segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Quem diria! A negação venceu!


Quem diria! A negação venceu!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Será que o brasileiro realmente não entende ou prefere fingir que não entendeu, hein? Uns e outros falando por aí que os resultados dão conta do jogo político, que na democracia é mesmo assim, me parece de um simplismo alienado sem tamanho. Não, não dá para dissociar história de política.

O que vimos foi resultado sim, de um ranço colonial que nos afeta a consciência e não permite ao país avançar, evoluir. Muito pelo contrário, é algo para que ele permaneça sendo pequeno, controlado pelas mãos de uma direita manipuladora, refém do pensamento ultrarretrógrado. A eleição ou reeleição de certas figuras, depois desses quatro anos de intenso desmantelamento do país, é afrontoso demais!

É preciso dar o nome certo para as coisas, tratar o caso com a seriedade necessária. Não descobrimos nada! O Brasil é que decidiu, em um dos piores momentos da sua história, revelar a sua verdadeira face, para não deixar quaisquer rastros de dúvidas para ninguém. Ele escolheu certos reprepresentantes para o Legislativo e para o Executivo que jamais o representarão, que jamais colocarão os interesses nacionais acima de seus próprios.

Lamento, mas é indigerível pensar que depois de tudo o que aconteceu, nesses quatro anos, no país, houve quem entregasse seu voto nas mãos de certas pessoas. Que abrisse mão da sua dignidade dessa maneira! Nem se trata de estranhamento; mas, de uma profunda perplexidade. Só posso supor que ao longo da história nacional, o brasileiro acabou se tornando uma vítima crônica da Síndrome de Estocolmo 1, o que torna tudo ainda mais grave, pois demonstra um desequilíbrio socioemocional e psicológico presente na sociedade.

O que explica porque as situações são sempre analisadas de maneira dissociada, fragmentada, e depois justificadas a partir de uma excessiva contemporização. O brasileiro, pelo menos em uma significativa maioria, parece ter medo de se posicionar, de melindrar os interesses do outro, de defender seus direitos, e fica tentando se equilibrar em cima do muro, vestido por uma diplomacia de meia tigela, que o torna uma figura extremamente caricata, uma representação bizarra do puxa-saco servil.

Então, não adianta que haja pessoas, indivíduos conscientes e atentos em relação à cidadania, porque os impactos desse comportamento nocivo e deletério afetam a todos, prejudicam a todos. Se houve quem se colocasse contrário a escolha de certos pretensos candidatos, no fim das contas, eles acabaram eleitos e continuarão a sina de prestar o melhor desserviço possível ao país, promovendo mais e mais constrangimentos; embora, talvez, nada disso incomode seus eleitores.

O quadro que se desenhou ontem vai reverberar suas consequências por muito tempo. No entanto, perdeu-se todo e qualquer direito de reclamar, de lamuriar, de xingar, de contestar. O voto referendou os absurdos, os despautérios, as insanidades! O voto depositado voluntariamente pelo cidadão. Que deveria ser instrumento de expressão transformadora foi reduzido a um oneroso silêncio alienado.  

Jamais a Terra foi tão plana! Ontem, foi mesmo a vitória da negação, em todas as suas formas e conteúdos. Bem, como escreveu José Saramago, “Por que foi que cegamos? Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão. Queres que te diga o que penso? Diz. Penso que não cegamos, penso que estamos cegos. Cegos que veem. Cegos que, vendo, não veem”. O que significa que “A pior cegueira é a mental, que faz com que não reconheçamos o que temos pela frente”, por isso, “Estamos a destruir o planeta e o egoísmo de cada geração não se preocupa em perguntar como é que vão viver os que virão depois. A única coisa que importa é o triunfo do agora. É a isto que eu chamo a cegueira da Razão” (Ensaio sobre a Cegueira).



1 A Síndrome de Estocolmo é caracterizada por um estado psicológico de intimidação, violência ou abuso em que a vítima é submetida por seu agressor, porém, ao invés de repulsa, ela cria simpatia ou até mesmo um laço emocional forte de amizade ou amor por ele. Fonte: https://www.telavita.com.br/blog/sindrome-de-estocolmo/#:~:text=de%20Estocolmo%3A%20Tratamento-,O%20que%20%C3%A9%20S%C3%ADndrome%20de%20Estocolmo%3F,amizade%20ou%20amor%20por%20ele