais, o mundo reconheceu o resultado das urnas. Portanto, não há espaço e nem razão para questionamentos, dúvidas ou reclamações. O que se vê nas ruas, nesses últimos três dias, é a antidemocracia em estado bruto. Sem contar que é ilegal.

No entanto, o Presidente da República, em exercício, mantém a sua ambiguidade enunciativa a fim de perder o mínimo possível do seu capital político. Como já disse, o número de votos em si, que ele obteve nas urnas, não retrata com clareza e exatidão a composição do seu conjunto de apoiadores. Isso significa que se há possibilidade de perda de apoio dentro do núcleo duro, pela falta de combatividade, de agressividade, de beligerância como eles esperam por parte do seu líder, por outro lado, as camadas menos radicais desse eleitorado de ultradireita tendem a se posicionar contrárias e ávidas por uma resposta resolutiva para o caos deflagrado.

Traduzindo em miúdos, de um jeito ou de outro esse capital político está se dissolvendo. Enquanto um número bastante limitado clama pelo conflito, pela desordem, a maioria dos eleitores do Presidente da República, em exercício, exigem providências, exigem o restabelecimento da ordem para que o progresso nacional não seja ainda mais impactado. Mesmo porque, dentro do rol desses apoiadores menos radicais há representantes político-partidários que, por efeito cascata, estão vendo o seu próprio capital político ir pelo ralo.

Vejam bem, o mundo idealizado dessas pessoas não cabe no mundo real do século XXI! Às vezes, eu penso que se essas pessoas pudessem voltar no tempo, elas voltariam para tentar impedir que a Revolução Francesa acontecesse. Sim, porque esse foi o marco social que determinou os grandes desdobramentos socioeconômicos que se repercutem, ainda hoje, no mundo e no Brasil. A queda de braços que se estabeleceu pelo poder, no século XVIII, entre dominados e dominadores, é o que trouxe não só a construção do acirramento da luta de classes para o palco político global, como a instrumentalização das desigualdades para contê-la. Por sorte, o mundo gira! E girando à revelia de uns e outros ele impossibilita certos retrocessos, como poderia ser esse.  

Lamento, mas temos que olhar para as bases da nossa história. É lá que estão as explicações para o que temos vivido, para os frutos da nossa herança colonial, que foram naturalizadas e convencionadas pela estrutura da casa grande e da senzala, para dimensionar os pilares das nossas desigualdades. Se engana quem pensa que a tentativa de ascensão da ultradireita no Brasil seja em decorrência de um fenômeno global, quando o que ela faz é se valer da legitimidade desse processo. Pois, do ponto de vista ideológico ela pouco se alinha ao movimento europeu, ou ao movimento implantado por Donald Trump. Cada um tem traços de especificidade e de singularidade muito marcados.

O que move a ultradireita na Europa, por exemplo, é a xenofobia, por conta do fenômeno migratório. Nos EUA, durante o governo Trump, era a retomada da hegemonia global, pela perspectiva de um movimento antiglobalista. Sem contar que, o senso democrático presente na identidade nacional dessas nações é muito mais elaborada e consistente, dados os próprios acontecimentos históricos que marcaram as suas trajetórias. A Democracia no Brasil ainda é um ideal, uma manifestação profundamente abstrata para a maioria dos cidadãos. Daí uma das diferenças mais importantes, para o próprio fluxo da implementação da ultradireita.  

Assim, por mais que o Brasil tente surfar na onda ultradireitista mundial, as situações fogem ao controle e se esvaem no vazio. Para um voo tão ambicioso como esse era necessário ampliar o conhecimento, construir um planejamento, constituir uma base sólida de apoio. Os discursos, as narrativas, podem inflamar; mas, são insuficientes para manter acesa uma chama dessa envergadura. Ao meter os pés pelas mãos, afrontar às leis e às instituições, impedir o livre exercício cotidiano dos demais cidadãos, a ultradireita mostrou que realmente lhe falta condições para governar, para liderar, para manter-se na dianteira do país.