sábado, 1 de outubro de 2022

A cidadania além do voto


A cidadania além do voto

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A algumas horas de um pleito eleitoral histórico, tendo em vista todos os acontecimentos que foram tecidos ao longo desse processo, a certeza de que o exercício de cidadania marcado pelo voto não resume a si mesmo propõe outras reflexões.

Na medida em que a cidadania expõe a presença de direitos e de deveres ao cidadão, a escolha eleitoral é o último estágio a se considerar dentro da ampla jornada de análise crítica. Portanto, ela não é um atributo individual; mas, uma síntese da expressão coletiva em termos majoritários e minoritários dos resultados.

Daí a necessidade de olhar além de si mesmo, dos próprios interesses, da própria realidade, para não cometer e nem agravar as desigualdades e invisibilizar as demandas e os flagelos que atingem tantos de seus pares. Afinal, certas decisões podem mudar os rumos da história de maneira irreversível, para milhares de seres humanos.

Feita essa ressalva, fica claro como todo esse movimento repercute diretamente na Democracia, na medida em que traz a população para o exercício do poder político na sua expressão coletiva, ou seja, de sociedade. Subtraindo a ideia de que o desenvolvimento e o progresso socioeconômico possam ser pensados apenas para esses ou aqueles indivíduos, ao invés de todos os cidadãos.

Sendo assim, o exercício do voto precisa ser dissociado da figura humana dos pretensos candidatos para dar espaço a uma associação aos clamores que gritam as urgências, as necessidades, as mazelas, que consomem com voracidade o bom ânimo e a esperança da imensa maioria da população, no cotidiano.  

Pois, os representantes político-partidários são figuras temporárias, efêmeras, substituíveis; mas, os problemas sociais que precisam ser resolvidos não. Esses se arrastam ad aeternum, de eleições em eleições, sem que, tantas vezes, sequer sejam tratados ou levados às pautas de discussão.

Nesse sentido é que o exercício da cidadania não existe sem abrir os olhos e enxergar a realidade a fim de se perguntar como vai o cotidiano. Vai bem? Vai mal? Mais ou menos? Porque sem esse exercício de reflexão cidadã não há a manutenção dos direitos humanos, ou seja, não há direitos econômicos, sociais e culturais.

Só para lembrar o que diz a própria Organização das Nações Unidas (ONU), “Os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente da sua raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição” 1.

Assim, aproveitando a véspera da eleição que coincidiu com o Dia Internacional das Pessoas Idosas, a escolha que será feita amanhã está intimamente relacionada a essa questão, na medida em que o “Mundo terá mais de 1,5 bilhões de idosos até 2050, a maioria em países em desenvolvimento”2, como é o caso do Brasil.

Inclusive o tema das celebrações deste ano, estabelecido pela ONU a partir do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), é “resiliência de pessoas idosas em um mundo em mudança”, considerando todas as recentes experiências trazidas pela Pandemia de COVID-19, as mudanças climáticas extremas, o aumento dos conflitos bélicos e o empobrecimento global.

Infelizmente, a contemporaneidade tem intensificado uma situação muito grave nas sociedades, que diz respeito ao fato de que as camadas mais jovens da população, quando conclamadas a participar das tomadas de decisão, quase sempre, o fazem não só motivadas pelo imediatismo de sua realidade pessoal, como, também, sob a perspectiva dos seus próprios interesses.

O que significa que elas não pensam em longo prazo, não se preocupam com o envelhecimento, tanto em relação ao contingente já idoso quanto aquele que ela poderá vir a participar. No entanto, como escreveu o demógrafo Joseph Chamie, “O século 21 é um século de envelhecimento populacional sem precedentes, com suas consequências econômicas, sociais e políticas repercutindo em todos os países do mundo”3.

Portanto, observando atentamente o atual cenário brasileiro, sob os mais diferentes aspectos, tudo isso tem um peso muito significativo para conduzir as escolhas eleitorais. Muito mais do que considerar as falas desse (a) ou daquele (a) pretenso (a) candidato (a), é na observância íntima e pessoal da experimentação diária da vida o que realmente irá elucidar e orientar a uma tomada de decisão consistente e equilibrada.

Não são os rostos que apareceram nos panfletos, nas propagandas, nas mídias sociais, o que se deve considerar; mas, o rosto do Brasil que nos deparamos todos os dias, por onde quer que façamos nossos traçados.

De certa forma, um rosto que envelheceu de repente com o recrudescimento das dificuldades, das ausências, das insuficiências, das carências, e mostra tudo isso em rugas profundas, em olhos cabisbaixos e desalentados, em corpos exauridos a cruzar os espaços urbanos.

Independentemente das eleições, amanhã, não se permita jamais esquecer de que “se antes de cada ato nosso nos puséssemos a prever todas as consequências dele, a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar” (José Saramago – Ensaio sobre a Cegueira). Mas, para isso é preciso ter a disposição real de aceitar que “Ver aquilo que temos diante do nariz requer uma luta constante” (George Orwell – 1984), em relação às nossas crenças, valores e convicções.