domingo, 2 de outubro de 2022

No fim, é sempre mais do mesmo!


No fim, é sempre mais do mesmo!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não, não foram as pesquisas eleitorais que erraram nos seus prognósticos. Pesquisas trabalham a realidade atual, a partir de um fragmento de tempo. Os resultados de hoje, analisando o que alguns já querem intitular como “onda bolsonarista”, não cabe dentro de uma análise superficial; mas, de algo mais profundo que está introjetado historicamente no inconsciente coletivo nacional.

A organização social e política brasileira desde o seu período colonial resultou na formação de uma direita, repleta de matizes mais ou menos extremistas, que detém o poder e o controle no país. Portanto, não sei se por mera força do hábito ou de uma negligência analítica voluntária, fato é que os cidadãos por pior que sejam as conjunturas insistem e resistem a permanecer reafirmando padrões comportamentais, os quais já comprovadamente impactaram de maneira danosa e perversa as suas próprias vidas.

O leque de contradições absurdas que se apura a partir dos resultados da representação política no Executivo e no Legislativo nacional, nessa eleição, chega a chocar os cidadãos mais céticos! Como é possível que o curso dos últimos quatro anos não tenha sido capaz de provocar quaisquer sentimentos de indignação, de decepção, de repulsa, de constrangimento, em relação a algumas dessas pessoas, que agora foram eleitas ou reeleitas, tendo em vista de que elas estiveram diretamente ligadas aos piores acontecimentos dessa história recente.

De repente, foi como se nada daquilo que foi visto e vivido pelos mais de 212 milhões de brasileiros e brasileiras tivesse acontecido. A pandemia da COVID-19 desapareceu! As quase 700 mil vidas perdidas pelo Sars-Cov-2 desapareceram! Pessoas revirando lixo ou comendo ossos de boi desapareceram! Filas de desempregados desapareceram! A inflação nos supermercados desapareceu! A falta de medicamentos desapareceu! O orçamento secreto despareceu! Enfim...

Mas, isso só acontece, e fica bastante claro agora, porque o brasileiro aprendeu historicamente a se curvar às manipulações discursivas do poder. Séculos e séculos de vigilância, de controle e de submissão tornaram as relações sociais no país banalizadas, naturalizadas. Sem contar que o próprio curso da história nacional não possibilitou a população uma construção cidadã, que lhe permitisse efetivamente lapidar suas habilidades e competências a fim de tomar grandes decisões, como é o caso do voto.

Aliás, esse voto acessível a todos sem distinção, só chegou a partir da Constituição de 1988. E muito pouco, para não dizer quase nada, foi tratado sobre a sua importância social e a necessidade de fazê-lo a partir das próprias perspectivas analíticas e reflexivas do cidadão. Acontece que um direito, dessa envergadura, oferecido a um amplo espectro populacional mantido constantemente distante dos seus direitos mais fundamentais, acabou se tornando um lustro para uma pseudoimportância social; visto que, no fundo, esses indivíduos raramente têm a oportunidade de desfrutá-la.

E assim, nessa toada, o que os brasileiros assistiram nesse dia foi a legitimação para que certas pautas como o racismo, o trabalho análogo à escravidão, a intolerância religiosa, a misoginia, a homofobia, a xenofobia, a violência política, a desigualdade socioeconômica e cultural, a depredação ambiental, ... encontrem cada vez mais espaço para prosperar e aprofundar os abismos sociais no país. Basta ver algumas figurinhas carimbadas que se sagraram vitoriosas nessa empreitada eleitoral!

156.454.011 eleitores, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tiveram nas mãos a oportunidade de mudar, de escolher representantes que pudessem alavancar o desenvolvimento, o progresso, a igualdade e a dignidade humana, para tornar o Brasil um lugar melhor; mas, optaram por não fazer isso. Mantiveram-se nas suas bolhas de pseudoconforto, repletas de pseudorregalias e pseudoprivilégios, como se esse comportamento lhes trouxesse a garantia de uma blindagem capaz de protegê-los de quaisquer consequências e desdobramentos conjunturais ruins.  

Mas, não bastasse isso, o pior é constatar que eles nem sequer se constrangeram em passar recibo ao mundo de que não têm amor próprio, não têm dignidade, diante de tudo o que de mais terrível, cruel e brutal aconteceu nesse país nos últimos quatro anos. Silenciosamente, eles se acovardaram para não fazer valer a sua cidadania. Recolheram-se dentro de suas conchas, seus casulos, como se olhar por uma fresta, o mundo, lhes fosse o bastante.  

Só sei que o que vejo não é um país sem sonho; mas, um país que nunca soube sonhar. Um país que se contenta com migalhas, com benesses, com raspas e com restos. Como diria Cazuza, encontrar “um abrigo no peito de seus traidores” 1. Pode ser que, em relação a escolha presidencial, o resultado do segundo turno mantenha-se ajustada as perspectivas das pesquisas eleitorais até aqui realizadas.

No entanto, não nos enganemos sobre o quadro que se desenhou a partir dos resultados maiores da eleição, pois eles tendem a operacionalizar um movimento de forças alinhadas ao seu próprio arcabouço político-ideológico, ou seja, a direita e seus matizes. Portanto, o que se viu hoje não foi sorte, não foi surpresa, não foi o imponderável. Foi apenas a história se reafirmando sobre si mesma, a partir de mãos contemporâneas. Se iremos romper ou não com esse ciclo nada virtuoso; sobretudo, na escolha presidencial, só saberemos em 30 de outubro. 


1 Faz parte do meus show (Cazuza / Renato Ladeira) - https://www.letras.mus.br/cazuza/7245/