Pesquisas.
Dados. Estatística. Entre a realidade e a ficção.
Por
Alessandra Leles Rocha
Há tempos que venho escrevendo a
respeito do distanciamento das pessoas em relação à realidade, do hábito de não
se dispor a enxergar a vida como ela é, dissociando tudo, fragmentando a
história, de modo a apontar os prejuízos que esse tipo de comportamento
resulta.
E nessas eleições, um fato
amplamente comentado pelos veículos de informação e comunicação foi o nível de atipicidade
bastante relevante no curso do processo. No entanto, essa observação não foi
suficientemente capaz de se ampliar além das falas sobre a bipolarização
partidária que vem reinando no país nos últimos anos.
Assim, decantadas as horas após o
primeiro turno eleitoral, refeitos dos impactos promovidos pelos resultados
iniciais, começa-se a perceber a influência dessa visão limitada e seletiva,
mesmo diante de tanta atipia, constituindo essa eleição.
E lendo uma matéria publicada,
hoje, a respeito das análises do Jornal Le
Monde, francês, tive a comprovação de que minhas análises, de fato, fazem
sentido. Segundo a referida imprensa francesa, “O fracasso das pesquisas também foi obra de uma ‘sabotagem’ organizada
na cúpula do Estado”, o que significa que “o problema não vem da metodologia das pesquisas, mas sim da ‘falta de
dados’” 1.
Infelizmente, eles sabem o que
dizem. Primeiro, porque a França vive as constantes investidas da ultradireita
para assumir o poder no país e, por isso, eles conseguem perceber, então, com
mais facilidade, o modus operandi de
seus adeptos brasileiros, considerando que o Brasil está sim, sob a ação da
direita e de seus matizes, incluindo os mais radicais.
Segundo, porque a política
francesa se vale recorrentemente das análises de dados, obtidas através de
pesquisas de opinião, para estabelecer não só os seus caminhos de governança;
mas, as estratégias de governabilidade que lhe assegura parâmetros de maior
confiabilidade e estabilidade.
E um dos instrumentos mais
efetivos nesse sentido é, justamente, o censo demográfico que traça um panorama,
tanto macro quanto micro, da realidade nacional. Acontece que no Brasil, o
censo que era realizado a cada década, não só está atrasado em dois anos, como
vem sofrendo ataques constantes na sua operacionalização que está acorrendo
agora, no país.
A impossibilidade de fazê-lo em
2020, por conta do auge da Pandemia de COVID-19 foi compreensível. No entanto,
em 2021, foram as manobras político-econômicas que obstaculizaram a sua realização,
precisando-se da intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF) para que ele
viesse a acontecer em 2022.
Contudo, só de posse de
informações capazes de traduzir a realidade brasileira, de ponta a ponta do seu
território, é que os institutos de pesquisa poderiam traçar as suas enquetes eleitorais
e obter um maior nível de precisão das respostas.
Mesmo porque, o brasileiro e a
brasileira não têm, em geral, o interesse e a participação em pesquisas de
opinião, como é o caso das eleitorais, a não ser que sejam persuadidos com
algum mimo, algum agrado, algum brinde.
De modo que não se preocupam em
responder, exatamente, segundo suas convicções, segundo a natureza da sua
própria realidade. Muitos faltam com a verdade, dependendo da situação, para
não se comprometerem, de algum modo.
Então, se os dados do censo
estivessem disponíveis, a elaboração dos próprios questionários eleitorais poderia
mitigar certos vieses de pesquisa, dificultando a possibilidade de respostas inexatas;
pois, se conheceria melhor a realidade do universo amostral, dentro dos mais diversos
parâmetros socioeconômicos nacionais.
Bom, para quem pensa que isso é
pouco, que é só um mero detalhe, devo informar que não. Isso é sério! Seríssimo!
Porque diz muito além da eleição em si. É esse tipo de fragilidade de
informações, que explica porque certos candidatos, e seus correligionários, não
admitem a existência da miséria, da pobreza, do desemprego, da informalidade,
... Ora, eles se valem da inexistência de dados oficiais que comprovem a
realidade.
Lembre-se de que durante à
pandemia, a ausência de dados consolidados pelo Ministério da Saúde, por
exemplo, obrigou os veículos de informação e comunicação a se reunirem e constituírem
um consórcio para obter as informações e divulgá-las diariamente para a
sociedade brasileira. Foi o meio encontrado para não apenas dar visibilidade à
realidade; mas, sobretudo, colaborar na prevenção e no controle da disseminação
da doença no território nacional.
Considerando, então, que a direita
e seus matizes mais radicais, no Brasil, são ferrenhos defensores da
aporofobia, da xenofobia, do racismo, da misoginia, da intolerância religiosa –
sobretudo, em relação, as religiões de matriz africana -, precarizar a
realização do censo demográfico foi algo altamente benéfico aos seus interesses
políticos e econômicos. Na medida em que se torna evidente o seu desinteresse
por desenvolver quaisquer trabalhos ou políticas públicas de caráter inclusivo,
diversificado e plural.
Vejam! A três meses de findar o
ano, o censo demográfico brasileiro está atrasado e distante de terminar a
contento. Violências têm marcado o trabalho dos agentes do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) na coleta dos dados. Uma apologia à
desinformação tem levado milhares de brasileiros a se negar a responder ao
questionário.
Entretanto, o que a população
brasileira precisa estar ciente é de que sem essas informações o
desenvolvimento e o progresso nacional ficam ameaçados, o que repercute
diretamente na qualidade de vida de todos os estratos sociais.
Pois é, o país perde dentro e
fora das suas fronteiras! Porque a vida sob a referência de uma realidade
paralela, fictícia, idealizada, o afasta de estabelecer relações diplomáticas e
de comércio exterior sólidas e produtivas. Ninguém quer investir em um país que
desconhece sua própria realidade!
Não é à toa que Noam Chomsky 2 escreveu:
“Enquanto a população geral estiver
passiva, apática e distraída pelo consumismo ou pelo ódio às minorias, então os
que estão no poder podem fazer o que quiserem, e aqueles que sobreviverem
estarão lá para contemplar o resultado”.
Se isso não lhe causa repulsa, asco ou qualquer outro desconforto, mantenha-se, portanto, assistindo à construção do caos, até que ele destrua o seu próprio pseudoconforto. Aí, quem sabe, você vai perceber o gosto amargo que tem a sua indiferença, a sua alienação, o seu descompromisso frente à realidade. Porém, pode ser tarde demais para você e para o país.
1 https://www.msn.com/pt-br/noticias/mundo/sabotagem-aos-institutos-de-pesquisa-foi-organizada-pelo-estado-destaca-imprensa-francesa/ar-AA12zCP6?cvid=93a605f8c1f4479fb753fd1466fba106
2 Avram Noam Chomsky é um linguista, filósofo, sociólogo, cientista cognitivo, norte-americano.