terça-feira, 4 de outubro de 2022

Pesquisas. Dados. Estatística. Entre a realidade e a ficção.


Pesquisas. Dados. Estatística. Entre a realidade e a ficção.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Há tempos que venho escrevendo a respeito do distanciamento das pessoas em relação à realidade, do hábito de não se dispor a enxergar a vida como ela é, dissociando tudo, fragmentando a história, de modo a apontar os prejuízos que esse tipo de comportamento resulta.

E nessas eleições, um fato amplamente comentado pelos veículos de informação e comunicação foi o nível de atipicidade bastante relevante no curso do processo. No entanto, essa observação não foi suficientemente capaz de se ampliar além das falas sobre a bipolarização partidária que vem reinando no país nos últimos anos.

Assim, decantadas as horas após o primeiro turno eleitoral, refeitos dos impactos promovidos pelos resultados iniciais, começa-se a perceber a influência dessa visão limitada e seletiva, mesmo diante de tanta atipia, constituindo essa eleição.

E lendo uma matéria publicada, hoje, a respeito das análises do Jornal Le Monde, francês, tive a comprovação de que minhas análises, de fato, fazem sentido. Segundo a referida imprensa francesa, “O fracasso das pesquisas também foi obra de uma ‘sabotagem’ organizada na cúpula do Estado”, o que significa que “o problema não vem da metodologia das pesquisas, mas sim da ‘falta de dados’” 1.

Infelizmente, eles sabem o que dizem. Primeiro, porque a França vive as constantes investidas da ultradireita para assumir o poder no país e, por isso, eles conseguem perceber, então, com mais facilidade, o modus operandi de seus adeptos brasileiros, considerando que o Brasil está sim, sob a ação da direita e de seus matizes, incluindo os mais radicais.

Segundo, porque a política francesa se vale recorrentemente das análises de dados, obtidas através de pesquisas de opinião, para estabelecer não só os seus caminhos de governança; mas, as estratégias de governabilidade que lhe assegura parâmetros de maior confiabilidade e estabilidade.

E um dos instrumentos mais efetivos nesse sentido é, justamente, o censo demográfico que traça um panorama, tanto macro quanto micro, da realidade nacional. Acontece que no Brasil, o censo que era realizado a cada década, não só está atrasado em dois anos, como vem sofrendo ataques constantes na sua operacionalização que está acorrendo agora, no país.

A impossibilidade de fazê-lo em 2020, por conta do auge da Pandemia de COVID-19 foi compreensível. No entanto, em 2021, foram as manobras político-econômicas que obstaculizaram a sua realização, precisando-se da intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF) para que ele viesse a acontecer em 2022.

Contudo, só de posse de informações capazes de traduzir a realidade brasileira, de ponta a ponta do seu território, é que os institutos de pesquisa poderiam traçar as suas enquetes eleitorais e obter um maior nível de precisão das respostas.

Mesmo porque, o brasileiro e a brasileira não têm, em geral, o interesse e a participação em pesquisas de opinião, como é o caso das eleitorais, a não ser que sejam persuadidos com algum mimo, algum agrado, algum brinde.

De modo que não se preocupam em responder, exatamente, segundo suas convicções, segundo a natureza da sua própria realidade. Muitos faltam com a verdade, dependendo da situação, para não se comprometerem, de algum modo.

Então, se os dados do censo estivessem disponíveis, a elaboração dos próprios questionários eleitorais poderia mitigar certos vieses de pesquisa, dificultando a possibilidade de respostas inexatas; pois, se conheceria melhor a realidade do universo amostral, dentro dos mais diversos parâmetros socioeconômicos nacionais.

Bom, para quem pensa que isso é pouco, que é só um mero detalhe, devo informar que não. Isso é sério! Seríssimo! Porque diz muito além da eleição em si. É esse tipo de fragilidade de informações, que explica porque certos candidatos, e seus correligionários, não admitem a existência da miséria, da pobreza, do desemprego, da informalidade, ... Ora, eles se valem da inexistência de dados oficiais que comprovem a realidade.

Lembre-se de que durante à pandemia, a ausência de dados consolidados pelo Ministério da Saúde, por exemplo, obrigou os veículos de informação e comunicação a se reunirem e constituírem um consórcio para obter as informações e divulgá-las diariamente para a sociedade brasileira. Foi o meio encontrado para não apenas dar visibilidade à realidade; mas, sobretudo, colaborar na prevenção e no controle da disseminação da doença no território nacional.

Considerando, então, que a direita e seus matizes mais radicais, no Brasil, são ferrenhos defensores da aporofobia, da xenofobia, do racismo, da misoginia, da intolerância religiosa – sobretudo, em relação, as religiões de matriz africana -, precarizar a realização do censo demográfico foi algo altamente benéfico aos seus interesses políticos e econômicos. Na medida em que se torna evidente o seu desinteresse por desenvolver quaisquer trabalhos ou políticas públicas de caráter inclusivo, diversificado e plural.

Vejam! A três meses de findar o ano, o censo demográfico brasileiro está atrasado e distante de terminar a contento. Violências têm marcado o trabalho dos agentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na coleta dos dados. Uma apologia à desinformação tem levado milhares de brasileiros a se negar a responder ao questionário.

Entretanto, o que a população brasileira precisa estar ciente é de que sem essas informações o desenvolvimento e o progresso nacional ficam ameaçados, o que repercute diretamente na qualidade de vida de todos os estratos sociais.

Pois é, o país perde dentro e fora das suas fronteiras! Porque a vida sob a referência de uma realidade paralela, fictícia, idealizada, o afasta de estabelecer relações diplomáticas e de comércio exterior sólidas e produtivas. Ninguém quer investir em um país que desconhece sua própria realidade!

Não é à toa que Noam Chomsky  2 escreveu: “Enquanto a população geral estiver passiva, apática e distraída pelo consumismo ou pelo ódio às minorias, então os que estão no poder podem fazer o que quiserem, e aqueles que sobreviverem estarão lá para contemplar o resultado”.  

Se isso não lhe causa repulsa, asco ou qualquer outro desconforto, mantenha-se, portanto, assistindo à construção do caos, até que ele destrua o seu próprio pseudoconforto. Aí, quem sabe, você vai perceber o gosto amargo que tem a sua indiferença, a sua alienação, o seu descompromisso frente à realidade. Porém, pode ser tarde demais para você e para o país.