A
cidadania além do voto
Por
Alessandra Leles Rocha
A algumas horas de um pleito
eleitoral histórico, tendo em vista todos os acontecimentos que foram tecidos
ao longo desse processo, a certeza de que o exercício de cidadania marcado pelo
voto não resume a si mesmo propõe outras reflexões.
Na medida em que a cidadania expõe
a presença de direitos e de deveres ao cidadão, a escolha eleitoral é o último
estágio a se considerar dentro da ampla jornada de análise crítica. Portanto, ela
não é um atributo individual; mas, uma síntese da expressão coletiva em termos
majoritários e minoritários dos resultados.
Daí a necessidade de olhar além
de si mesmo, dos próprios interesses, da própria realidade, para não cometer e
nem agravar as desigualdades e invisibilizar as demandas e os flagelos que
atingem tantos de seus pares. Afinal, certas decisões podem mudar os rumos da
história de maneira irreversível, para milhares de seres humanos.
Feita essa ressalva, fica claro como
todo esse movimento repercute diretamente na Democracia, na medida em que traz
a população para o exercício do poder político na sua expressão coletiva, ou
seja, de sociedade. Subtraindo a ideia de que o desenvolvimento e o progresso socioeconômico
possam ser pensados apenas para esses ou aqueles indivíduos, ao invés de todos
os cidadãos.
Sendo assim, o exercício do voto
precisa ser dissociado da figura humana dos pretensos candidatos para dar
espaço a uma associação aos clamores que gritam as urgências, as necessidades,
as mazelas, que consomem com voracidade o bom ânimo e a esperança da imensa
maioria da população, no cotidiano.
Pois, os representantes político-partidários
são figuras temporárias, efêmeras, substituíveis; mas, os problemas sociais que
precisam ser resolvidos não. Esses se arrastam ad aeternum, de eleições em eleições, sem que, tantas vezes, sequer
sejam tratados ou levados às pautas de discussão.
Nesse sentido é que o exercício
da cidadania não existe sem abrir os olhos e enxergar a realidade a fim de se
perguntar como vai o cotidiano. Vai bem? Vai mal? Mais ou menos? Porque sem
esse exercício de reflexão cidadã não há a manutenção dos direitos humanos, ou
seja, não há direitos econômicos, sociais e culturais.
Só para lembrar o que diz a própria
Organização das Nações Unidas (ONU), “Os
direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos,
independentemente da sua raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou
qualquer outra condição” 1.
Assim, aproveitando a véspera da
eleição que coincidiu com o Dia Internacional das Pessoas Idosas, a escolha que
será feita amanhã está intimamente relacionada a essa questão, na medida em que
o “Mundo terá mais de 1,5 bilhões de
idosos até 2050, a maioria em países em desenvolvimento”2,
como é o caso do Brasil.
Inclusive o tema das celebrações
deste ano, estabelecido pela ONU a partir do Fundo de População das Nações
Unidas (UNFPA), é “resiliência de pessoas
idosas em um mundo em mudança”,
considerando todas as recentes experiências trazidas pela Pandemia de COVID-19,
as mudanças climáticas extremas, o aumento dos conflitos bélicos e o
empobrecimento global.
Infelizmente, a contemporaneidade
tem intensificado uma situação muito grave nas sociedades, que diz respeito ao
fato de que as camadas mais jovens da população, quando conclamadas a participar
das tomadas de decisão, quase sempre, o fazem não só motivadas pelo imediatismo
de sua realidade pessoal, como, também, sob a perspectiva dos seus próprios interesses.
O que significa que elas não pensam
em longo prazo, não se preocupam com o envelhecimento, tanto em relação ao
contingente já idoso quanto aquele que ela poderá vir a participar. No entanto,
como escreveu o demógrafo Joseph Chamie, “O
século 21 é um século de envelhecimento populacional sem precedentes, com suas consequências
econômicas, sociais e políticas repercutindo em todos os países do mundo”3.
Portanto, observando atentamente
o atual cenário brasileiro, sob os mais diferentes aspectos, tudo isso tem um
peso muito significativo para conduzir as escolhas eleitorais. Muito mais do
que considerar as falas desse (a) ou daquele (a) pretenso (a) candidato (a), é
na observância íntima e pessoal da experimentação diária da vida o que
realmente irá elucidar e orientar a uma tomada de decisão consistente e
equilibrada.
Não são os rostos que apareceram
nos panfletos, nas propagandas, nas mídias sociais, o que se deve considerar;
mas, o rosto do Brasil que nos deparamos todos os dias, por onde quer que
façamos nossos traçados.
De certa forma, um rosto que envelheceu
de repente com o recrudescimento das dificuldades, das ausências, das insuficiências,
das carências, e mostra tudo isso em rugas profundas, em olhos cabisbaixos e
desalentados, em corpos exauridos a cruzar os espaços urbanos.
Independentemente das eleições,
amanhã, não se permita jamais esquecer de que “se antes de cada ato nosso nos puséssemos a prever todas as consequências
dele, a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as possíveis,
depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro
pensamento nos tivesse feito parar” (José Saramago – Ensaio sobre a Cegueira).
Mas, para isso é preciso ter a disposição real de aceitar que “Ver aquilo que temos diante do nariz requer
uma luta constante” (George Orwell – 1984), em relação às nossas crenças,
valores e convicções.
1 https://unric.org/pt/o-que-sao-os-direitos-humanos/#:~:text=Os%20direitos%20humanos%20s%C3%A3o%20direitos,e%20%C3%A0%20educa%C3%A7%C3%A3o%2C%20entre%20outros.